domingo, 8 de junho de 2003

Pra você, que mistérios tem Clarice?

O processo de amadurecimento é um dos mais fascinantes na raça humana. Perceber esse processo em nós é uma experiência enriquecedora, pela qual eu espero sempre passar. Nesse fim de semana lembrei de um precioso texto de Clarice Lispector, ao achar em casa uma agenda de 1999 (onde anotei o texto):

"Quando eu aprendi a ler e a escrever eu DEVORAVA os livros! Eu pensava, olha que coisa! Eu pensava que livro é como árvore, é como bicho: coisa que nasce! Não descobria que era um autor! Lá pelas tantas descobri que era um autor. Aí disse: 'Eu também quero'".

Lembro que nesse ano eu começava a levar mais a sério esse negócio de escrever, as crônicas nasciam a torto e a direito... E vem uma das maiores escritoras brasileiras e me diz, humildemente, como foi que ela resolveu ser autora. Foi a minha vez de dizer: eu também quero!!!

E o que tudo isso tem a ver com amadurecimento? O lance é que eu DETESTAVA ler Clarice Lispector. Suas epifanias e profundidades psicológicas enchiam o saco... Meu sentimento era o de não chegar perto de nenhum livro dela. Mas o detalhe é que eu li Clarice pela primeira vez aos 15 anos... Antes mesmo de Machado de Assis, com seu "Dom Casmurro", me despertar de vez pra literatura. Hoje, ler Clarice Lispector é um renovo pra mim. Todas as características de sua literatura que antes eu tanto desprezava agora me completam, me entendem e eu as entendo também.

Gosto não necessariamente muda à medida que amadurecemos. Mas em certos casos, é só o que explica. Eu prefiro fazer como o velho Raul, preferindo ser uma metamorfose sincera do que ter aquela velha opinião formada e soberbamente orgulhosa de continuar na mesma. Quando penso que poderia me encontrar hoje sem aproveitar as delícias que Clarice Lispector me oferece...

De fato, o bom mesmo é reconhecer seu amadurecimento. Olhar pra trás e perceber o que rolou pra que hoje você seja desse jeito, goste dessas coisas, se relacione com essas pessoas. Perceber que nada foi em vão, nem mesmo o que na época tenhamos pensado que fosse em vão. O vão abriu espaço, então tá tranqüilo. Enfim, algo que encontra até mesmo respaldo bíblico, em palavras de Jesus aos discípulos: "o que eu faço, não compreendes agora. Compreendê-lo-ás depois." Em certos casos, ainda bem.

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