sábado, 13 de setembro de 2003

E agora, José do Patrocínio?

Depois de um longo tempo, vi algo de bom na primeira página do GLOBO: Conar proíbe jovens e cenas eróticas em anúncios de bebida. Essa medida pode trazer conseqüências mais inesperadas do que pensamos... Além disso, as reações dos publicitários a ela revela intenções e problemas que são sempre mascarados pela beleza dos anúncios. Quer ver só?

Primeiro, que uma classe social sui generis vai ser muito prejudicada: é a tal da "modelatriz". Você sabe, elas não são modelos nem atrizes, mas um mix dos dois sem desempenhar nenhuma das funções direito. Mão-de-obra principal dos anúncios de cerveja - são jovens e eróticas - como começarão a carreira tão sonhada? Como evoluir para a capa da Playboy e para o tórrido romance ovulatório com jogadores de futebol e demais celebridades, agora? Mostrar (ao lado do álcool que deixa os homens com aquela barriga sexy) suas carnes glúteas era o pontapé inicial. Curioso: a única carreira em que "pé na bunda" pode significar emprego...

A indústria da bebida também deve ter ficado surpresa com tal medida, que começa a vigorar no verão! Todo o estratagema montado por anos e anos (sem trocadilho, por favor) para as vendas subirem na sudorípara estação vai por Conar abaixo... A decisão também proíbe o uso de animais humanizados, bonecos ou animações, para que as crianças não sejam despertadas pro álcool (e o mercado futuro? O mercado futuro!). Só que pra fechar a conta desse possível prejuízo eles vão empurrar a responsabilidade para os... publicitários!

Aí é que a cobra fuma, a porca torce o rabo, a onça bebe água e demais slogans populares.

O discurso oficial da P&P é que "as agências terão que usar ainda mais de criatividade e vão conseguir". Hilário... AINDA MAIS? Acho que agora é que vão ter que provar que sabem criar. Atiçar o público-alvo em seus básicos instintos é muito mais fácil que convencê-lo a fazer uma escolha consciente e tomar decisão idem.

VÃO CONSEGUIR? Quem disse a frase acima é o sócio-diretor da Agência Total, responsável pela campanha da Schin (que por sinal, é um primor de criatividade: "Experimenta" até encher o saco!). Esse "vão conseguir" pode muito bem ser traduzido por "pelamordedeus, é a nossa única chance" ou "consigam ou muitos de nós estarão na rua em breve". A decisão do Conar pode ser o primeiro grande desafio para uma indústria publicitária acomodada na fórmula bunda-futebol pra vender outro prazer cheio de riscos pessoais e sociais.

A matéria informa que a decisão do Conar antecipa-se a uma possível legislação do Congresso, que prometia ainda mais rigor com as propagandas. Ou seja, dos males o menor. Mas, dependendo de como se virarem, esse menor torna-se relativo. Longe de mim duvidar do talento dos publicitários brasileiros, mas o Conar prestou um serviço público imenso - talvez sem querer. Nem a grande imprensa teve peito pra questionar essas campanhas que tratam o homem como bicho, nem os publicitários ousaram mudar a fórmula pensando no bem ou mal-estar que faziam ao público com suas campanhas. Na marra, o Conar obrigou a imprensa a se auto-flagrar e as agências a produzirem algo de menos inutilidade pública.

Agora eu quero ver a paixão nacional experimentar o argumento redondo dentro da lei, refrescando principalmente os pensamentos. Ah, mas com moderação e pegando táxi depois, porque também faz mal à saúde.

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