O coronavírus é a guerra mundial da minha geração.
Após a Guerra Fria, com vários países possuindo seu arsenalzinho ou arsenalzão nuclear, houve um sossegamento geral. Os conflitos tornaram-se localizados e pontuais, com mais jeito de fervura em banho maria do que incêndio generalizado. Uma guerra total de boa parte do mundo contra boa parte do mundo – como ocorreu em 1914 e 1939 – parece descartada.
Tudo o que conhecemos desses acontecimentos veio dos livros e filmes (tendenciosos ou não) contando a História. E de depoimentos (tendenciosos ou não) de quem viveu tudo aquilo, pelos mais diversos pontos de vista. É claro que populações que vivem em zonas de conflito atuais (quintais das grandes potências) ainda têm essa experiência, infelizmente. Mas, também infelizmente, o mundo não para por esses conflitos – ao contrário da pandemia.
Se a partir dos anos 1990 uma integração muito mais profunda que a do começo do século XX foi aditivada - novamente graças às tecnologias de comunicação e transportes, só que bem mais intensa e bem mais veloz – uma das contas chegou agora. Nenhum de nós está imune aos efeitos e notícias do vírus pelo mundo.
Assim como numa guerra mundial, famílias estão separadas umas das outras, há soldados na linha de frente, fronteiras sendo fechadas, economia global em jogo, relações internacionais ainda mais esquisitas. E tudo servindo de pretexto para se realizarem desejos autoritários, xenófobos e eugênicos de toda ordem.
E mortes. E líderes insensíveis às mortes. Que não são monstros quixotescos, mas possuem seu exército de defensores, alguns bem fanáticos quanto ao que aquele líder encaminha, mesmo que sejam destinos loucos e sepulcrais. Apoiadores oficiais, outros ideológicos, cada um em sua trincheira ignorando os apelos de paz e direitos humanos. Uma guerra sem convenções de Genebra como contrapeso mínimo, mesmo em estado de guerra.
E há os que faturam com tudo isso. Que sequer enrubescem por não querer perder dinheiro (que já lhe sobra) enquanto tantos sequer podem visitar ou enterrar seus doentes. O cinismo em carne viva, sem pudores e banhado em justificativas injustificáveis.
E também a sensação de que não sabemos quando tudo isso vai acabar. Ou como voltaremos à “normalidade” de antes. Sabendo que não seremos os mesmos após esse acontecimento, que dirá a política, a economia, as relações. Mas aprendendo a aceitar e conviver com as restrições, os racionamentos físicos e emocionais, e a condição humanoide que cada vez mais nos envergonha. Afinal, o vírus foi o teste surpresa enquanto procrastinávamos estudar pro aquecimento global.
É a minha guerra. E há momentos em que o vírus parece o mais inofensivo dos meus inimigos.
Como viver durante uma guerra? Como aceitar o estado de guerra? Como conviver com a imprevisibilidade do desfecho aceitável? Como resistir? Como resistir à impulsividade de resistir de todo e qualquer modo, arriscando muito sem estratégia? Que “novo-velho” normal é esse, e como degluti-lo de forma a prosseguir com o sopro de vida? O que minha filha espera de mim? Como não me cobrar além das minhas possibilidades? Quais são as minhas possibilidades?
É o que tenho buscado saber. Resgatando leituras, relatos e informações do tempo dos grandes eventos do século XX citados acima. Perguntas cuja honestidade para comigo mesmo aquece como fogueira em meio à noite passada no deserto. Quem mais estará em volta dela?
Nenhum comentário:
Postar um comentário