Ai, a realidade...
“De onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo.” Esse adágio da Lei de Murphy caracteriza perfeitamente os rumos da televisão brasileira, principalmente a aberta. Os exemplos são inúmeros, impossível abordar como gostaria todos eles. Fiquemos com a edificante Guerra do Sono, no programa do magnânimo Luciano Huck.
A idéia, como vigora na maioria dos reality shows, nada tem a ver com humanidade. Proibir a alguém o necessário descanso diário da consciência pareceria insano se viesse dos nazistas, fundamentalistas islâmicos, traficantes... Mas é no sábado à tarde da Globo, então tá tranqüilo.
O esquema do programa é igualzinho aos BBBs, com direito a confessionário e gincanas promovidas pela produção - para que os telespectadores não tenham a chance de se dar conta de como aquilo tudo é muito chato... Afinal, é ver na TV gente grogue e remelenta recusando-se a dormir! O que mais?
De qualquer forma, o que me levou a escrever esse artigo foi observar o programa hoje (19/04). Ouço Luciano Huck anunciando aos insones que eles iriam contar com a presença dos Lusíadas. Não entendi. Mas me atemorizei mesmo quando ouvi a frase do dono do Caldeirão: “Porque Guerra do Sono também é cultura!”. O que seria a cultura promovida por Luciano Huck na Guerra do Sono??? (É curioso que virou bordão a frase “... também é cultura!”. A cultura ficou renegada ao também, ao segundo plano, a algo mais que não o principal, ou essencial. E as coisas mais esdrúxulas possíveis ganham assim a licença de se dizer portadoras de cultura.)
Eis que entra na casa dos insones um senhor desconhecido portando na mão um exemplar de “Os Lusíadas”, de Luís de Camões. Ele começou a declamar e então percebi que era pra dar sono aos participantes!! O primeiro grande poeta da língua portuguesa ficou reduzido a sonífero de desmiolados!
Para os que acham que estou pegando pesado, o programa se encarregou de falar por mim: clipes com depoimentos dos insones foram mostrados em seguida. O primeiro já falava por todos: “Eu nunca li poesia, mas gosto quando falam (recitam) pra mim”. Outro se dirigia ao que declamava, claramente ansiando por uma negativa: “você vai até o final (do livro)?”. Não havia como negar que ali estava representada uma boa parte do Brasil.
A média de idade dos participantes não deve passar dos 20 anos. Todos frutos vivos de uma geração criada pela “babá eletrônica”, habituados a desprezar as demais faces da cultura - tão necessária como outros direitos humanos básicos, como anuncia este blog. Ou que coloca a leitura e o exercício do pensar como característicos dos “intelectuais” ou dos “nerds-que-não-aproveitam-a-vida-e-não-pegam-ninguém”. E a cultura das celebridades de hoje estimula (e necessita de) gente com essa atitude.
Como eu disse a uma amiga, aos que vêem algum sentido nas linhas aqui proferidas, resta-nos ser os heróis da resistência. Nossa crítica deve ser exercida na medida ideal, sabendo discernir quando querem nos fazer de “videotas” e conseguir compartilhar tais percepções, tão combatidas pela alienação desejada pelos donos do poder.
Há pouco li que o inventor da televisão, pouco antes de morrer, foi abordado por alguém que lhe perguntou qual a melhor coisa de seu tão popular invento. E ele respondeu: “o botão de desligar”.
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