O muro desconfortável
A tão esperada volta do Casseta e Planeta trouxe na sua pesquisa “ao vivo e se mexendo” mais uma pergunta que não quer calar. “Pra quem você está torcendo nessa guerra: pro babaca do Bush ou pro escroto do Saddam?”.
Seguindo a universal biologia das brincadeiras, essa também tem fundo de verdade. Em dois aspectos: 1) Nosso subconsciente, incentivado pela mídia (particularmente a TV) encara a guerra como uma disputa qualquer; 2) Somos forçados a ficar em cima do muro de forma desconfortável.
Acompanhamos as notícias diárias do front como um jogo de xadrez, em que avaliamos se as estratégias de ataque e defesa estão dando certo ou não. Pelo número de mortos de cada lado, além do avanço geográfico, prestamos bastante atenção se um “time” está em “vantagem”. E a TV muito colabora, na medida em que nos coloca no mesmo lugar em que sempre estamos nas Copas, Olimpíadas etc: torcedores na expectativa, sentados em segurança no sofá. Com a diferença que não sonhamos ver o espetáculo ao vivo e de camarote.
E aí entra o segundo aspecto da questão: torcemos pro babaca do Bush ou pro escroto do Saddam? Nossa índole diz que ninguém merece nossa torcida, mas... Quando você vê o Bush dizendo que a guerra é para desarmar o Iraque, e só por isso, aclamado por uma população doutrinada pela extrema-direita, não dá raiva? Quando você vê o Saddam sendo aclamado por uma população que sofre as agruras de sua ditadura com toques populistas e tem que brigar ridiculamente pro chefe continuar com seus palácios, não dá raiva?
Temos vontade de torcer sim. O ruim é que sempre vamos acabar torcendo pelo vilão. É isso que me incomoda.
E aí somos forçados a ficar em cima do muro. Eu queria torcer contra o ianque ignorante que usa toda a cara-de-pau possível pra dizer que é presidente de uma democracia, que sua imprensa não sofre pressões, que seu exército não erra nunca.... Mas aí eu vou torcer pro bigodudo que fica cada vez mais rico em um país que sofre há 12 anos severas sanções da ONU?
Você nunca torceu pro Bush morrer, se possível com um tiro do Saddam? Você nunca torceu pro Iraque ser um país um pouco mais normal, e o presidente que impede isso fosse morto? Eu já. E freqüentemente me flagro desse modo, por mais que eu abomine matar alguém. Ok, tem gente que parece que pede. Ainda assim, eu não me sinto à vontade torcendo pra vilão.
Cá estou eu, me equilibrando em cima do muro. É desconfortável, eu sei. Mas se um dia eu me acomodar e me acostumar, provavelmente estarei no sofá – e só. Talvez com um balde de pipoca, compondo a mais insensível das cenas de guerra.
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