A vida em stand-by
Lá estava eu na sala de espera do ortopedista, muletas à mão, pé engessado e assistindo ao Bom Dia Brasil. A matéria falava sobre economia de energia. Mostrava como os aparelhos que ficam em stand-by (com aquele pontinho vermelho piscando enquanto desligados) aumentam nossa conta de luz. Numa fatura de 150 reais, 30 era só do pontinho.
Não era novidade pra mim. Faz tempo coloquei um filtro de linha na minha sala, e sempre à noite desligo num só interruptor a "chave geral" da TV, do DVD, do receptor de TV a cabo e do videogame. O assunto tomou nova forma pra mim e já lhes digo o porquê.
Chegando aos 30 anos você não joga (ou não deveria jogar) futebol com a mesma vontade dos 18. Assim estava eu numa pelada, correndo quando tinha que correr, sem fazer loucuras em nome de um hobby agradável. Logo no começo do jogo a bola passou pela minha frente, fui atrás, e deslizei na grama até uma mureta que delimitava o campo, na linha de fundo.
Impossibilitado de pisar, rumo à emergência, raio-x: fratura do quinto metatarso, osso que é a continuação do dedo mindinho. Tratamento: não tocar o pé no chão, gesso e muletas por pelo menos um mês. A semana de férias que me restava foi-se embora.
Quem já passou por isso sabe dos pesares. Para mim o pior foi a falta de autonomia. Uma série de coisas que fazia sozinho agora dependia sempre de alguém ou de uma situação especial para realizar. Se dominava o equilíbrio com o pé que restava, as mãos não poderiam sair das muletas. Limitado e exilado dentro da minha própria casa, pois sair à rua era um grande sacrifício.
Após uma cartela de antiinflamatórios, nada mais eu teria a fazer a não ser... esperar. A cura viria com o tempo, e a cicatrização de um osso é chata que só. Não poderia curtir as férias, passear, voltar ao trabalho, fazer compras, correr, bater perna pro que fosse preciso. Insuportável.
A recuperação durou mais de um mês. Cada ida ao médico era uma renovação de esperanças para a alta, mas um novo raio-x dedurava que a fratura diminuía, mas não cicatrizava. Nada a fazer, só esperar. A vida em stand-by.
Não estava trabalhando, seria menos estresse em potencial. Não estava cheio de tarefas, sobra de tempo para ler, escrever, acompanhar a Copa. Não poderia assumir compromissos e nem ser cobrado pelos que já assumira, pressões a menos. Aparentemente, uma grande economia de energia e tensão.
Mas mesmo nesse estado, hibernando contra a minha vontade, o corpo e a mente falam. Reclamam da inércia, da impossibilidade, frustram-se com expectativas não atendidas, catalisam a ansiedade. O coração se angustia por não realizar desejos antes tão fáceis e singelos, como ir à geladeira. Desgaste.
A vida em stand-by enquanto os meses passam e não posso voltar à ativa. Além de nos desacostumarmos com o ato de esperar, fazer mil coisas ou não fazer nada é um detalhe, o que nos derruba é a falta de liberdade. Mais um episódio para valorizá-la.
O pontinho vermelho ilude o dono da casa e continua puxando a energia. Quanto a mim, sem mais ilusões, espero o dia de voltar.
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