Varre, vassourinha...
Imagine que você tire uma semana de férias. Ao voltar pra casa, as ruas da cidade e a calçada de sua casa sumiram! Você nao consegue enxerga-las, e para pisar ao chao é preciso coragem e uma greve ao nojo. O lixo cobre cada centimetro do asfalto. Ao se informar, você descobre que os garis fizeram greve exatamente nessa semana que você viajou.
Nao sei quanto a você, mas so ha pouco tempo percebi a importância dos garis para o bem-estar da nossa sociedade. Sao eles que recolhem tudo o que nao queremos mais, limpam diariamente as ruas, convivendo com o mau cheiro caracteristico dos dejetos. Nao fossem eles, seria possivel agüentar a situaçao descrita no primeiro paragrafo?
Além disso tudo, os garis s?o os profissionais mais democraticos e sem preconceito que existem: recolhem o lixo dos bem-educados (que comportam tudo em sacos plasticos à beira da rua) e dos mal-educados (que tratam o espaço publico pior, bem pior que a sua casa. Talvez sabendo que os garis ali estar?o para fazer o trabalho sujo).
A maior das injustiças foi flagrada nessa semana, na cobertura ou nos comentarios sobre as inscriçoes para o emprego de gari no Rio de Janeiro. A tônica das reportagens era abordar o problema do desemprego no pais. Para uma vaga em que o 1o. grau completo bastava, encontrava-se nas filas (imensas!) varios candidatos com ensino superior completo, que nao tinham conseguido emprego em suas areas.
Onde esta a injustiça? O fato das matérias serem pagina inteira, estarem no jornal local ou no nacional refletem um pouco do preconceito em relaçao à profissao que nao tem preconceitos. O choque, respaldado pela entonaçao dos locutores ou pelos depoimentos coletados, nao era por aquela massa de gente estar desempregada. Mas pela massa querer um emprego... de gari?????
Era nitida a reaçao de cada pessoa – de nojo, de nervoso, de preconceito mesmo – em nao aceitar que as pessoas procurassem um emprego “como aquele”. Por quê? Por mexer com lixo? Isso so da mais dignidade à profissao, que coragem a dos garis!
Mas o preconceito trata de querer intimidar os garis. Quem aqui fala, com o mesmo desprendimento, que procura emprego de lixeiro ou que tem um parente nessa profissao? Sempre nos sentimos constrangidos a tal. Ora, que me perdoem os frescos de plantao, mas os garis sao profissionais dos mais essenciais para o bom andamento desse mundo. Alguém discorda?
Portanto, ao avistar um gari na rua, dê um sorriso como se estivesse dizendo: “precisamos de você, soldado. Nao deserte!”. Ele merece o nosso reconhecimento. E façamos a nossa parte no maior exemplo do “façamos a nossa parte”: nao jogue lixo no chao...
sábado, 28 de junho de 2003
domingo, 22 de junho de 2003
Cosangüinidade
Minha irmã, em suas recém-completadas 17 primaveras, escreveu um texto que achei demais. Transcrevo aqui, pois vale e muito:
Sonhos...... Difícil!!!
Pra ser ter sonhos, tem q ser ter fé! Fé de que um dia eles poderão se realizar... Pra se ter fé, tem que ter paciência, pra esperar o tempo certo; e esperança, pra não desanimar e sempre esperar q eles aconteçam!!
Sabe o q é mais difícil nisso tudo? Ter convicção de um sonho e ele não ser realizado. Aceitar o fato de que às vezes não é esse sonho q deveria ter sonhado! Ou até que ele pode vir a se realizar no futuro, mas não do jeito que você imaginava, esperava, desejava, almejava... sonhava!
Aceitar isso é muito sinistro! Eu acho que estou indo por um caminho aonde vou, a cada dia, encontrando a paciência para esperar o tempo de Deus e a esperança para crer que um dia ele irá se realizar (graças a Deus). O sinistro é que, no momento, não estou impaciente ou desacreditada, pelo contrário, estou inconformada... Engraçado que, ao mesmo tempo em que estou inconformada, estou conformada... Vamos começar pelo mais fácil (eu acho):
conformada é prova de que estou no caminho da paciência e da esperança. Se não deu certo agora, com certeza Deus tem algo melhor pra mim, no tempo dEle, que é o melhor!!!
Inconformada pelo fato de... sei lá! Tudo aconteceu de uma forma, não aleatória, mas com tanta certeza de cada passo que foi dado e, do nada, não é mais da vontade de Deus!
Eu sei que não deveria estar pensando nisso, mas tem dias que é inevitável... Na maioria dos meus dias eu estou conformada, que bom! Mas tem vezes que...
Quem disse q sonhar não custa nada, não sonhava... Alguns sonhos custam, e muito... Mas quando eles se realizam, acho que vale a pena tudo que foi “pago” por ele, né? Isso que eu chamo de provação! Aceitar a não-realização de um sonho, o qual você tinha convicção, tendo FÉ de que dias melhores virão, e com eles, sonhos melhores virão, e com eles realizações melhores virão, e com eles lições melhores virão, e com eles amadurecimento virá!
Duro ter q passar por isso sem poder ouvir uma palavra de consolo, porque eu já sei tudo que eu poderia ouvir... Mas é bom saber que tem alguém lendo isso... Às vezes um desabafo pra mim, é um consolo pra quem lê... quem sabe?! - Raquel Lessa
Minha irmã, em suas recém-completadas 17 primaveras, escreveu um texto que achei demais. Transcrevo aqui, pois vale e muito:
Sonhos...... Difícil!!!
Pra ser ter sonhos, tem q ser ter fé! Fé de que um dia eles poderão se realizar... Pra se ter fé, tem que ter paciência, pra esperar o tempo certo; e esperança, pra não desanimar e sempre esperar q eles aconteçam!!
Sabe o q é mais difícil nisso tudo? Ter convicção de um sonho e ele não ser realizado. Aceitar o fato de que às vezes não é esse sonho q deveria ter sonhado! Ou até que ele pode vir a se realizar no futuro, mas não do jeito que você imaginava, esperava, desejava, almejava... sonhava!
Aceitar isso é muito sinistro! Eu acho que estou indo por um caminho aonde vou, a cada dia, encontrando a paciência para esperar o tempo de Deus e a esperança para crer que um dia ele irá se realizar (graças a Deus). O sinistro é que, no momento, não estou impaciente ou desacreditada, pelo contrário, estou inconformada... Engraçado que, ao mesmo tempo em que estou inconformada, estou conformada... Vamos começar pelo mais fácil (eu acho):
conformada é prova de que estou no caminho da paciência e da esperança. Se não deu certo agora, com certeza Deus tem algo melhor pra mim, no tempo dEle, que é o melhor!!!
Inconformada pelo fato de... sei lá! Tudo aconteceu de uma forma, não aleatória, mas com tanta certeza de cada passo que foi dado e, do nada, não é mais da vontade de Deus!
Eu sei que não deveria estar pensando nisso, mas tem dias que é inevitável... Na maioria dos meus dias eu estou conformada, que bom! Mas tem vezes que...
Quem disse q sonhar não custa nada, não sonhava... Alguns sonhos custam, e muito... Mas quando eles se realizam, acho que vale a pena tudo que foi “pago” por ele, né? Isso que eu chamo de provação! Aceitar a não-realização de um sonho, o qual você tinha convicção, tendo FÉ de que dias melhores virão, e com eles, sonhos melhores virão, e com eles realizações melhores virão, e com eles lições melhores virão, e com eles amadurecimento virá!
Duro ter q passar por isso sem poder ouvir uma palavra de consolo, porque eu já sei tudo que eu poderia ouvir... Mas é bom saber que tem alguém lendo isso... Às vezes um desabafo pra mim, é um consolo pra quem lê... quem sabe?! - Raquel Lessa
terça-feira, 17 de junho de 2003
Dom Manoel Carlos, Príncipe-Regente da Zona Sul
A emancipação da Zona Sul enfim chegou. Se não deu à força ou por vias democráticas, aconteceu via novela das oito. O Governo do Estado anunciou o programa Tolerância Zero, que vai resolver prioritários problemas da Zona Sul: recolher mendigos e menores e enxotar os camelôs.
A presidente da Associação de Moradores de Copacabana, Myrian de Pinho, comemorou. Afinal, mais um passo foi dado na restauração da Zona Sul como o Rio essencialmente cartão postal, sem realidade de desigualdade social para ofuscar a vista grossa.
De todo modo, a honra ao mérito deve ser apontada. Uma vez que a TV parece ser a única forma de mobilizar os cidadãos (?) para causas sociais, as Mulheres Apaixonadas deram conta do recado. Manoel Carlos, convocado às pressas por seus súditos do Leblon e adjacências, mostrou-se mestre de uma original arte: as mensagens subliminares escancaradas, sem sutileza.
Senão, vejamos: não são poucas as cenas em que um grupo de personagens está reunido (à mesa, à beira da piscina, nas festas), com uma pseudo-bossa nova ao fundo, debatendo assuntos tão relevantes a ponto de não me lembrar de nenhum agora. De súbito, vem à baila a “terrível onda de violência do Rio de Janeiro”, com cada personagem relatando casos e mais casos que aconteceram com algum conhecido, ou que leram no jornal, todos dignos de Linha Direta. Outros encampam discursos moralistas quase-indignados – geralmente Susana Vieira, o Galvão Bueno da teledramaturgia brasileira.
Após o registro público do incômodo privado, os mesmos personagens voltam a suas mesas fartas, carros importados, coquetéis e banquetes de dar inveja e raiva a quem deles nunca pode participar. Para a Zona Sul da novela, exclusão social nada tem a ver com violência urbana. Portanto... Tolerância Zero com os que teimam em ocupar as ruas do feudo carioca!
Feito o escancaramento do que antes era discreto, D. Manoel sorri satisfeito, sendo chamado de gênio e “apaixonando o Brasil”(As mulheres também devem estar satisfeitas com a novela em que marido bate na esposa, homem é amante da patroa e da empregada, um casal de belas lésbicas germina expectativas e uma mulher nega-se e faz de tudo para que o amado demais não fique longe demais. Os homens nem passam perto da TV, acredito).
O Príncipe-Regente prossegue em sua missão de emancipar aquela área do Rio, para que sua harmonia elitizada não sofra maiores dissabores. Abusando do plim-plim, D. Manoel, de forma redundante como sempre, se apropria do hábito de todo brasileiro (assistir à novela das oito) para reforçar o hábito de uns poucos por cento do país: tirar a gentalha do raio da orla. É isso que importa. O resto é o resto. E a Zona Sul apaixonada não tem nada a ver com isso.
A emancipação da Zona Sul enfim chegou. Se não deu à força ou por vias democráticas, aconteceu via novela das oito. O Governo do Estado anunciou o programa Tolerância Zero, que vai resolver prioritários problemas da Zona Sul: recolher mendigos e menores e enxotar os camelôs.
A presidente da Associação de Moradores de Copacabana, Myrian de Pinho, comemorou. Afinal, mais um passo foi dado na restauração da Zona Sul como o Rio essencialmente cartão postal, sem realidade de desigualdade social para ofuscar a vista grossa.
De todo modo, a honra ao mérito deve ser apontada. Uma vez que a TV parece ser a única forma de mobilizar os cidadãos (?) para causas sociais, as Mulheres Apaixonadas deram conta do recado. Manoel Carlos, convocado às pressas por seus súditos do Leblon e adjacências, mostrou-se mestre de uma original arte: as mensagens subliminares escancaradas, sem sutileza.
Senão, vejamos: não são poucas as cenas em que um grupo de personagens está reunido (à mesa, à beira da piscina, nas festas), com uma pseudo-bossa nova ao fundo, debatendo assuntos tão relevantes a ponto de não me lembrar de nenhum agora. De súbito, vem à baila a “terrível onda de violência do Rio de Janeiro”, com cada personagem relatando casos e mais casos que aconteceram com algum conhecido, ou que leram no jornal, todos dignos de Linha Direta. Outros encampam discursos moralistas quase-indignados – geralmente Susana Vieira, o Galvão Bueno da teledramaturgia brasileira.
Após o registro público do incômodo privado, os mesmos personagens voltam a suas mesas fartas, carros importados, coquetéis e banquetes de dar inveja e raiva a quem deles nunca pode participar. Para a Zona Sul da novela, exclusão social nada tem a ver com violência urbana. Portanto... Tolerância Zero com os que teimam em ocupar as ruas do feudo carioca!
Feito o escancaramento do que antes era discreto, D. Manoel sorri satisfeito, sendo chamado de gênio e “apaixonando o Brasil”(As mulheres também devem estar satisfeitas com a novela em que marido bate na esposa, homem é amante da patroa e da empregada, um casal de belas lésbicas germina expectativas e uma mulher nega-se e faz de tudo para que o amado demais não fique longe demais. Os homens nem passam perto da TV, acredito).
O Príncipe-Regente prossegue em sua missão de emancipar aquela área do Rio, para que sua harmonia elitizada não sofra maiores dissabores. Abusando do plim-plim, D. Manoel, de forma redundante como sempre, se apropria do hábito de todo brasileiro (assistir à novela das oito) para reforçar o hábito de uns poucos por cento do país: tirar a gentalha do raio da orla. É isso que importa. O resto é o resto. E a Zona Sul apaixonada não tem nada a ver com isso.
quinta-feira, 12 de junho de 2003
Nostalgiazinha...
Esse é da época em que eu fazia poemas... VELHOS tempos! Porém bons.
Entendimentos – 30/11/98
O que leva as pessoas
A desprezarem o amor?
Como podem
Numa inversão de prioridades,
Cuspir num sentimento
Que compete com a perfeição
E produz carinho e afeição
A todos em redor?
Como podem,
Num brusco momento,
Pegar o amor pela gola da camisa
Jogá-lo na poça de lama
Pisar em sua nuca
Quase afogando-o
Naquele centímetro de espessura
De um lodo nada afetivo?
E pôr em seu lugar
Sentimentos reprovados
Na alfabetização da vida
Sentimentos que nada produzem de bom
Apenas uma boa quantidade
De amargura e azedice
E matérias-primas
Para uma tinta chorosa
E o amor fica lá, sujo
E quem o levanta e insiste
Na sua recuperação absoluta
É absolutamente ferido
Açoitado por uma realidade imposta
Nem aí por ser questionada
Mas que segue empurrando o amor
Ladeira abaixo
O egoísmo, em sua solitária assistência
A vingança, um acerto de contas
A dever sempre
E a cobrar de quem tem ficha limpa
Amor, declare-se vencedor!
A vantagem é sua, não percebe?
Eu percebo
Claramente
Tais sentimentos chafurdam para seu sujo fim
Possuem colaboradores e situações idem
Mas o amor jamais acaba
Mesmo com todos contra ele
(Quase todos)
Ele segue sempre sabendo-se são
O desprezo do amor
É pisar conscientemente em brasa viva.
Esse é da época em que eu fazia poemas... VELHOS tempos! Porém bons.
Entendimentos – 30/11/98
O que leva as pessoas
A desprezarem o amor?
Como podem
Numa inversão de prioridades,
Cuspir num sentimento
Que compete com a perfeição
E produz carinho e afeição
A todos em redor?
Como podem,
Num brusco momento,
Pegar o amor pela gola da camisa
Jogá-lo na poça de lama
Pisar em sua nuca
Quase afogando-o
Naquele centímetro de espessura
De um lodo nada afetivo?
E pôr em seu lugar
Sentimentos reprovados
Na alfabetização da vida
Sentimentos que nada produzem de bom
Apenas uma boa quantidade
De amargura e azedice
E matérias-primas
Para uma tinta chorosa
E o amor fica lá, sujo
E quem o levanta e insiste
Na sua recuperação absoluta
É absolutamente ferido
Açoitado por uma realidade imposta
Nem aí por ser questionada
Mas que segue empurrando o amor
Ladeira abaixo
O egoísmo, em sua solitária assistência
A vingança, um acerto de contas
A dever sempre
E a cobrar de quem tem ficha limpa
Amor, declare-se vencedor!
A vantagem é sua, não percebe?
Eu percebo
Claramente
Tais sentimentos chafurdam para seu sujo fim
Possuem colaboradores e situações idem
Mas o amor jamais acaba
Mesmo com todos contra ele
(Quase todos)
Ele segue sempre sabendo-se são
O desprezo do amor
É pisar conscientemente em brasa viva.
domingo, 8 de junho de 2003
Pra você, que mistérios tem Clarice?
O processo de amadurecimento é um dos mais fascinantes na raça humana. Perceber esse processo em nós é uma experiência enriquecedora, pela qual eu espero sempre passar. Nesse fim de semana lembrei de um precioso texto de Clarice Lispector, ao achar em casa uma agenda de 1999 (onde anotei o texto):
"Quando eu aprendi a ler e a escrever eu DEVORAVA os livros! Eu pensava, olha que coisa! Eu pensava que livro é como árvore, é como bicho: coisa que nasce! Não descobria que era um autor! Lá pelas tantas descobri que era um autor. Aí disse: 'Eu também quero'".
Lembro que nesse ano eu começava a levar mais a sério esse negócio de escrever, as crônicas nasciam a torto e a direito... E vem uma das maiores escritoras brasileiras e me diz, humildemente, como foi que ela resolveu ser autora. Foi a minha vez de dizer: eu também quero!!!
E o que tudo isso tem a ver com amadurecimento? O lance é que eu DETESTAVA ler Clarice Lispector. Suas epifanias e profundidades psicológicas enchiam o saco... Meu sentimento era o de não chegar perto de nenhum livro dela. Mas o detalhe é que eu li Clarice pela primeira vez aos 15 anos... Antes mesmo de Machado de Assis, com seu "Dom Casmurro", me despertar de vez pra literatura. Hoje, ler Clarice Lispector é um renovo pra mim. Todas as características de sua literatura que antes eu tanto desprezava agora me completam, me entendem e eu as entendo também.
Gosto não necessariamente muda à medida que amadurecemos. Mas em certos casos, é só o que explica. Eu prefiro fazer como o velho Raul, preferindo ser uma metamorfose sincera do que ter aquela velha opinião formada e soberbamente orgulhosa de continuar na mesma. Quando penso que poderia me encontrar hoje sem aproveitar as delícias que Clarice Lispector me oferece...
De fato, o bom mesmo é reconhecer seu amadurecimento. Olhar pra trás e perceber o que rolou pra que hoje você seja desse jeito, goste dessas coisas, se relacione com essas pessoas. Perceber que nada foi em vão, nem mesmo o que na época tenhamos pensado que fosse em vão. O vão abriu espaço, então tá tranqüilo. Enfim, algo que encontra até mesmo respaldo bíblico, em palavras de Jesus aos discípulos: "o que eu faço, não compreendes agora. Compreendê-lo-ás depois." Em certos casos, ainda bem.
O processo de amadurecimento é um dos mais fascinantes na raça humana. Perceber esse processo em nós é uma experiência enriquecedora, pela qual eu espero sempre passar. Nesse fim de semana lembrei de um precioso texto de Clarice Lispector, ao achar em casa uma agenda de 1999 (onde anotei o texto):
"Quando eu aprendi a ler e a escrever eu DEVORAVA os livros! Eu pensava, olha que coisa! Eu pensava que livro é como árvore, é como bicho: coisa que nasce! Não descobria que era um autor! Lá pelas tantas descobri que era um autor. Aí disse: 'Eu também quero'".
Lembro que nesse ano eu começava a levar mais a sério esse negócio de escrever, as crônicas nasciam a torto e a direito... E vem uma das maiores escritoras brasileiras e me diz, humildemente, como foi que ela resolveu ser autora. Foi a minha vez de dizer: eu também quero!!!
E o que tudo isso tem a ver com amadurecimento? O lance é que eu DETESTAVA ler Clarice Lispector. Suas epifanias e profundidades psicológicas enchiam o saco... Meu sentimento era o de não chegar perto de nenhum livro dela. Mas o detalhe é que eu li Clarice pela primeira vez aos 15 anos... Antes mesmo de Machado de Assis, com seu "Dom Casmurro", me despertar de vez pra literatura. Hoje, ler Clarice Lispector é um renovo pra mim. Todas as características de sua literatura que antes eu tanto desprezava agora me completam, me entendem e eu as entendo também.
Gosto não necessariamente muda à medida que amadurecemos. Mas em certos casos, é só o que explica. Eu prefiro fazer como o velho Raul, preferindo ser uma metamorfose sincera do que ter aquela velha opinião formada e soberbamente orgulhosa de continuar na mesma. Quando penso que poderia me encontrar hoje sem aproveitar as delícias que Clarice Lispector me oferece...
De fato, o bom mesmo é reconhecer seu amadurecimento. Olhar pra trás e perceber o que rolou pra que hoje você seja desse jeito, goste dessas coisas, se relacione com essas pessoas. Perceber que nada foi em vão, nem mesmo o que na época tenhamos pensado que fosse em vão. O vão abriu espaço, então tá tranqüilo. Enfim, algo que encontra até mesmo respaldo bíblico, em palavras de Jesus aos discípulos: "o que eu faço, não compreendes agora. Compreendê-lo-ás depois." Em certos casos, ainda bem.
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