quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

A culpa é de JK

Quebremos o mito. Somente os arquitetos devem dar graças pelo governo de Juscelino Kubitschek. Afinal, Brasília é um marco mundial da qualidade dos brasileiros Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Fora isso, a cidade é uma fortaleza que cristalizou no espaço público e geográfico brasileiro a impunidade inconseqüente. É uma ilha em terra firme, cercada de distância do povo, fisicamente mesmo. E isso foi uma tragédia para a democracia.

O aumento de 91% dos salários dos parlamentares do Congresso, dado pelos próprios, é uma prova disso. Renan Calheiros e Aldo Rebelo, respectivamente presidentes do Senado e da Câmara, transparecem na foto acima a cara de quem está fazendo muita caquinha. Mas sabem que o único ônus que vão enfrentar é o mau humor da opinião pública. Nada mais. Nunca a opinião pública foi tão fraca, e Brasília ajuda nesse processo.

"Se essa palhaçada fosse na Cinelândia/Ia ter muita gente pra juntar na saída/Pra fazer justiça, uma vez na vida". Os versos de Herbert Vianna nunca foram tão atuais. Se o Senado e a Câmara continuassem no centro da cidade do Rio de Janeiro, ao lado do povo, cuja maioria circula por ali na busca diária de salários nada astronômicos, duvido que estariam tão tranqüilos em aprovar um aumento desses. Por mais que um exaltado quisesse chegar às mortais vias de fato - que nossa racionalidade condena mas, confessemos, dá vontade - no mínimo teriam que agüentar protestos bem próximos.

Mas eles estão em Brasília. No meio do deserto Planalto Central, numa cidade inventada sem vizinhança. E, na Praça dos Três Poderes, antes de se chegar aos Palácios e Casas Parlamentares, há um lago que anula qualquer tentativa de aproximação não autorizada. JK, com sua idéia incensada até hoje, deixou o povo longe dos políticos, e realizou o sonho obscuro de todo político mal-intencionado: ficar distante do povo enquanto não há novas eleições. Só por essa loucura, JK já pode ser considerado um desastre para o país. Sua cidade inviabilizou ainda mais a democracia.

Quando vier a próxima proposta de Reforma da Previdência (que não duvido que possa ser necessária, haja vista o envelhecimento da população), cobremos dos nossos representantes o exemplo vindo de cima. O corte ou congelamento dos salários deles; o corte nos jetons e auxílios paletó, gasolina, cafézinho; a demissão de metade dos assessores de gabinete; a extinção da indecente aposentadoria vitalícia para ex-presidentes, ex-governadores, ex-senadores e ex-deputados, que conseguem conquistá-la com dois mandatos apenas (no caso do presidente, um mandato). Não se engane com a desculpa de que o Congresso cortou despesas que possibilitaram o aumento. A questão é mais moral do que econômica. Não é justo, uma vez que não pode ser aplicado aos demais cidadãos.

Após a catarse, vamos ao espelho: você, que deve se lembrar em quem votou, pesquise se ele votou a favor desse indecente aumento (a votação foi dos líderes dos partidos, mas ainda assim o candidato, que pertence a um partido, deve uma explicação). Se tiver contato pessoal com ele, pergunte por que votou a favor (ou foi conivente) diante da gritante desigualdade social brasileira, diante da carga tributária avassaladora e do leão morto a cada dia pela maioria dos brasileiros, tão somente para sobreviver com dignidade. Incomode-o, apesar de Brasília. E não vote nele outra vez, pra que todos aprendam. Faça a sua parte. Ou seja omisso e engula caladinho essa nova falta de vergonha. E não venha murmurar perto de mim depois...

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