sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Aborrecendo toda vida

"Living is easy with eyes closed", ou seja, "Viver é fácil com os olhos fechados", diz a música dos Beatles. A cada dia vejo mais gente que adotou essa postura e que consegue sobreviver assim. Não no sentido de fazer vista grossa para o que surge, mas recusando-se a assumir responsabilidades, fechando os olhos para a chegada da vida adulta.

É o que estudos psicológicos já classificam como "adultescente". Aqueles que prorrogam a adolescência infinitamente, por alguma razão. Continuam morando com os pais, não se firmam em relacionamentos que possam virar uma nova família, portam-se como adolescentes no cotidiano de trabalho - rebeldes sem causa e querendo sempre estar satisfeitos.

Na lógica capitalista que rege nosso mundo, somos tratados como consumidores a todo momento. E quem não tem potencial de consumo é simplesmente excluído. O que era uma realidade socioeconômica se estendeu para o comportamento humano.

Não gostou do produto que adquiriu? Descarte ou troque por outro. Logo, logo você será tentado por desejos novos em folha, sempre a última moda. "Por que ser você, se você pode ser novo?", dizia o vilão do filme Robôs. Vivemos uma era de insatisfação permanente, que atinge todas as nossas facetas.

O sexo, os relacionamentos, a política, a economia, o bem-estar... Tudo é alvo de nossa insatisfação, que é devidamente cultivada. Afinal, se estivermos plenamente satisfeitos, qual a razão de continuar consumindo, querendo algo novinho?

"Os políticos são todos corruptos, a democracia não serve, era melhor no tempo da ditadura". É a insatisfação consumista na nossa cidadania. "O negócio é pegar todas, pegar várias, dar pra vários, colecionar performances sexuais". É a lógica predatória da competição capitalista invadindo (e banalizando) nossa sexualidade."Se não der certo, separa; o divórcio é cada vez mais fácil, os filhos se acostumam". É a redução dos compromissos à escravidão da satisfação nunca alcançável.

Nesse contexto é que estão os "adultescentes". O que é o adolescente senão alguém que não gosta de ser contrariado, não tem responsabilidade plena e que adora consumir de tudo, sem freios? Prorrogar a adolescência intere$$a a muita gente. Mas o que me deixa impressionado é que as pessoas estão vivendo dessa maneira, muitas vezes sem sequer sofrer consequências disso.

A geração dos meus pais foi criada sob o signo do esforço. Desde criança tinham que estudar, "ralar muito", trabalhar duro, conquistar as coisas com o fruto do suor deles. Na minha geração, há muitos que nascem no ar condicionado e espereneiam toda vez que sentem um calorzinho, ou quando precisam ter um mínimo de iniciativa.

Não raro as consequencias recaem sobre quem não embarcou nessa "adultescência". E em dobro: sofrem por serem obrigados a conviver com pessoas assim e por terem que arcar com as responsabilidades dos "adultescentes", além das que lhes cabem.

Aí vemos famílias, ambientes de trabalho, grupos de todo o tipo com essa dualidade permanente: gente que encarou o desafio da vida adulta e gente que vai procrastiná-lo o quanto puder. E o pior é quando os "adultescentes" encontram figuras de autoridade que se portam como "papai" e "mamãe", daqueles que relevam tudo o que o filho faz de errado, reforçando a condição.

E quando os filhos dos "adultescentes" chegarem à adolescência? Pode até ser uma vingança, mas não será uma solução.

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