segunda-feira, 11 de dezembro de 2006


Mrs. Northfleet


Ellen Gracie Northfleet, brasileira. Primeira mulher a presidir o Supremo Tribunal Federal (STF), instância máxima do Poder Judiciário. Devido ao cargo, na ausência do Presidente da República, do Vice, e dos presidentes da Câmara e do Senado, ela pode ser também a primeira mulher a exercer o cargo de mandatária-chefe da nação. Deve ter enfrentado preconceitos e machismos da sociedade para exercer sua vocação. Para chegar ao posto em que está, também deve ter estudado muito as leis do país, principalmente a Constituição Nacional.

Ellen, semanas atrás, propôs que o teto dos salários dos juízes dos Ministérios Públicos Estaduais deveria ser equiparado ao teto dos ministros do STF. Nos valores atuais, o salário passaria de R$ 22.111,00 para R$ 24.500,00. Como se já não bastasse a Câmara e o Senado defenderem o aumento de 91% dos seus vencimentos, recentemente. Se o Executivo passou por escândalos e o Legislativo prosseguiu legislando em causa própria, só faltava o Judiciário se pronunciar. Poderia condenar publicamente a falta de bom senso dos congressistas, mas não. Com a proposta de Ellen, legitimou o descalabro flagrante com o dinheiro público. Também em causa própria.

Gracie não esperava a grita da opinião pública, que rechaçou tal atitude de quem já recebe seus proventos muito acima da média dos brasileiros, sem contar os auxílios congênitos. Averiguou e disse que cerca de 300 juízes já recebiam acima do teto, ilegalmente. Não disse quem ou onde, deixando no ar a imprecisão da informação e a desconfiança de que soltou um oportuno sofisma pra acalmar os ânimos que ela mesma exaltou.

Northfleet, com toda a capacidade intelectual que deve ter para ser ministra do STF, parece não perceber que a desigualdade social agrava a violência. Que poucos com tanto e tantos com tão pouco são um vácuo perfeito para o sentimento de injustiça geral e para alguns que preferem fazer a justiça com as próprias mãos. Inspirados em Robin Hood na prática (mas não no caráter), existem para tomar dos outros o que lhes falta, ou o que cobiçam.

Que os astutos leitores deste blog não percebam nestes parágrafos a complacência com bandidos. Roubou, que seja preso. No entanto, a sensação de "enxugar gelo" é constante, e não seria melhor se, de uma vez por todas, os líderes de nosso país resolvessem caminhar na direção de reduzir a desigualdade? Será que a violência não seria menor um dia? Mas quando menos esperamos, o Executivo desvia fundos, o Legislativo mira o umbigo, e o Judiciário consente e pede o seu "naco".

Ellen Gracie Northfleet veio ao Rio de Janeiro e uma quadrilha a assaltou na Linha Vermelha. Num lugar em que muitos trabalhadores que ganham bem menos que a ministra já foram assaltados. Veria ela alguma relação de sua indecente proposta com o acontecido? "Como você consegue viver nessa cidade?", desabafou Ellen com um amigo carioca, após o assalto. Da mesma maneira que tentamos viver nesse país, Gracie. Da mesma maneira heróica que, dia após dia, teimamos em acreditar que nosso Brasil diminuirá seus atrasos de mentalidade e visão de governo, apesar de seus líderes (em quem votamos, não esqueçamos disso também). Conseguimos viver, Northflleet, com salários básicos, sobreviver com salários mínimos, conviver de perto com a violência e suspirar tristes diante de exemplos como o do Judiciário. Não podemos votar para o STF, infelizmente.

Ellen Gracie Northfleet, brasileira. Exímia conhecedora da Constituição Nacional, que busca promover a igualdade de direitos. Parece desinformada sobre o país que habita e onde rege as leis, e insensível para com os cidadãos que precisam suportá-las na frieza da falta de bom senso. Ellen Gracie Northflleet, brasileira? Nem no nome. Se pensa que vive em outro país - como demonstram suas ações e pronunciamentos - que se desaloje bem rápido do nosso. Com todos os seus pares compadres.

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