quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Quando a Fórmula 1 encontra a política


Em 2002 os fãs de automobilismo ficaram estarrecidos com o jogo de equipe da Ferrari, ordenando que Rubens Barrichello cedesse a vitória a Michael Schumacher na hora da bandeirada final. Choque que se repetiu em 2010, quando Felipe Massa cedeu a liderança a Fernando Alonso, também cumprindo ordens ferraristas.

Sobre o episódio deste ano, o próprio Schumacher opinou que a manobra deveria ter sido mais sutil. Entre os torcedores, houve quem dissesse que Massa poderia "mascarar" a entrega da posição simulando que Alonso o ultrapassou por estar mais veloz, em vez de escancarar a situação abrindo passagem.

A diferença entre uma manobra às claras e outra mais sutil tem paralelo com recentes episódios de cerceamento da liberdade de imprensa no Brasil, principalmente na fiscalização dos eleitos para cargos públicos. Embora há quem argumente que a censura no país não exista, ou seja apenas um "fantasma" comparando com a época da ditadura militar, episódios recentes mostram que não é bem assim:

- A censura prévia ao Estadão completou nada menos que um ano, e prossegue. Mais de 365 dias sem poder publicar nada a respeito do deputado Fernando Sarney, e durante esse tempo todo o mérito do processo não foi julgado;

- O Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso do Sul proibiu o jornalista Nilson Pereira de publicar matérias sobre o senador Delcídio do Amaral (PT). Se descumprir a decisão, o jornalista terá que pagar multa diária de R$ 10 mil;

- O mais recente (e insólito) episódio é a restrição - eufemismo para censura - a emissoras de rádio e TV na representação dos candidatos. Elas não poderão realizar efeitos em áudio ou vídeo com a intenção de ridicularizar ou beneficiar algum candidato, partido político ou coligação. E isso vale para telejornais, programas de entretenimento, novelas e humorísticos.

A justificativa do último exemplo citado é emblemática: por serem concessões públicas, as emissoras devem tratar os candidatos de forma igualitária. Pelo visto, a Lei Eleitoral só considera que os candidatos são tratados de maneira diferenciada se são alvos de comédia. Desatinos e preferências editoriais na cobertura dos fatos? Não é com eles.

Mas é curioso que a Lei Eleitoral seja tão dura com o humor e nada diga a respeito de políticos que são donos de meios de comunicação. A rigor, isso também não poderia acontecer, e é óbvio que tal situação impede que as emissoras tratem igualitariamente os candidatos. As concessões são públicas, e se têm dono, isso é contra a lei.

Todas as situações narradas são flagrantes de censura à imprensa, às vezes de maneira mais sutil ou dissimulada, mas sempre censura. Hoje não há um funcionário do Poder Executivo nas redações para intimidar com sua presença e com o poder do veto. A intimidação está mais sofisticada e covarde, por não permitir que um trabalho investigativo sequer venha à luz, em vez de contestá-lo uma vez publicado.

Para os torcedores, não há diferença entre o Barrichello de 2002 e o Massa de 2010. Assim como não há diferença entre a censura militar nos anos de chumbo e a censura prévia do Brasil democrático. Em todos os casos, quem sai perdendo é quem sustenta todo o "circo", com sua torcida e seus impostos: o cidadão.

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