quinta-feira, 25 de novembro de 2010

O Rio de Janeiro continua sendo



O medo dos cariocas é legítimo. Mas o que eu me pergunto desde o início dos ataques dos bandidos à cidade é: o que fazer a partir disso? Porque apesar de tudo, nossa vida não pode parar. E acabamos agindo sem pensar no que estamos fazendo, o que só potencializa a imobilidade pelo medo.

Diante dos atos de violência, as empresas estão liberando seus funcionários mais cedo. Qual a lógica disso, se os ataques aconteceram em diferentes horários do dia? Qual a garantia que não vão acontecer antes das seis da tarde? Ou mesmo às nove da noite?

A polícia recomenda que a população fique em casa nessa noite, por segurança. E o pessoal que mora em frente aos carros e ônibus estacionados que foram incendiados? Eles ficaram em casa durante o dia e não escaparam do ruído da explosão e da possibilidade de estilhaços em seus apartamentos.

Os fatos já são ruins por si só. Mas a reverberação deles, graças ao desenvolvimento e à mobilidade das tecnologias de comunicação, torna o medo onipresente. Até quem não passou por momentos de terror sente-se invadido pela sensação de segurança ao ver, ouvir, rever e "reouvir" os relatos.

Mesmo que não queira. Fui almoçar, lá estava a TV ligada mostrando tudo ao vivo. Minha esposa voltava da faculdade e teve que ouvir as TVs via celular (em tempo real) das pessoas ao lado. Abrir a primeira página dos portais de notícias é ver o "show" de imagens e transmissões em tempo real.

O que me lembra um artigo do amigo Rômulo Dias, jornalista e historiador, em que ele defende a tese de que o mundo nunca foi tão pacífico. Após relatar as guerras em outras épocas, e analisando o protagonismo da imprensa nos momentos de pânico coletivo, ele argumenta:

"Hoje, a escassez do modelo clássico de guerra faz com que não tenhamos as mesmas perdas humanas que tivemos no passado. Contudo, a sociedade em que vivemos sente-se mais insegura que aquela de outrora. A ameaça terrorista nos traz a perspectiva do perigo a qualquer tempo e em qualquer lugar. Civis ou militares, todos podemos pagar pelo mundo desigual e intolerante em que vivemos.

A lógica do terrorismo dialoga diretamente com uma proposta desestabilizadora. O terrorismo é inofensivo se não consegue gerar um sentimento permanente de pânico. Um ataque mata 15, 20, pessoas. No entanto, não é a potência do ataque que importa, mas a impossibilidade de saber onde e quando o mesmo irá acontecer.

A imprensa contemporânea é, dessa forma, um ator fundamental no sentido de colaborar com a atividade terrorista, esteja o terrorismo relacionado ao tráfico de drogas ou aos ataques orquestrados pela Al Quaeda. Queiramos ou não, a informação sempre chega às nossas casas nos dias de hoje. Os meios de comunicação nos obrigam a ter medo, mesmo que a morte seja improvável. Talvez, contraditoriamente, este mundo em que vivemos seja de uma paz sem precedentes."

Diante desse aspecto, em conversa posterior à publicação do artigo, ele defendeu que a imprensa não deveria fazer a cobertura dos ataques terroristas. Na sociedade do espetáculo tão bem prevista por Guy Dèbord, a realidade é vivida e sentida quando se revela na mídia. "O que os olhos não veem, o coração não sente".

E se o primeiro ataque não tivesse aparecido na TV? Se fosse solenemente ignorado por todas as emissoras e veículos de comunicação? Será que estaríamos tão aterrorizados? Provavelmente não.

Mas no mundo do fetiche da velocidade, expresso no jornalismo em tempo real (conceito definido pela professora Sylvia Moretzsohn), a notícia virou mercadoria. As prateleiras dos meios de comunicação não podem ficar vazias. Mesmo que seja pra termos ciência de informações importantíssimas para o destino da nação, como o fato de Claudia Leitte planejar ter quatro filhos.

Voltando ao ponto de partida: o que nós, cariocas, devemos fazer a partir desse medo institucionalizado? Primeiro, manter-se informado na medida da sanidade. Se você sabe que está ocorrendo um tiroteio em determinada avenida por onde você passaria, não passe. Aí sim, dê um tempo.

Mas se não há nada acontecendo, vá em frente. Não faça uma auto-prisão. Não podemos aceitar que o Rio de Janeiro seja uma cidade violenta e que estaremos sempre à espera do próximo pseudo-estado de sítio. O Rio de Janeiro continua lindo, o Rio de Janeiro continua sendo. Nossas vidas continuam, apesar da sensação de impotência.

Ou você vai começar a faltar ao trabalho? Vai deixar de sair com os amigos? Vai blindar a sua casa e pedir comida a domicílio? Não, ninguém vai fazer isso. Portanto, dá pra ter coragem quando a gente percebe os exageros das Cassandras.

E mais importante: cobrar de quem se deve. Critico Sergio Cabral e Duda Paes por suas decisões políticas, mas não serei idiota de negar os benefícios das UPPs. E que todo trabalho precisa começar por algum lugar, nem que sejam os trajetos de Copa e Olimpíadas.

Mas as perguntas que já estão no ar faz tempo são: e o resto das comunidades? E os bandidos que fugiram das UPPs? Que a Vila Cruzeiro, em pleno Complexo do Alemão, estava sendo o refúgio deles, até o carioca mais desligado já sabia. Que era uma questão de tempo que aquilo explodisse, idem.

A realidade é complexa, eu sei. Além disso, os aparatos do Estado não são suficientes (alô, alô, neoliberais: aquele abraço!). Mas os cidadãos cariocas precisam cobrar permanentemente de quem se dispôs a assumir o compromisso de ser uma autoridade pública. E para toda a cidade, não apenas para os de IPTU altíssimo.

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