Dom Manoel Carlos, Príncipe-Regente da Zona Sul
A emancipação da Zona Sul enfim chegou. Se não deu à força ou por vias democráticas, aconteceu via novela das oito. O Governo do Estado anunciou o programa Tolerância Zero, que vai resolver prioritários problemas da Zona Sul: recolher mendigos e menores e enxotar os camelôs.
A presidente da Associação de Moradores de Copacabana, Myrian de Pinho, comemorou. Afinal, mais um passo foi dado na restauração da Zona Sul como o Rio essencialmente cartão postal, sem realidade de desigualdade social para ofuscar a vista grossa.
De todo modo, a honra ao mérito deve ser apontada. Uma vez que a TV parece ser a única forma de mobilizar os cidadãos (?) para causas sociais, as Mulheres Apaixonadas deram conta do recado. Manoel Carlos, convocado às pressas por seus súditos do Leblon e adjacências, mostrou-se mestre de uma original arte: as mensagens subliminares escancaradas, sem sutileza.
Senão, vejamos: não são poucas as cenas em que um grupo de personagens está reunido (à mesa, à beira da piscina, nas festas), com uma pseudo-bossa nova ao fundo, debatendo assuntos tão relevantes a ponto de não me lembrar de nenhum agora. De súbito, vem à baila a “terrível onda de violência do Rio de Janeiro”, com cada personagem relatando casos e mais casos que aconteceram com algum conhecido, ou que leram no jornal, todos dignos de Linha Direta. Outros encampam discursos moralistas quase-indignados – geralmente Susana Vieira, o Galvão Bueno da teledramaturgia brasileira.
Após o registro público do incômodo privado, os mesmos personagens voltam a suas mesas fartas, carros importados, coquetéis e banquetes de dar inveja e raiva a quem deles nunca pode participar. Para a Zona Sul da novela, exclusão social nada tem a ver com violência urbana. Portanto... Tolerância Zero com os que teimam em ocupar as ruas do feudo carioca!
Feito o escancaramento do que antes era discreto, D. Manoel sorri satisfeito, sendo chamado de gênio e “apaixonando o Brasil”(As mulheres também devem estar satisfeitas com a novela em que marido bate na esposa, homem é amante da patroa e da empregada, um casal de belas lésbicas germina expectativas e uma mulher nega-se e faz de tudo para que o amado demais não fique longe demais. Os homens nem passam perto da TV, acredito).
O Príncipe-Regente prossegue em sua missão de emancipar aquela área do Rio, para que sua harmonia elitizada não sofra maiores dissabores. Abusando do plim-plim, D. Manoel, de forma redundante como sempre, se apropria do hábito de todo brasileiro (assistir à novela das oito) para reforçar o hábito de uns poucos por cento do país: tirar a gentalha do raio da orla. É isso que importa. O resto é o resto. E a Zona Sul apaixonada não tem nada a ver com isso.
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