Eu sou do Rio de Janeiro
Do alto andar aonde trabalho sinto-me Robinson Crusoé. Uma vez cheguei mais tarde e, duas horas antes, quase em frente ao meu prédio, um passante foi baleado por estar perto de um assalto. Da janela deu pra ver o vermelho sangue. Centro do Rio de Janeiro.
Há duas semanas, a duas quadras de onde trabalho, um vigia do banco Itaú atirou numa pessoa que, parada na porta giratória, pareceu-lhe suspeito ladrão. Não era, mas morreu assim mesmo. Hoje, passando em frente à agência aonde aconteceu o episódio, vejo uma manifestação com cartazes dizendo que o tiro foi movido a racismo. E que o assassino está solto.
Ontem minha cidade foi alvo de estratégicos ataques terroristas nada preconceituosos: atingiram moradores da Zona Sul à Zona Norte, do outro lado da ponte Rio-Niterói e também visitantes de Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo. Destes, sete morreram queimados dentro de um ônibus recém-assaltado na Avenida Brasil e em seguida incendiado. Um policial que dava plantão numa cabine na Praia de Botafogo pela primeira vez morreu metralhado, além do ambulante que fazia ponto ao lado. Delegacias também foram atacadas, algumas com granadas.
Tenho um amigo de infância que hoje é policial, noivo de uma amiga que é de Cachoeiro do Itapemirim. Ele está de férias, ela estava em casa, eu estou em paz (agora).
Sinto-me Robinson Crusoé ao não ser atingido (diretamente) por nada disso, porém tudo acontecendo ao meu redor. Já andei muito pela Avenida Brasil, trabalhando ou chegando de viagem; já passei muito por portas giratórias dos bancos, já trabalhei quatro anos num deles; todo dia ando pelas inúmeras ruas do Centro; sempre vou ao Cinemark Botafogo; já peguei carona com meu amigo de infância, voltando do futebol.
Sinto-me Robinson Crusoé ao saber que os chefões do crime têm regalias e que as mesmas, quando ameaçadas, param e matam a cidade. Ou quando o jornal local ofende os moradores ao entrevistar ao vivo o presidente da Riotur, para que o mesmo discorra sobre os prejuízos do episódio para o reveillon e para a chegada de turistas na cidade.
Hoje discordei de uma amiga quando ela disse que o mundo era um lixo, que os seres humanos eram um lixo, e que por isso ela não queria gerar descendência.
Eu, Robinson Crusoé que estou, só queria continuar a discordar.
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