domingo, 19 de junho de 2016

Café

A experiência com o café. A relação com o café. Ele está à minha volta desde a infância. A parceria com o leite que o dissimula. O pão com manteiga que o valoriza. O energético muito antes de o sabermos - e de inventarem os energéticos. O compromisso diário que se assanha em vício. Goles de sabedoria. O que é isso?



Abre-se o pacote, aquele aroma forte e inconfundível, nem precisaria ainda beber alguma coisa. Mas há mais. O achado tecnológico: a cafeteira individual. Coloca-se o pó, fecha-se o recipiente, vai pro fogo. Graças a Deus, não demora. O apito do primeiro trem do dia. O aroma chegou à vida adulta, toma conta da cozinha, seduz. Afoito, desligo o gás.

Mini-cachoeira fervente na caneca, salivação. Se está calor, não importa. Se está frio, importa demais. Em qualquer clima o café que desce na garganta é forte e adequado. Por um tempo divide as atenções com um alimento sólido, que sempre procuro acabar antes. Logo volto ao meu enamoramento.

As duas mãos na caneca e um sorver devagar, assimilado. Sinto-me um sommelier solitário sem querer, saboreando sensações. Aliás, minha trajetória com o café foi parecida com a do vinho: primeiro o suave, doce; depois, o passo para o puro, seco. Meu café é "caubói": sem açúcar ou adoçante. Fidelidade total, sabor sem concorrência. Não foi sempre assim, mas agora não há como ser diferente.

Inevitável lembrar do bom velhinho, Drummond: "café gostoso/café bom". Lembro de Minas Gerais e já conto os dias para trazer um pouco do café de lá. Outro dia experimentei um do interior da Bahia. Desejo de rodar o Brasil e, de cada região, trazer o seu café. Que melhor maneira de sentir minhas raízes?

(Aliás, o mundo que nos agradeça, boa parte dele bebeu dessa frutinha da nossa terra e daí não parou mais. E o que é o chá das cinco inglês diante de um cafezinho que se apresenta por todo o dia?)

Caneca vazia, resigno-me. Hora da mais-valia. Ao chegar no andar, uma virada à esquerda e o encontro da máquina. Não tenho preconceitos. Um curto torrado mecanicamente na hora. Não há dia que comece sem esse gole. Não há como explicar. Chame de hábito,vício, mania - o significado da manhã de um dia difícil não é o mesmo sem café.

O lado vampiro do café interrompe nosso contato: depois das 17h é um passo para a insônia. Se preciso ficar mais tempo na tornozeleira do crachá, rompo a regra em nome da sobrevivência neuronal.

Vem a imagem do emblema do Colégio Pedro II, aonde estudei da alfabetização ao ensino médio. Todo dia olhar pro bolso e checar se o símbolo ali estava, ou seria passível de não poder entrar na escola. Ali está o globo terrestre cercado por dois ramos de folhas verdes e frutos vermelhos. Ali, sedimentado desde meus 6 anos, uma sugestão que se encarna 30 anos depois como nunca.

À bebida que não exige brinde mas se engraça com o congraçamento, minha felicidade resumida num simples ferver de água.

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