sexta-feira, 7 de março de 2014

Deixe que cortem seus bifes

Acabara de me sentar na mesa ao lado de uma senhora e sua sobrinha de uns 9 anos, mais ou menos. Ambas tinham pedido o prato feito que vinha carne. Eu escrevia no meu bloquinho, pra desabafar, reflexões angustiadas. O prato da menina era o único que não havia chegado, e ela chiava. "É porque no prato de criança eles cortam o bife pra você", explicou a tia. "É por isso que eu não gosto de ser criança!", sentenciava a menina. Eu olhei minhas anotações e tive uma enorme vontade de falar umas mentiras.


Falaria que ela não devia pensar assim, que é muito bom ser criança. Que dificilmente as crianças escrevem, pra desabafar, reflexões angustiadas em bloquinhos. Que ser criança é viver todo dia pulando numa piscina de bolas de plástico. Mentira. Criança sofre sim, sério, e cada um de nós pode escavar a memória pra confirmar isso.

"Quem me dera se minha maior preocupação fosse o fato de meu bife vir inteiro ou cortado!", eu diria. Mentira. Diria nada, ficar passando recibo de existencialista terminal presunçoso. E seria mentira, de qualquer modo. Que graça de vida é essa em que a maior preocupação é um bife?

Consolaria a menina dizendo pra ela curtir bastante esse período da vida, porque passa rápido. Mentira. Nenhum período da vida passa rápido, a gente só pensa assim quando vê que passou. Durante a jornada a infância é um corredor longo, a adolescência é uma espinha gigante, a juventude é um vestibular do fim do mundo, a vida adulta é uma estafa e tudo leva muito, muito tempo pra passar.

Tinha cá pra mim que agora sim haveria enfim um argumento para ela: na infância a gente pode brincar como em nenhuma outra fase da vida. Mentira. Primeiro que pra criança, brincar é coisa séria, é prioridade vital, e tire isso dela que você garante um futuro existencialista terminal presunçoso. E a cascata maior que a adultice nos vende é que não dá pra brincar depois dos 11 anos nunca mais. Pelamordedeus, nem sei como pensei um troço desses.

Fechei o bloquinho, cortei meu bife, senti o brasileiríssimo gosto do feijão e deixei a menina em paz com sua insatisfação. Ela vai descobrir a verdade.

Um comentário:

Flávia Jorlane disse...

Excelente reflexão! O pior é que quando somos crianças sonhamos em ser grandes, sem notar que já somos de um coração imenso!