Hoje
era dia de vó. Eu fico muito, mas muito feliz de num dia como esse (e
em tantos outros, como em sonhos à noite) só ter boas lembranças dela.
De temperamento difícil e com diversas limitações para viver uma vida
plena que estava ao seu alcance, Sillas era a vó que tinha nome de vô.
Tivemos muitos embates, e por vezes queria tanto aproveitar melhor a sua
companhia, mas ela não deixava, Freud explica.
As dificuldades naturais da adolescência não ajudavam muito nesse
quadro. No fundo, acho que minha avó nunca se deu conta dessa realidade.
Mas à medida que a maturidade chegava eu ia me adaptando e conseguindo
desenvolver uma conexão toda especial com ela. Meu esmero nesse sentido
foi se refinando, se refinando, até que um dia cheguei a um "equilíbrio
químico": vó, pode continuar com suas idiossincrasias que eu já sei como
levar e poder te curtir. Tendo chegado nesse ponto, muita coisa que me
irritava de repente passou a me divertir - e, meu Deus, como isso foi
bom.
Mas foi curto. Não há o que aliviar nesse sentido. Quando
descobri a fórmula de conviver e abraçar minha avó, chegou um certo
novembro de 2011. O choro era mais da perda do que poderia vir do que
pelo que de fato estava perdendo. Quem estava lá no dia e me viu, viu.
O que ficaria dentro de mim diante da ausência? Os tempos difíceis e teimosos ou os momentos felizes da arte do encontro?
É bom constatar que ficou o álbum de figurinhas da Copa de 2010, os mil
pacotinhos que ela comprou para um galalau de 30 anos, as centenas de
fotos de jogadores que a maravilhavam em cima da mesa.
Ficou a
leitura de jornal depois do almoço de frente pra varanda, com o vento da
tarde e a voz dela dizendo "que fresquinho bom!".
Também ficou
cada carinho e cafuné feito com a ponta da unha desde a infância, que
me fez ter o primeiro pensamento cibernético da vida: "bem que podia ter
uma máquina com a mão igual da minha avó, pra eu receber esse carinho
sempre que eu quisesse!".
"As coisas antigas já passaram, eis
que tudo se fez novo". E o novo, mesmo curto, dura eternamente. O 14 de
julho me lembrou dessa revolução.
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