sábado, 21 de agosto de 2010

Os esdrúxulos são inocentes

Começou o horário eleitoral gratuito, e já circulam pela internet vídeos e ficha de inscrição eleitoral de candidatos bizarros ou que não estão muito certos do que fazer num cargo público. Você já deve ter recebido uma lista dessas. A minha mostrava Tiririca, Mulher Pêra e Ronaldo Esper.

A revolta toma conta dos eleitores. Há quem se pergunte se foi pra isso que retornamos à democracia, deixando no ar uma leve nostalgia fascista. Ora, será que o sistema democrático é o culpado de tais elementos se atreverem a legislarem sobre nosso país?

Não. Os responsáveis são os partidos que bancam suas candidaturas.

Isso foi apontado pelo deputado Chico Alencar em seu twitter, e gostaria de desenvolver esse aspecto aqui. Qualquer um pode chegar num diretório de um partido e dizer que quer se candidatar. Todos têm esse direito, até analfabetos. Mas é a legenda que vai permitir que a candidatura se concretize e que o dito cujo corra o risco de nos representar em Brasília.

Não estou exortando que haja discriminação. Mas será que os candidatos esdrúxulos concordam com os ideais dos partidos aos quais se filiam? Ou: os partidos apresentam uma base sólida e autêntica em seus idéarios para servir de referência e provocar a identificação dos aspirantes a candidatos?

E ainda: esses candidatos estão preparados para uma possível vitória, no que tange a direitos e deveres do congressista, bem como sua responsabilidade sobre os destinos da nação? Sabem como é o dia a dia da Câmara, do Senado, do Poder Executivo? Os partidos, ao autorizar as candidaturas, chancelam que sim.

Li na revista Piauí uma matéria sobre o Supremo Tribunal Federal, a instância máxima do Poder Judiciário. Ali vi a informação que cada ministro do STF, após ua indicação, tem o seu nome levado ao Senado, para ser aprovado ou rejeitado.Veja bem: o integrante da mais alta corte judiciária do país tem o seu nome avalizado pelos senadores.

Visualizei logo Wellington Salgado, Gim Argello e outros integrantes do Senado no mandato atual fazendo esse papel... Sem contar o sem-número de leis que destinam milhões de reais de impostos para os mais diversos fins. Um esdrúxulo poderá decidir isso um dia, é só ser eleito. E pra ser eleito, tem que ser registrado como candidato. Para conseguir um registro, deve ter o nome aprovado pelo partido.

Podemos (e devemos) rir e expôr o ridículo de termos tantos candidatos bizarros pedindo o nosso voto. Mas não podemos esquecer que eles são inocentes pelo fato de conseguirem se candidatar. Canalizar a raiva perguntando aos partidos por que admitem essa situação é o melhor remédio.

sábado, 14 de agosto de 2010

A vida em stand-by

Lá estava eu na sala de espera do ortopedista, muletas à mão, pé engessado e assistindo ao Bom Dia Brasil. A matéria falava sobre economia de energia. Mostrava como os aparelhos que ficam em stand-by (com aquele pontinho vermelho piscando enquanto desligados) aumentam nossa conta de luz. Numa fatura de 150 reais, 30 era só do pontinho.

Não era novidade pra mim. Faz tempo coloquei um filtro de linha na minha sala, e sempre à noite desligo num só interruptor a "chave geral" da TV, do DVD, do receptor de TV a cabo e do videogame. O assunto tomou nova forma pra mim e já lhes digo o porquê.

Chegando aos 30 anos você não joga (ou não deveria jogar) futebol com a mesma vontade dos 18. Assim estava eu numa pelada, correndo quando tinha que correr, sem fazer loucuras em nome de um hobby agradável. Logo no começo do jogo a bola passou pela minha frente, fui atrás, e deslizei na grama até uma mureta que delimitava o campo, na linha de fundo.

Impossibilitado de pisar, rumo à emergência, raio-x: fratura do quinto metatarso, osso que é a continuação do dedo mindinho. Tratamento: não tocar o pé no chão, gesso e muletas por pelo menos um mês. A semana de férias que me restava foi-se embora.

Quem já passou por isso sabe dos pesares. Para mim o pior foi a falta de autonomia. Uma série de coisas que fazia sozinho agora dependia sempre de alguém ou de uma situação especial para realizar. Se dominava o equilíbrio com o pé que restava, as mãos não poderiam sair das muletas. Limitado e exilado dentro da minha própria casa, pois sair à rua era um grande sacrifício.

Após uma cartela de antiinflamatórios, nada mais eu teria a fazer a não ser... esperar. A cura viria com o tempo, e a cicatrização de um osso é chata que só. Não poderia curtir as férias, passear, voltar ao trabalho, fazer compras, correr, bater perna pro que fosse preciso. Insuportável.

A recuperação durou mais de um mês. Cada ida ao médico era uma renovação de esperanças para a alta, mas um novo raio-x dedurava que a fratura diminuía, mas não cicatrizava. Nada a fazer, só esperar. A vida em stand-by.

Não estava trabalhando, seria menos estresse em potencial. Não estava cheio de tarefas, sobra de tempo para ler, escrever, acompanhar a Copa. Não poderia assumir compromissos e nem ser cobrado pelos que já assumira, pressões a menos. Aparentemente, uma grande economia de energia e tensão.

Mas mesmo nesse estado, hibernando contra a minha vontade, o corpo e a mente falam. Reclamam da inércia, da impossibilidade, frustram-se com expectativas não atendidas, catalisam a ansiedade. O coração se angustia por não realizar desejos antes tão fáceis e singelos, como ir à geladeira. Desgaste.

A vida em stand-by enquanto os meses passam e não posso voltar à ativa. Além de nos desacostumarmos com o ato de esperar, fazer mil coisas ou não fazer nada é um detalhe, o que nos derruba é a falta de liberdade. Mais um episódio para valorizá-la.

O pontinho vermelho ilude o dono da casa e continua puxando a energia. Quanto a mim, sem mais ilusões, espero o dia de voltar.


quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Quando a Fórmula 1 encontra a política


Em 2002 os fãs de automobilismo ficaram estarrecidos com o jogo de equipe da Ferrari, ordenando que Rubens Barrichello cedesse a vitória a Michael Schumacher na hora da bandeirada final. Choque que se repetiu em 2010, quando Felipe Massa cedeu a liderança a Fernando Alonso, também cumprindo ordens ferraristas.

Sobre o episódio deste ano, o próprio Schumacher opinou que a manobra deveria ter sido mais sutil. Entre os torcedores, houve quem dissesse que Massa poderia "mascarar" a entrega da posição simulando que Alonso o ultrapassou por estar mais veloz, em vez de escancarar a situação abrindo passagem.

A diferença entre uma manobra às claras e outra mais sutil tem paralelo com recentes episódios de cerceamento da liberdade de imprensa no Brasil, principalmente na fiscalização dos eleitos para cargos públicos. Embora há quem argumente que a censura no país não exista, ou seja apenas um "fantasma" comparando com a época da ditadura militar, episódios recentes mostram que não é bem assim:

- A censura prévia ao Estadão completou nada menos que um ano, e prossegue. Mais de 365 dias sem poder publicar nada a respeito do deputado Fernando Sarney, e durante esse tempo todo o mérito do processo não foi julgado;

- O Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso do Sul proibiu o jornalista Nilson Pereira de publicar matérias sobre o senador Delcídio do Amaral (PT). Se descumprir a decisão, o jornalista terá que pagar multa diária de R$ 10 mil;

- O mais recente (e insólito) episódio é a restrição - eufemismo para censura - a emissoras de rádio e TV na representação dos candidatos. Elas não poderão realizar efeitos em áudio ou vídeo com a intenção de ridicularizar ou beneficiar algum candidato, partido político ou coligação. E isso vale para telejornais, programas de entretenimento, novelas e humorísticos.

A justificativa do último exemplo citado é emblemática: por serem concessões públicas, as emissoras devem tratar os candidatos de forma igualitária. Pelo visto, a Lei Eleitoral só considera que os candidatos são tratados de maneira diferenciada se são alvos de comédia. Desatinos e preferências editoriais na cobertura dos fatos? Não é com eles.

Mas é curioso que a Lei Eleitoral seja tão dura com o humor e nada diga a respeito de políticos que são donos de meios de comunicação. A rigor, isso também não poderia acontecer, e é óbvio que tal situação impede que as emissoras tratem igualitariamente os candidatos. As concessões são públicas, e se têm dono, isso é contra a lei.

Todas as situações narradas são flagrantes de censura à imprensa, às vezes de maneira mais sutil ou dissimulada, mas sempre censura. Hoje não há um funcionário do Poder Executivo nas redações para intimidar com sua presença e com o poder do veto. A intimidação está mais sofisticada e covarde, por não permitir que um trabalho investigativo sequer venha à luz, em vez de contestá-lo uma vez publicado.

Para os torcedores, não há diferença entre o Barrichello de 2002 e o Massa de 2010. Assim como não há diferença entre a censura militar nos anos de chumbo e a censura prévia do Brasil democrático. Em todos os casos, quem sai perdendo é quem sustenta todo o "circo", com sua torcida e seus impostos: o cidadão.