sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Hein? Ah, ok...

Entrei na locadora decidido a pegar um DVD que eu já sabia qual, desde a véspera. Peguei, desci até o caixa, digitei minha senha de sócio, peguei 20 reais na carteira e dei mais um pra facilitar o troco. Guardei o dinheiro, coloquei a carteira na mochila e saí da locadora.

Esqueci o DVD no balcão. Sorte minha que, mais uma vez, o atendente me chamou, e assim pude voltar com o mais importante.

Não é raro a cena acima acontecer e se repetir em diversos lugares possíveis. troque o DVD por pão francês, pequenas compras de mercado, revista, qualquer coisa minimamente portátil tendo passado pelo escambo monetário. Esqueço nada menos que o principal, apago da minha mente a motivação para que eu me deslocasse, gastasse dinheiro etc.

Curioso é que não sou um cara esquecido. Ao contrário, desde criança tenho uma memória prodigiosa - não digo fotográfica, mas jornalística: aquela que guarda os fatos, os personagens e seus encadeamentos e sabe repassá-los sem esforço.

Não exagero quando digo que é desde a mais tenra idade: pergunte à minha mãe, que sofria quando queria inventar novos roteiros para o mesmo gibi (que eu sempre pedia para ler) e era flagrada na mentira pela memória do jovem Marcos Lessa em seus 4 anos de idade. Cruel, esse menino!

O que só me deixa mais espantado ao me perceber com "pequenas amnésias" de maneira recorrente na vida adulta. Sou acometido pela distração em sua instância máxima, aquela que desvia todo o meu foco para qualquer coisa que não seja o principal.

Eu poderia ficar preocupado com a situação acima, mas meu grande amigo Rômulo citou ninguém menos que Clarice Lispector, no conto "Por não estarmos distraídos" no seu blog:

Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e, quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito, exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem distraídos.

E o próprio Rômulo completou, para minha alegria:

Grandes acontecimentos precisam de ausência do mundo. Estar no mundo implica uma permanente resposta às necessidades que o mesmo nos impõe. Há sempre tanto o que fazer. E quando não há nada o que fazer certamente os outros têm muito o que fazer. Acredito que nós não somos responsáveis pelas grandes mudanças, mas as grandes mudanças acontecem em nós. E para que as mesmas aconteçam é necessário que estejamos distraídos.

Vale a pena ler o post inteiro. No momento em que comecei a me recriminar pelo fato de ser tão distraído e de esquecer as coisas tão frequentemente ("isso ainda vai me prejudicar!"), lembrei do texto. E do significado que um momento de distração pode trazer a nós.

Não tenho desapego aos bens materiais, seja um DVD ou as compras de mercado. Não sou louco de rasgar dinheiro, tampouco de jogá-lo fora. Mas estar diante da pós-modernidade ainda preservando a capacidade de um devaneio, ainda que involuntário, faz bem. É como se tais momentos de distração, ainda que socialmente condenáveis, fossem um resguardo mental de que não será o fim do mundo se não ficarmos conectados o tempo todo nele.

Como se isso não bastasse, ainda me ajuda a escrever uma crônica!

3 comentários:

Marcela de Genaro disse...

Que alívio! Não sou uma pessoa distraída (sou esquecida), mas o fato de tentar estar o tempo todo conectada ao mundo sempre me fez ter essas pequenas amnésias e distrações que me desviam do foco principal. Já pensei muito sobre isso, mas não conseguia ver um lado bom. É como se a memória da minha cachola estivesse sempre cheia e as conexões das informações se perdessem. Culpo o excesso de informações, exigências e cobranças desses tempos.
Decidi aceitar esse "defeito de fabricação", redobrar a atenção, e pronto. Conformar-me.
Acho que é uma espécie de defesa que mantém a minha sanidade e, a partir de agora, vou me lembrar que "não será o fim do mundo se não ficarmos conectados o tempo todo nele". Melhor, vou me permitir mais ausências.

Sibele disse...

Menino!
Bem vindo ao clube dos que guardam a caneta no congelador - sem querer, é claro. rsrsrs. Já fiquei procurando por dias em casa. =)
Mano... q delícia descobrir outras afinidades, ainda que "socialmente condenáveis". hehe.Beijão

aureliano22 disse...

Eu ia comentar alguma coisa. Mas não lembro o que...