segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Ao decano, a glória

Morreu um dos maiores cineastas brasileiros. Sim, cineastas, pois Eduardo Coutinho não se considerava um "documentarista". Para ele, o gênero que o consagrou estava no mesmo patamar da ficção audiovisual. Levou o seu trabalho a sério, cujo resultado foi levar cada espectador para dentro de seus filmes, na sala de estar que criava com qualquer entrevistado.


Vi Eduardo Coutinho de perto duas vezes: na pré-estreia de "Moscou", no Arteplex de Botafogo; e na livraria Argumento, no Leblon. Era difícil compreender que aquela figura mirradinha, fumando um cigarro atrás do outro, vestido de maneira simples, era o que era.

Eu havia marcado uma entrevista para a minha monografia da pós-graduação e cheguei mais cedo que a entrevistada. Fui para o bar da Argumento. Quis pegar uma mesa para dois que ficava numa varandinha, em ambiente mais silencioso mas estava reservada. Depois de alguns minutos de entrevista passam por nós Coutinho e João Moreira Salles para se sentarem na tal mesa.

Naquela hora deu vontade de conversar com o decano sobre cinema, documentário, entrevista... Claro que não ia fazer isso, a rabugice de Coutinho também era famosa. No entanto é só assistir aos seus filmes, mais de uma vez se possível, para conseguir captar tudo.

Fosse num prédio de Copacabana, num morro do Leme ou no sertão nordestino Coutinho tratava todos os seus entrevistados da mesma forma. A história era deles, que compartilhariam se quisessem, e seriam respeitados pelo cineasta (há uma famosa cena de "Cabra marcado pra morrer" em que Coutinho afirma visualmente esse respeito).

Ele poderia fazer como muitos em qualquer profissão fazem: deitar na fama. Realizar mais do mesmo, na fórmula que o consagrou e tal. Porém, beirando os 80, Coutinho resolve questionar os limites do documentário e do diretor que intervém na realidade: "Moscou" e "Jogo de Cena" são ousadias corajosas. Lembro também do mote de "O fim e o princípio", em que ele e sua equipe seguem para o sertão sem roteiro, num espírito de "garimpo".

Tais atitudes me inspiram. A fazer documentários, a pensar "fora da caixa", a olhar para o talento com a disciplina de um ourives, a ouvir. Tenho certeza que Eduardo Coutinho faria filmes enquanto tivesse saúde para isso. Com o mesmo zelo, a mesma vontade, a mesma curiosidade.

Fica aqui minha honra ao mestre. E a minha lista de filmes preferidos:

1. Cabra marcado para morrer
2. As canções
3. Jogo de Cena
4. Edifício Master
5. Moscou



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