Chico, Tom e Vinicius
Pode parecer escapismo, mas não é. Assim como, diante das torrentes que tentam nos submergir e é preciso vir à tona, tomar fôlego e renovar as energias para prosseguir, é alento para um coração brasileiro assistir ao especial sobre Chico Buarque e Tom Jobim, exibido pela Bandeirantes no fim do último domingo. Da mesma maneira o documentário "Vinicius", ainda em cartaz nos cinemas, sobre um dos principais parceiros de Tom, o poeta Vinicius de Moraes.
Sim, nosso país está em meio a mais uma crise, não podemos sequer por um minuto descolar os olhos dos políticos, somos assolados por violência explícita e implícita, e não sou eu quem vai incentivar aos leitores deste blog a esquecerem a realidade. Mas para enfrentar os desafios de nosso tempo é preciso memória. É preciso história, principalmente do que vale lembrar, do que tem valor, do que também é Brasil.
Chico, Tom e Vinicius são Brasil. São brasileiros como eu, e isso me enche de um orgulho maior do que a vergonha pelos desalinhos sociais. Não excluo nem o orgulho nem a vergonha, mas é hora de sublinhar o que já é fato: sou feliz por ter como expoentes de minha cultura nacional Chico, Tom e Vinicius.
O especial foi fantástico, ainda que simples: tão somente clipes de alguns bastidores e shows, intercalados com depoimentos recentes de Chico. E bendita seja a mídia, eu que tanto a critico: seus aparatos permitem imortalizar quase ao vivo a vida de quem já se foi e não era pra ter ido. Posso ver Tom cantando, compondo e falando sobre música e até mesmo bobagens, demonstrando que de mito nada teve, era gente como eu e você. E explorem mesmo o "filão" Chico Buarque (no intervalo do especial, os anúncios dos novos DVDs sobre Chico, com o mercado sempre tirando uma casquinha), registrem, vamos falar pra sempre do que é bom pra caramba.
Há gosto pra tudo e você já percebeu que gosto de Chico, Tom e Vinicius. Não vou aqui discutir o que é música popular hoje, o que está sendo esquecido pela galera mais jovem. Vou apenas ressaltar pela milésima vez que devemos agradecer a Deus por ter nos dado Chico, Tom e Vinicius. Por sua poesia, inteligência, música e também sensibilidade social.
Ainda não vi o filme "Vinicius", mas uma reportagem narrou que os espectadores mais velhos têm saudade daquele Rio de Janeiro da época. Não sei ao certo em que sentido falaram (não li a reportagem inteira), mas ao menos no inconsciente coletivo haverá a saudade de um Rio menos violento e mais harmonioso. Não adianta negar, carioca. E "Vinicius" tem evocado essa nostalgia maravilhosa.
Porém eu, sem ter vivido naquele tempo, acrescento ter saudade da classe média de então. Vinicius de Moraes, diplomata, virou nome de rua em Ipanema, por justa causa; Tom Jobim, vizinho e famoso mundialmente; Chico Buarque, filho do autor de um dos livros indispensáveis para se entender nosso país, também morador da Zona Sul, olhos verdes de garoto rico. Pois em todos eles a música - por meio do samba, em todas as suas variantes e manifestações culturais - foi a ponte integradora entre Chico, Tom e Vinicius e os não tão privilegiados.
"O morro não tem vez/E o que ele fez já foi demais/Mas olhem bem vocês/Quando derem vez ao morro toda a cidade vai cantar" - Tom/Vinicius; "Já mandei subir o piano pra Mangueira/A minha música não é de levantar poeira/Mas pode entrar no barracão" - Chico/Tom. Exemplos de como esses expoentes de nossa música relacionavam-se com nossas favelas. Não eram sociólogos, governantes, secretários de Estado ou policiais. Eram músicos, e na parte que lhe cabiam, executavam a necessidade de integração - e não de apartação - das classes altas com as classes baixas. Chico, Tom e Vinicius subiam o morro, e eles desciam ao encontro de Chico, Tom e Vinicius, metafórica e literalmente. Dessa comunhão surgiu parte considerável do DNA de nosso orgulho atual, já mencionado.
Que querem os moradores de Leblon e Ipanema, de uns tempos pra cá? Distância daquela gente. Remoção, desaparecimento, invisibilidade, praias limpas. Precisam de seus BMWs, ainda que a custa de salários de fome dos empregados/escravos. Não querem saber de integração, quando muito de alguma açãozinha social pra conseguir dormir à noite em seus travesseiros com pena de pavão.
(Não sejamos infantis: "moradores de Leblon e Ipanema" é um termo para classe média. Assim como "favela" para classe pobre. Tenho pouco espaço e você pouca paciência para ler na tela do computador, então preciso ser o mais sucinto possível na linguagem).
A questão é: agindo, pensando e fazendo com que seus herdeiros pensem de igual forma, a classe média de hoje desonra seus antepassados, contemporâneos dos personagens reais de "Vinicius". Podem pagar o tributo devido indo aos cinemas e vendo especiais na TV, mas na hora da prática de sensibilidade social integral (e não só pontual), sujam o nome e a obra de Chico, Tom e Vinicius. E ainda dão escândalos nas primeiras páginas quando a violência se acentua, como se a mesma surgisse "do nada", como se não fosse correspondente à exclusão social que avista os incluídos da janela do barraco. Por favor... Se for o caso, fiquem quietos. Ou cantarolem uma bossa nova.
Chega de saudade. A realidade é que sem ela não há paz, não há beleza. É só tristeza e a melancolia que não sai de mim, não sai de mim, não sai.
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