Os neobobos
Esta semana recebi um e-mail da Marcia, namorada do João Pedro, dois grandes amigos meus. Devidamente autorizado, transcrevo o que ela disse:
“Oi galera,
Hoje, dia 8, foi publicada uma matéria sobre a guerra no Jornal do Commercio em que é mostrada a foto de um menino de 12 anos. Seu nome é Ismaeel. Enquanto dormia, sua casa foi destruída, seus pais e nove parentes morreram e esse menino teve o corpo queimado e perdeu os dois braços. Sei lá, pode parecer bobeira minha, eu sei que os jornais divulgam essas fotos pra comover mesmo, mas eu me senti muito, muito, muito mal por não estar orando como deveria por essa guerra. Estar orando pelas pessoas que estão envolvidas nisso tudo. Eu senti uma tristeza tão grande de ver essa criança que só tem 12 anos e que daqui pra frente vai levar uma vida totalmente diferente. Sei lá, quando eu terminei de ler eu agradeci tanto a Deus por tudo que tenho.”
Parei tudo o que estava fazendo. Sério, parei de analisar as causas e conseqüências da guerra, seus mandantes, o que virá depois. Parei de pensar na política brasileira, nas incertezas da economia. Parei de pensar sobre minhas pendências no trabalho. Minha vida parou por alguns instantes.
Isso porque alguém, com uma simplicidade tremenda, regada, claro, a uma sinceridade inquestionável (o e-mail seguiu para poucas pessoas, sem IBOPE) conseguiu exprimir o que muitos estão sentindo. O que mais me chamou a atenção foi Márcia dizer “Sei que pode parecer bobeira minha...”. No que logo respondi: continue com essa bobeira! Seja sempre boba, então!
Caramba, ficamos constrangidos em nos compadecer publicamente de alguém! O mundo que nos cerca orgulha-se tanto de sua esperteza, maliciosidade e individualismo exacerbado a ponto de fazer com que nossos mais sinceros (e comuns!) sentimentos pareçam o mais ingênuos e inúteis possíveis.
Por que seria bobeira nos sentirmos mal diante de uma guerra? Diante de um menino que teve sua vida completamente alterada enquanto nós estamos aqui, comparativamente, 100% bem? Por que se sentir mal por se sentir mal por alguém?
Se é assim, então tá: de agora em diante, sou um bobo. Ou melhor (aproveitando o termo de uma infeliz declaração de FHC sobre economia): sou um neobobo. Com a diferença que não vou me auto-censurar no momento de expressar essa neobobeira, de mostrar que o ser humano não é feito de concreto – exterior ou interiormente – ao me deparar com cenas ou acontecimentos que afrontam nossa própria natureza.
(Não é à toa que a imprensa sempre foi perseguida, pressionada, cooptada. Seria vantagem para o doutrinário Bush mostrar crianças feridas em uma guerra por eles tão ardorosamente defendida? Seria vantagem para o doutrinário Saddam mostrar cenas de suas tropas cambaleantes e sem chances de resistir ao exército ianque? É do jornalista a responsabilidade de noticiar, desde o repórter que escreve até o fotógrafo e o cinegrafista que mostram. O lidar com tais responsabilidades é o que faz um profissional ético ou não. )
Ver aquela imagem do Ismaeel despertou em minha amiga algo que pode vir a ser uma reação em cadeia. Quem sabe?
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