sexta-feira, 10 de abril de 2009

Che, o homem
Benicio del Toro fez muito bem ao resolver filmar a vida de Che Guevara. Fez melhor ainda ao encarnar o próprio e chamar Steven Soderbergh (de Traffic) para dirigir. Baseado nos diários de guerrilha do mito da esquerda mundial e tendo como consultor John Lee Anderson - considerado o melhor biógrafo de Che - o filme não é nada épico. E isso é o que ele tem de melhor.

Três momentos da vida de Che são contados paralelamente: o encontro com Fidel Castro no México, onde o então médico argentino é "convocado" para a revolução cubana; sua visita aos EUA em 1964, como chefe de estado, em recepções, entrevistas e na ONU; e o cotidiano da guerrilha desde antes de Sierra Maestra até a conquista do poder em Havana.

O filme não é épico porque reproduz os fatos com caráter realista. Isto é, sem delírios Hollywoodianos ou esquerdistas para manter a aura mitológica que envolve Ernesto Guevara até hoje. Nada de trilha sonora estrondosa ou takes imponentes, como se ele fosse o maior dos guerreiros revolucionários. Tampouco suprime detalhes da humanidade de Che, mostrando seus ideais e hábitos nobres como suas discordâncias com Fidel (e em algum momento, uma aparente desobediência hierárquica).

As cenas também foram filmadas como antigamente: exércitos e camponeses existem naquele número, não são truques de computador. A selva é uma selva mesmo, e o ritmo do filme não é o de um thriller alucinado de ação ou aventura. Pelo contrário: em alguns momentos um tipo de espectador pode se entediar com a falta de tiros ou de palavras de ordem enérgicas. E é um filme sobre a revolução cubana!

É retratado o passo-a-passo da conquista militar em Sierra Maestra, de maneira quase didática. Dá pra entender como os revolucionários cubanos conseguiram o que parecia impossível - e a narrativa mostra que de impossível ou extraordinário pouco existia. É realismo despretensioso, e esse foi o enfoque ideal para desmitificar Che sem rebaixá-lo.

Mas se Benicio del Toro está ótimo como Che, é preciso destacar o trabalho de Demián Bichir, que interpreta Fidel. É uma atuação quase mediúnica de tão fiel e bem feita. Outro ponto alto: o filme é falado em espanhol. Claro! O protagonista é um argentino em Cuba, buscando ser porta-voz das Américas Central e do Sul. Uma raridade entre os produtores norte-americanos, que praticam coisas terríveis como a versão cinematográfica de O amor nos tempos do cólera - atores espanhóis, autor colombiano e tudo em inglês com sotaquezinho castelhano...

Originalmente, Che é um filme de quatro horas que foi dividido em dois. A segunda parte vai narrar sobre a guerrilha na América do Sul, em que o líder cubano foi morto. Vale assistir, pela oportunidade de ver retratada a vida de alguém tão evocado e banalizado que faz com que nos esqueçamos do homem Ernesto Guevara. Esse sim existiu, muito antes do mito.


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