quinta-feira, 16 de novembro de 2006


Cafuné nevrálgico

- Barra ou ponto?

Nunca tinha pensado seriamente na questão. Barra ou ponto? Alguma diferença iconográfica que refletisse a essência do compromisso? Ah, eu não pensei nisso. Pensei no preço, no melhor momento de comprar e de anunciar a toda a família, nos arranhões, nos cuidados, na sua durabilidade.

- Barra ou ponto?

Olhei para ela, depois olhei para Carolina e perguntei, hesitante:

- Ponto, né? O que você acha...?

- Ponto.

Pronto. Ponto. E ponto.

Seria "Carolina - 26.10.03" na minha e "Marcos - 26.10.03" na dela. Dia do começo do namoro. Agora, barra ou ponto? Isso é pergunta que se faça? Não por ser indiscreta ou algo do tipo, mas eu pensaria se na aliança a data seria 26/10/03 (com barra) ou 26.10.03 (com ponto)?

Não existe assunto tão torpedeado hoje quanto o casamento. No entanto, as pessoas seguem se casando. Seja tradicionalmente, seja "juntando", seja de qualquer outra forma (e agora até de gênero), as pessoas continuam criando a expectativa do casamento, com que cara ele tenha. Permanecem na ansiedade de, um dia, terem alguém por mais tempo ao seu lado, um compromisso. Sim, as pessoas querem compromisso. É só ver que quase ninguém suporta uma traição, apesar do folclore em torno do assunto. Não raro, paga-se uma traição com outra, pra fazer o "canalha" ou a "vaca" sentirem o mesmo (ou, no mínimo, deseja-se isso). Ou seja, nada de sublimação, é vingança com a mesma moeda devastadora de emoções.

Também não colam muito os discursos galináceos de que esse papo de compromisso e ter alguém a seu lado não é comigo, eu quero aproveitar a vida e ser feliz! Sim, vai fazer isso, mas um dia, num muxoxo para si próprio, a fim de não passar vergonha diante dos demais, olhará para o seu dedo e para sua cama de solteiro e reconhecerá que, sim, seria ótimo um cafuné no pescoço. E não qualquer cafuné: aquele de quem sabe o ponto nevrálgico da satisfação que um cafuné pode proporcionar, tão somente porque te conhece do avesso e sabe do que e como você gosta. Fruto de convivência, compromisso, aliança (com barra ou ponto, ou figurativamente).

Os discursos ressaltando que "não nascemos para a monogamia, veja só os animais!" (nossa, hoje nos orgulhamos de ser comparados com animais!) ainda se perpetuarão. Mas como todo bem elaborado discurso, terá a provação da realidade para tentar se sustentar e seguir orientando vidas. Continuará nesse propósito, até encontrar o caminho da humildade e reconhecer: "meu pescoço por um cafuné no próprio".

Há os pesares, as crises que surgem durante os relacionamentos, as complexidades que sabemos que existem e que não merecem ser tratadas superficialmente aqui. Ainda assim, essa raça humana continua querendo casar, ter compromisso. Por que, já que há sempre um "perrengue" de plantão pra azedar o clima e depois ainda ter que dividir o mesmo cobertor à noite? Ora, eu não me dispus a explicar o fenômeno, mas a constatar. Só tenha absoluta certeza de que o cafuné nevrálgico é intraduzível.

Quando você perceber que "barra ou ponto?"- uma pergunta superficial que se refere a uma inscrição literalmente superficial numa jóia - consegue ter a profundidade de te deixar hesitante e gestor de todos esses devaneios, é capaz de você concordar comigo. E potencialmente próximo da satisfação de estar a dois.

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