Fora as obras de Oscar Niemeyer, o que me impactou também foi o trabalho dos artistas que o arquiteto trouxe consigo. Dentre eles, Athos Bulcão. A principal referência são azulejos que formam painéis geométricos e combinados com poucas cores. Você provavelmente já viu um desses durante o noticiário político cotidiano. Nos corredores da Câmara dos Deputados, por exemplo, servindo de cenário para o trabalho de jornalistas entrevistando deputados e cobrindo o Congresso. Mas os azulejos de Bulcão estão em outros pontos da cidade, de prédios públicos a privados e estações de metrô.
Eis que o centenário do artista não passou em branco aqui no Rio. O Centro Cultural Banco do Brasil resolveu fazer uma exposição e eu não poderia deixar de ir. Almocei rápido, me escondi da opressão solar do calor carioca, peguei o VLT até a Candelária e desembarquei ao lado do CCBB.
Apesar dos azulejos famosos, Athos Bulcão também produziu colagens fotográficas, algumas esculturas e também pinturas. Inúmeros quadros em uma sala só para eles, mas um deles me capturou. E eu não sei dizer por quê.
Era um pequeno apresentando quadrados de um lado, tal um tabuleiro de xadrez colorido, e pequenos pontinhos aglomerados do outro. Apesar de assistir à exposição mais rápido do que gostaria (afinal, hora de almoço), parei em frente ao quadrinho. E tomei apenas uma decisão: me deixar levar. Tal um participante de rafting que desistiu de se preocupar com os trancos da corredeira.
Não quis entender o quadro. Despi-me de qualquer ameaça de curiosidade em saber o que o artista quis dizer com a pintura. Também desisti de acessar qualquer mínimo conhecimento sobre o estilo ou as influências de Bulcão. Apenas me voluntariei para um quase hipnotismo, posto que ainda consciente de minhas decisões e de tudo o que estava acontecendo.
Não meditei. Não me distraí. Alentei a pressa. Fiz-me inteiro na ação de fruir da arte com o mínimo objetivo de ir percebendo os efeitos daquilo em mim.
É difícil explicar. Não senti nada místico, mas a certeza de algo que só o encontro com a arte pode proporcionar. O resultado em mim não era nada utilitário (“pra que vai me servir?”) nem superficial (“matei o tempo de um jeito bacana”). Sei que entrei e saí daquele quadro diversas vezes, estive no ateliê do artista, passeei por todo meu background cultural, fui invadido por desconhecidas sensações - sem necessariamente estar ciente de cada um desses processos. A arte me chamou pra dançar e sussurrou no meu ouvido: “É bom, né?”.
O quadrinho de Athos Bulcão endireitou minhas veredas. Eu, que busco funcionalidade e pragmatismo em tantos livros, filmes e exposições, fui exposto à minha própria mesquinharia inconsciente. Por que não se entregar à arte pela arte, jogando-se de olhos abertos no abismo da fruição desconhecida? Esquecer o conceito de espaço e suas limitações, sobrepujar a pseudo-tirania do tempo. Entrar na dimensão da obra de arte e ser alvo de seus cavalares feixes de oxigenação. O mundo é o mesmo após uma experiência dessas?
Provavelmente sim, mas não o meu.
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