segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Paris

Este post chega com mais de um ano de atraso. Ou não, talvez só agora esteja claro o que conhecer Paris significou para mim. Foram apenas seis dias na capital francesa, mas que valeram por um portal para outra dimensão. Minha identificação e simbiose foram quase automáticas, e o efeito é maior por ter sido totalmente inesperado. Como pode uma cidade te "dar uma rasteira" dessa forma?


É preciso dizer que a França nunca esteve muito longe de mim. Minha avó nasceu no dia da queda da Bastilha - 14 de julho (não de 1789!), data marcante da Revolução Francesa. Minha mãe sempre gostou da França, e sonhava aprender o idioma e conhecer a cultura e o lugar (o que ela conseguiu realizar no ano passado). Minha esposa fez Aliança Francesa e também adorava o país sem nunca ter estado lá.

Só que eu era imune a todo esse contexto. No Colégio Pedro II tive três anos de Francês, e todos eles com professoras que odiava. Na sexta série uma vez esqueci o livro-texto e - acreditem, em 1992 - fui obrigado a escrever 50 vezes num caderno "Eu não devo esquecer o livro de Francês". Claro que tive que escrever na língua de Napoleão, e o castigo foi tão detestável que sequer me lembro de como era a frase.

No ano seguinte tive uma professora que não devia ter mais de 1,5 metro, aparentava ter uns 150 anos e parecia uma manga chupada, provavelmente de tantos cigarros que tragava. E essa era uma das broncas da turma: ela fumava sem parar durante as aulas. Com 13 anos de idade eu já era fumante passivo, pelo menos nas aulas de Francês.

O auge desse ano foi quando resolvemos desenhar no quadro uma imensa placa de proibido, só que com um cigarro no meio. Acima do desenho vinha escrito "NE FUME PAS", um trocadilho bilíngue dizendo "não fume". Quando a professora entrou em sala, um silêncio cheio de expectativa. Ela simplesmente apagou o desenho e escreveu no lugar: "C'est interdit d'interdire", e começou a aula. Só depois viemos saber o que significava: "É proibido proibir". Essa frase eu não esqueci.

Diante dessas experiências traumáticas, ficou complicado pra França ganhar minha simpatia. Segui aperfeiçoando meu inglês e já no final do Ensino Médio fui assistir "A vida é bela" no cinema. Descobri então como eu curtia o idioma italiano. Assisti diversas vezes a história de Roberto Benigni e seu filho na segunda guerra e em todas elas tentava repetir as falas, aprender um pouco. Mesmo com raiva do filme ter vencido o Oscar em cima de "Central do Brasil", já estava capturado pela Itália. Não muito tempo depois assisti "O carteiro e o poeta", e renovei meu interesse.

Assim foi, até que tivemos a oportunidade de comemorar um aniversário de casamento viajando pra Europa. Já que não poderíamos ficar muito tempo, decidimos: seis dias em Paris, seis dias em Roma, e cada paixonite estaria contemplada.

Mal sabia eu.

*****

Eu não sei dizer exatamente quando e como Paris me conquistou. Mas consigo lembrar de momentos da viagem que personificaram isso muito bem. Quando nos deslócavamos de metrô por toda a cidade, por exemplo. Meses antes eu e milhares de pessoas estávamos nas ruas do Brasil protestando por um transporte público de qualidade, e foi o que encontrei cruzando o Atlântico. As integrações com trem e aeroporto (outro fenômeno) eram o que deveria haver em qualquer cidade do mundo, principalmente as capitais. Em Paris também vi carros elétricos e bicicletas alugáveis.

Paris também é uma cidade para flanar pelas ruas. É um clichê, eu sei, mas se justifica. Como sinto falta disso no Rio, uma cidade que não tem espaço para crescer como cresceu, aonde andar de bicicleta é uma aventura arriscada. Na capital francesa há calçadas largas cheias de prédios preservados, com a torre de Monteparnasse sendo o único arranha-céu mau caráter.

Nos passeios eu me deparava com jardins de todos os tipos, todos com um clima de "pra quê a pressa, sente aqui, contemple, leia um pouco, esqueça da hora". Sem zoação, aí comecei a entender a simpatia dos franceses pela Bahia. Desde que li "Devagar", de Carl Honoré, não me sentia tão familiarizado com um estilo de vida que descarta a velocidade como um valor em si.

Todos os jardins eram limpos e bem cuidados. No de Luxemburgo sentamos nas cadeiras e ficamos duas horas sem fazer nada além de relaxar e bater papo. E sem nenhuma culpa por não estar aproveitando aquele tempo para fazer outras atividades turísticas. O mesmo na Place de Voge enquanto comíamos um falafel. O mesmo no Jardim das Tulherias, ainda que totalmente intimidados pelos bandos de corvos que nos cercavam.

Havia ainda os museus e aquela sensação de ver ao vivo, pertinho de mim, originais de quadros que só conhecia pelos livros e pelo Google Imagens. Não conseguirei descrever a sensação de estar na galeria dos Impressionistas no Museu d'Orsay, tampouco o que Monet, Renoir e companhia causaram em mim. E aquele era só um. Visitamos muitos museus, cada um melhor que o outro, respirando cultura a cada esquina dobrada. E cientes de que seis dias nunca seriam suficientes.

Outra coisa que me impressionou estar no lugar aonde a História ocorreu - embora isso passe despercebido mesmo de nós, no Rio de Janeiro, e imagino que também deva ocorrer entre os parisienses. Mas foi um impacto sentar na Catedral de Notre-Dame, abrir o guia e ler que naquele altar Napoleão foi coroado... Ou que naquela cela da Conciergerie Maria Antonieta aguardou seu julgamento para ser guilhotinada... Ou que na Place de la Concorde é que ficava a famosa guilhotina... Ou que debaixo daquele arco Napoleão, Hitler e De Gaulle marcharam em triunfo... E o casalzinho em bodas botando seus pezinhos ali também.

A ciência política, que de uns anos pra cá tenho estudado mais, deve muito à França. Porém foi desconfortável perceber que mesmo uma revolução tão iluminista resultou em sangue dos próprios revolucionários originais. A viagem me trouxe a certeza de que a democracia não é fácil, mas difícil mesmo é tentar algo fora dela.

E os cafés? Ah, os cafés... Centenas, de todos os tipos, em todos os bairros. Assim como os jardins, te convidando a desafiar a marcha capitalista do tempo e da produtividade. Estive no Deux Magout e no Fiore, aonde Sartre e seus amigos esboçaram o Existencialismo. Mas também estive no Cafe de la Paix, em frente ao majestoso teatro Opera.

Pra completar, a França como um todo ainda nos ensina como viver bem, está limpando sua matriz energética e combatendo a gentrificação de sua capital.

Transporte público, flanar, história, cultura, cafés, qualidade de vida como valor, menos poluição... Coisas que ajudam a explicar minha identificação com Paris. Contudo não dão conta. É algo além. Passar seis dias numa cidade e ter vontade de morar nela parece febre de turista embasbacado. A realidade poderia me dar um choque (não necessariamente em forma de atentado terrorista, que ocorreu bem perto de onde nos hospedamos). Na rotina, no contato diário com os parisienses, no inverno, são várias as possibilidades de desencanto. Talvez  uma viagem anual com parada obrigatória em Paris já bastasse. Ou uma crônica do Verissimo.

Mas não é isso. Eu realmente gostaria de, ao menos, ter um apartamento lá e assim uma desculpa para voltar. Ou uma desculpa para não voltar? Minha sincera dúvida diante dessa pergunta é um atestado de que não foi qualquer coisa. E, para o meu próprio bem, não sou eu quem vai banalizar o extraordinário em que tropecei.

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