O público enfatizado
Uma das notícias mais inusitadas das Olimpíadas de Pequim (e não Beijing, falou?) foi a declaração do judoca português Pedro Dias, que eliminou o favorito brasileiro João Derly. Ele escolheu um dos eventos mais assistidos no planeta para confessar que foi... corneado. E por Derly, que teria saído com a namorada de Dias enquanto este passeava com a mãe do brasileiro (?). Meio cafona, mas vá lá.
Desmentidos de Derly e suas pazes com a esposa à parte, a cobertura do caso não poderia deixar de ser intensa. Celebridades esportivas na mesma situação que as celebridades das artes e espetáculos, em meio aos Jogos Olímpicos? Nada mais midiático.
E logo surgiu a pergunta: quem seria a pivô da briga? O jornal Extra, das Organizações Globo, descobriu a menina. Como é cada vez mais comum no fazer jornalístico atual, vasculhou o perfil do Orkut da cobiçada namorada do português. A matéria continha parágrafos como esse:
Joana se descreve como uma pessoa muito amiga e tímida. Mas as fotos em seu álbum revelam que a bela não é tão tímida assim, com closes ousados. Suas comunidades também revelam uma moça apimentada. Dentre elas, destaque para "Beijos - 600 maneiras", "Eu adoro dormir sem roupa", "Adoro abraço por trás" e "Antes Safada do que Tapada".
E ainda outro trecho, também baseado nas informações das comunidades de Joana:
"...a moça gosta de homens com barba por fazer, como revela outra de suas comunidades, o que daria mais pontos a Derly em relação ao português."
Daí surge a dúvida: isso pode ser considerado invasão de privacidade? Os internautas não quiseram nem saber, e invadiram o perfil de Joana. Assim como já tinha acontecido com a mulher que subiu no palco de Bono Vox e com árbitros de futebol após partidas decisivas.
É fato que a internet é recente e ainda não sabemos lidar com ela, ainda mais por sua capacidade de apresentar novidades e transformações numa velocidade incrível. Se alguém "se revela" num site de relacionamentos público, imagina-se que deve estar preparado para esse tipo de coisa. Afinal, qualquer um poderia ler as informações acima, sem a necessidade da matéria do Extra.
Mas pense você: e se um jornal vasculhar seu perfil no Orkut, publicar as comunidades que você freqüenta, tirar conclusões sobre sua personalidade a partir delas e disponibilizar tudo isso a milhões de internautas? Será que, mesmo você tendo ciência de que botou tais informações num site público, não se sentiria invadido?
Não se pode negar a diferença de uma informação (ou um perfil no Orkut) perdida entre muitas outras daquela que um jornal de grande circulação escolhe, destaca e deixa ao alcance de inúmeras pessoas. Por exemplo: jornal é jornal, dicionário é dicionário. Ambos possuem o mesmo conteúdo - as palavras. Mas com funções, contextos, e alcances diferentes.
E aí surge outra dúvida: isso é jornalismo? Utilizar apenas uma fonte para informar ao grande público sobre uma pessoa que está em evidência? Não sei se o Extra teve essa preocupação. Mas se estiver de fato querendo fazer jornalismo, o faz de maneira responsável? Ou seja, apresenta um relato confiável e que não vai prejudicar o "entrevistado"?
Na história da comunicação nenhuma mídia substituiu completamente suas predecessoras. O jornal impresso, o rádio, a TV e agora, a internet, coexistem, influenciando-se mutuamente. A real ameaça (já concretizada) é que, devido à sua instantaneidade e a possibilidade de participação do usuário, a internet está escancarando como se produzem as notícias. Um feito e tanto.
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