sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Muito cedo, muito cedo




É preciso coragem para assistir ao documentário "Senna", que estreou nos cinemas sexta-feira passada. O filme mostra o herói sem esconder a faceta humana errática e vulnerável. E não só pelo final que todos nós conhecemos.

A relação de Senna com o Brasil era a de um imaginário que se tornava real a cada domingo, encarnado no cockpit de um carro de Fórmula 1. Em meio à "década perdida" na economia do país, lá estava o Brasil em primeiro lugar, ultrapassando as demais potências sem baixar a cabeça pra ninguém. E sem a arrogância de um Piquet ou um Schumacher, só o carisma com fome de vitória, de não querer ser sacaneado ou ficar pra trás.

O documentário de Asif Kapadia é de excelente qualidade. A narrativa é muito bem conduzida, há inúmeras imagens inéditas de bastidores e papos ao pé no ouvido nos boxes, além de entrevistas a TVs estrangeiras. A rivalidade com Prost e a guerra contra o sistema - encarnado na figura de Jean-Marie Balestre, presidente da Federação Internacional de Automobilismo - traz Senna para a trincheira dos oprimidos. Dos "Davis" contra o Golias de sempre. Tal um Capitão Nascimento, mas real e acompanhado ao vivo.

É claro que, para a bilheteria, o timing do filme é ótimo. Quem nasceu após a morte de Senna já tem idade para acompanhar F-1, e tem a chance de conhecer o que os mais velhos tanto falam desse Ayrton.

Mas para quem acompanhava o esporte e vibrava a cada Grande Prêmio, 16 anos ainda parece cedo demais. Vimos as imagens daquele fatídico fim de semana milhões de vezes. E cada replay, cada cobertura jornalística do acidente e suas consequências, era uma punhalada em nosso coração. A ferida ainda parece aberta no cinema em 2010.

Devido a essa sensação de que foi ontem que tudo aconteceu, fica difícil curtir a rememoração dos feitos de Senna do kart até a McLaren. Isso porque nos sentimos numa contagem regressiva até o inevitável. Todas as falas e pensamentos do tricampeão soam premonitórias demais, quase assustadoras.

Senna mostra que sabia dos seus limites. A evocação constante de Deus em sua carreira, além de uma confissão de fé pública e sincera, parece sublinhar que ele era humano, demasiada e honestamente humano. O permanente semblante compenetrado do piloto parece dizer à audiência o tempo inteiro: "Por que vocês acham que um campeão de F-1, ídolo mundial, estaria acima dos mortais? Ou seria imortal?".

O documentário atinge seu ápice ao mostrar um Ayrton Senna totalmente em conflito consigo mesmo no último final de semana de sua vida. Racionalmente, ele não queria correr. Mas sabia que devia correr, que sua vida não fazia sentido se ele desistisse. É como se estivesse numa missão para a qual foi predestinado, mesmo que isso envolvesse o sacrifício. A mensagem que ele diz ter recebido de Deus ao ler a Bíblia naquele domingo só confirma essa impressão.

Saí do cinema triste, pois é uma linda história com um final muito triste. E o diretor soube captar isso bem demais. No entanto percebo que o incômodo também existe porque, mesmo sem sermos pilotos de F-1, não sabemos nossa hora de partir. Que garantias temos, qual é o nosso "carro infalível"?

Não tenho outra opção a não ser voltar a Senna. A todo momento, ele olha para o Alto, busca e enxerga Deus, agradece a Ele pelas vitórias, reconhece Sua força e sua finitude. Não é piegas (como muitas matérias da TV aberta sobre o assunto fazem parecer). A 300 km/h, a confiança de Ayrton Senna estava nAquele que tudo pode.

Duvido que Senna tenha ficado "chateado" com Deus por encerrar sua vida aos 34 anos. Enquanto esse dia não chegava, ele dava o seu máximo, fazia o seu melhor, cultivava uma sensibilidade social - taí o Instituto Ayrton Senna pra provar - amou e retribuiu o amor de muitos.

É essa a lição que aprendo até o incógnito dia de minha última curva.

"Não que eu o tenha já recebido, ou tenha obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus.

Irmãos, quanto a mim, não julgo havê-lo alcançado; mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que para trás ficam, e avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus." (Filipenses, 4:12-14)

"Todo atleta em tudo se domina; aqueles, para alcançar uma coroa corruptível; nós, porém, a incorruptível" (I Coríntios 9:25)




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