Foi uma ótima oportunidade para estar em contato direto com fontes raras. Por exemplo, Krinstinn Hrafnsson, porta-voz oficial do Wikileaks. Ele desmentiu que a organização está fechando as portas, frisando que dia 28 de novembro reabrirão seu sistema para receber informações sigilosas.
Hrafnsson confessou que, apesar de mais de 20 anos de experiência no jornalismo, errou na estratégia de fazer alianças com determinados veículos da mídia tradicional para divulgarem as informações vazadas. O compromisso era repercutirem e analisarem o material, mas não foi isso que aconteceu. "Nosso compromisso com o público é que aquilo repercuta. E [os jornais] focaram mais no vazamento que no conteúdo, como no caso do helicóptero assassinando civis no Iraque".
O porta-voz ainda afirmou que sem transparência, democracia é uma palavra vazia - e os demais componentes da mesa ratificaram como a existência do Wikileaks fez muita gente entender isso a contragosto. "A mídia nos considerou só como fonte, e somos uma organização editorial. Preenchemos uma lacuna que os leitores sentiam".
Outra palestra marcante foi a de Ignacio Ramonet. O fundador do Le Monde Diplomatique trouxe reflexões existenciais sobre o jornalismo. "Hoje não se pode conceber jornalismo sem os novos meios, os novos atores. Os veículos e jornalistas tradicionais não sabem bem pra que existem, nem qual a sua função".
Ramonet lembrou que estamos num período transitório, sem um sistema estabilizado como os meios tradicionais. "Há 5 anos Twitter, Facebook, Wikileaks e Iphone não existiam". Sem a arrogância que muitas vezes tem marcado a blogosfera militante, afirmou que ser blogueiro não significa ser rebelde. "Há blogueiros reacionários também. Na verdade, com os novos meios estão surgindo um proletariado e um mercenariado de jornalistas".
Sem descartar que mudanças estruturais na comunicação causam mudanças na sociedade, Ramonet encerrou sua fala com uma realidade desconfortável para muitos da plateia. "Não podemos esquecer que, quanto mais comunicamos, mais estamos enriquecendo alguns conglomerados".
Nassif na ponta-direita |
O começo de sua fala trouxe um raio-x do funcionamento da mídia atualmente. "O que define o poder da mídia é a capacidade de multiplicar estereótipos e slogans, praticando o assassinato de reputações por meio do 'efeito manada' [quando todos os principais veículos publicam a mesma versão dos fatos. Mesmo se não for verdade, a versão já virou realidade]. O leitor absorve só a manchete".
Mas Nassif trouxe um dos recados mais diretos para os blogueiros, principalmente os militantes (de qualquer ideologia) que se acham donos da razão. "O debate entre tuiteiros de partidos pouco muda a realidade, pois é um debate entre 'convertidos'. O verdadeiro poder da blogosfera não é de xingar etc, mas de buscar informações objetivas, construindo conhecimento".
Como exemplo, Nassif citou a acusação do então Ministro da Defesa, Nelson Jobim, à Abin, que teria grampeado telefones dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Jobim apresentou aos parlamentares um relatório técnico para comprovar as acusações. Nassif publicou o relatório no blog, e quatro engenheiros eletrônicos descaracterizaram tecnicamente a acusação de Jobim. Na mídia tradicional esse processo não teria existido.
Para Nassif, todo tipo de militância é fundamental, mas vê o surgimento de mediadores que vão pegar o conjunto da informação e tentar estabelecer áreas de discussão - "sem a selvageria", acrescenta. "Momentos de inclusão de novos atores, como o que estamos vivendo na mídia, são muito propensos à intolerância".
Em mais uma fala evocando a maturidade da plateia, Nassif afirmou que blogs e Twitter são ferramentas, e que o importante é como se articular. "Não acredito na liberdade absoluta nem na velha mídia nem na blogosfera. Só porque [a blogosfera] é um ambiente livre não pode aceitar a existência da calúnia, da difamação etc".
Fazemos tanta diferença?
Outra palestra que fez uma boa autocrítica da atuação na blogosfera (e também nas redes sociais) foi a de Pascual Serrano, editor do site Rebelion. Direto de Madri - terra dos "indignados" - ele foi outro corajoso ao analisar os movimentos que estão ocupando o mundo. "As redes sociais proporcionaram ideias e conteúdos para que as mobilizações que vemos trouxessem propostas? Que profundidade analítica ou crítica os 140 caracteres e os vídeos curtos do YouTube trazem? Essa geração não quer saber de matérias de 4 páginas ou reportagens".
O ceticismo não parou por aí. Mesmo reconhecendo a intenção das mobilizações, Serrano continuou levantando reflexões pertinentes. "As redes sociais são vulneráveis à 'intoxicação' e à manipulação, como se vê nas "tropas" recrutadas para publicar comentários de um viés, ou para editar a Wikipedia com um objetivo, uma agenda".
Mostrando que a mídia tradicional continua sendo um referencial importante (um palavrão para o evento!), Serrano salientou que é preciso levar em consideração todos os formatos, mesmo os que não gostamos tanto. "Deixaríamos de usar um avião pra vir a este evento só porque somos pacifistas?"
As verdades inconvenientes de Serrano continuaram. "Há um fetichismo da tecnologia. O que começou como uma orgia alegre de informações variadas se transformou num excesso de informação inútil. Uma reportagem de 10 páginas pode levar mais tempo para ser lida, mas é melhor que muitas informações curtas e inúteis".
Mas a porrada maior ainda estava por vir. Jesse Freeston, pela aparência, parecia um peixe fora d'água. Um garotão de mochila e chinelos, cara de nórdico. Canadense, é ativista em Honduras (!) com reportagens e documentários postados no site The Real News.
Ele comentou como antropólogos canadenses definiram que estamos saindo do homo sapiens para o homo ciberneticus, isto é, pessoas que não sabem interagir. "São zumbis de blackberry, laptops e fones de ouvido". Argumentou que a tecnologia pode ser como a cocaína. "Vocês já viram alguém sob efeito de cocaína? Se acha o centro das atenções..."
Para Freeston, o ativista de verdade fica pouco tempo no mundo virtual, e vai "a campo". Ele mesmo, que não tem blog, e que fica apenas uma hora por dia em redes sociais ("Com alarme no celular!"), faz documentários categóricos, como o que segue ao final desse post (ele passou apenas os 5 primeiros minutos). "A verdade é que, se deixarmos de tweetar, blogar ou postar no Facebook ninguém sentirá a nossa falta. Por isso os movimentos de ocupação, como em Wall Street, são importantes, porque ocupam um espaço real".
(Detalhe: nenhuma palestra da mesa com Jesse Freeston e Pascual Serrano foi noticiada posteriormente no blog do evento, ao contrário das demais.)
Dois "xarás" argentinos também ampliaram as reflexões críticas. Martín Becerra, professor universitário, reconheceu que a profundidade da blogosfera em certos assuntos é maior do que em veículos alinhados (ao governo ou aos oligopólios de comunicação). E esse novo ambiente põe em questão os meios de comunicação e as representações políticas tradicionais.
Martín Granovsky, do jornal Pagina 12, constatou que o momento atual dos ativistas e comunicadores da blogosfera é melhor. "Esse Encontro é uma nova etapa. Antes, era só pessimismo e 'choro', e agora já vemos iniciativas como as de Jesse Freeston".
Os dois Martín concordaram que é preciso mais rigor informativo na blogosfera. E alertaram que, apesar do debate sobre a regulação dos meios de comunicação ser necessário, toda regulação como essa carrega uma tentação autoritária e revanchista.
Todas as mesas eressaltaram o poder contracorrente da blogosfera perante os veículos tradicionais. Só que isso já era previsto. As reflexões críticas que descrevi aqui foram, para mim, a grande novidade. Acho que seus organizadores não esperavam, e nem sei se levaram a sério.
Da minha parte, penso que a blogosfera precisa evoluir, e o que as reflexões fizeram foi um chamado à maturidade. Não adianta prosseguirmos na lógica binária "se você não é por mim, é contra mim", ainda mais no ambiente plural e cheio de possibilidades que é a internet.
Outra coisa que reparei é que a tal "grande mídia" ainda é evocada como referência. As reclamações surgem quando não sai determinado assunto "na grande mídia". Ou seja, os atores da blogosfera ainda estão "subsidiados pela agenda dos meios tradicionais", como colocou Martín Becerra.
A credibilidade de blogs e demais canais digitais em relação aos meios de comunicação tradicionais não é tarefa fácil como pode parecer.
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