Cada um com seu cada qual, com seus hábitos e os modos
de exercê-los. Como se lê?
Gosto de ler em trânsito, porém restrito à
estabilidade dos trilhos. Tentar ler dentro de um carro ou do ônibus me leva à
dor de cabeça e ao receio de um descolamento de retina. E assim, a futuras
dores de cabeça. (Bem maiores do que a que estou tendo agora: afinal, é descolamento ou deslocamento de retina? Já chequei a resposta, não gravei e fiquei
eternamente preso nesse looping morfológico.)
As leituras no metrô ganharam concorrência brutal
dos podcasts. Ambos disputam
sinestesicamente se mais vale ouvir do que correr os olhos da esquerda
para a direita. A leitura é dos extremos: fala grosso como um conservador que
exige o respeito às tradições, e também feito criança que reitera seu lugar gritando
“cheguei primeiro!”. O adolescente podcast dá de ombros e continua blasé, sem querer tentar entender as demais
gerações.
A rede na varanda também viria a ser habitat de
leituras específicas, como a gigantosa revista Piauí. Até então pensava em usar
a herança indígena apenas para exercer o sagrado direito universal da soneca
pós-almoço. Mas deitar e deixar cotovelos e olhos fazerem o único esforço
necessário revelou-se a melhor forma de ler, ao menos pra mim.
Assim redescobri um dos grandes prazeres da vida: cair
no sono com óculos ao rosto e livro (ou revista, ou e-book) repousando sobre o tórax. Traduz a despreocupação que
almejamos ter em vida. Antes da obrigação de deixar as coisas nos seus devidos
lugares (no móvel do quarto ou em alguma gaveta), o prazer de se deixar levar
pelo prazer. No caso, pela leitura rumo ao sono. Livro aberto no peito é atestado
de carpe diem.
É curioso, pois inicio o processo cheio de vontade
de ler e muito me satisfaço com o fato de não ter avançado tanto e estar
sonhando. Acordar sem miopia recebendo um pequeno abraço em papel de boa
gramatura é recompensador. A leitura, dessa vez, não fica enciumada. Sabe que o
sono é pura biologia que recebeu uma senhora ajuda. Percebe que o sagrado direito
universal é seu aliado de longo prazo: mente descansada, oficina literária.
Em tempos de quarentena, também reaprendo que ler é
a forma mais eficaz de se ir longe sem sair do lugar. E descanso.
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