sábado, 26 de julho de 2008


Estamos todos condenados

Eu não sei quanto a vocês, mas meu olhar sobre o mundo mudou após a divulgação do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), no ano passado. Pra quem não se lembra, ali foi apontado que o homem é o grande causador do aquecimento global e de suas conseqüências.

Não só isso: a velocidade com que a deterioriação do planeta aconteceu devido à ação humana foi tão rápida que se coloca em dúvida a possibilidade de um caminho de volta. Isto é, a humanidade chegou a tal ponto na exploração dos recursos naturais que talvez seja tarde pra evitar o colapso da Terra.

Mas não se tem certeza dessa última afirmação, então teríamos nova chance pra repensar nossos caminhos e pisar no freio. Só que a China não abre mão de seu crescimento econômico, mesmo gastando 25% mais do que o planeta pode repor; os EUA não deixam de consumir 5 vezes mais do que a Terra produz; o Protocolo de Kyoto, para diminuir a emissão de carbono, não teve adesões dos principais poluidores...

Após a divulgação do relatório, imaginei que todos os jornais teriam uma editoria de meio-ambiente diária, penetrante e incômoda, pra estar na boca do povo - como a de política, ou esportes, economia... Nada.

Aí eu me pergunto como pode o ser humano continuar da mesma forma após ter ciência de que seus filhos e netos podem derreter junto com o planeta.

Como continuar indo ao cinema, contando piadas, ver grande importância no trabalho rotineiro, ralhar com o motorista do ônibus? Tudo isso parece pequeno demais de uma hora pra outra. Olhar a praia e imaginar que aquela água pode subir e acabar com valorizados endereços mundo afora (por culpa da ganância humana) sempre passa pela minha cabeça. É inevitável.

Mas, mesmo assim, vida que segue. Ainda não é o fim. Dorme-se preocupado com tudo isso, acorda-se de manhã tendo que dar conta do que está sob nossa responsabilidade.

Fico pensando se estou deixando de curtir o presente por imaginar que o futuro reserva um fim cada vez mais próximo - e comprovado cientificamente! Ao mesmo tempo, continuo indo ao cinema, rindo de piadas e ralhando com o motorista.

Porém confesso que meus olhos não são os mesmos. E não me sinto mais importante que ninguém por causa disso. Apenas sou alguém diferente de mim mesmo após o relatório do IPCC.

Com a teimosa e quase burra esperança me beliscando.

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Um mundo que se racha

G8 se encaminha para acordo sem grandeza sobre aquecimento global

PRA DESCONTRAIR:


sexta-feira, 18 de julho de 2008

Ela passou pela rehab. E os outros?

Foi com alegria que vi uma matéria do Fantástico num domingo desses. Tal afirmação, nos dias atuais, é uma contradição pra mim. Mas o assunto era a volta de Amy Winehouse aos palcos de grande público. No caso, do Rock in Rio Madri.

Após ouvir o hit Rehab, comecei a prestar atenção na cantora. Que música! Que voz! Eu, que já gosto de jazz e blues, adorei saber que Ella Fitzgerald, Billie Holiday e Nina Simone já possuem herdeira musical.

A matéria conta que não se sabia se Amy estaria em Madri, outra vez devido a seus problemas extra-palco. Aí me dei conta que sei muito mais desse aspecto da sua carreira do que de seu talento ou suas músicas.

O que dá na mídia (sensacionalista, não toda) é a anorexia de Amy, a depressão de Amy, a dependência química de Amy, a prisão do marido de Amy... E as pessoas não cansam de consumir essas notícias, então os pseudo-jornais não cansam de publicar esse tipo de coisa, já que as pessoas não cansam de consumir essas notícias, uma vez que os pseudo-jornais não cansam de publicar esse tipo de coisa...

Em meio a essa roda-viva, Amy Winehouse foi pra reabilitação. E cantou seu drama no hit que já citei (veja a letra). Além disso, tem buscado prosseguir a carreira, como nos shows do Rock in Rio pelo mundo.

E os viciados nas vísceras das celebridades? Isso não é de hoje, mas perceba: julgam e condenam Amy por seus pecados, mas não largam o osso de encarnarem o papel de abutres humanos.

Enquanto os ávidos consumidores (e "traficantes") não admitem esse tipo de vício, Amy mostra-se superior a todos eles quando busca ajuda, reconhecendo que precisa dela. E volta a oferecer ao mundo que tem de melhor: sua voz.

Não saiba de Amy, ouça Amy.

terça-feira, 15 de julho de 2008

A ironia não perdoa

Os eleitores brasileiros reclamam do Congresso Nacional, mas não deixam de aprontar das suas. Enquanto se critica o nível dos representantes que há anos povoam a Câmara e o Senado, o estilista e apresentador de TV Clodovil Hernandez é eleito deputado federal pelo maior colégio eleitoral do país, São Paulo.

As primeiras entrevistas de Clodovil eleito foram um escárnio, e não dava pra aceitar essa grande brincadeira dando resultado. O estilista sem noção foi pra Brasília receber salário e auxílios mil com o dinheiro público pra fazer o quê?

Pois, ironia das ironias, Clodovil pode ter apresentado uma das melhores emendas à Constituição dos últimos tempos: reduzir o número de deputados de 513 para 250. A economia para os cofres da nação: R$ 26,3 milhões por mês, R$ 315,6 milhões por ano.

Não sei qual é a motivação de Clodovil, mas a proposta vem de um deputado recém-eleito, que ainda não tem um eleitorado cativo pra se garantir em futuros pleitos. Ou seja, ele não pode sequer ser acusado de legislar em causa própria. No que normalmente todo congressista tem se enquadrado.

Mas será que 513 deputados não é o número proporcional às dimensões continentais do Brasil? Talvez. Ou será que é proporcional ao volume de emendas e coronelismos de todo o tipo que muitos políticos necessitam pra continuar na sua "profissão"?

Após o mais recente disparate do Senado - criação de 97 cargos de assessor parlamentar, sem concurso - a proposta de Clodovil ganha mais peso ainda. Imagine o que o país não poderia fazer com R$ 315,6 milhões a mais? Ah, e o estilista votou contra a volta da CPMF.

Não faço campanha para Clodovil (ainda há 2 anos e meio de mandato pela frente), mas os fatos são os fatos. E os fatos (e a ironia), não raro nos exortam à humildade para reconhecer sua força.

Clodovil conseguiu o que a gente sempre espera de nossos representantes: bom senso e sentimento de que o voto não foi desperdiçado. Essa é a verdade, seja qual for sua opinião sobre o controverso congressista.

ATUALIZAÇÃO: Diante da repercussão negativa, o Senado cancelou a criação dos 97 cargos. Vitória nossa!

sexta-feira, 11 de julho de 2008

A lei não seca a criatividade

Os donos dos bares derramaram as lágrimas catastróficas após a promulgação da chamada "Lei Seca". Reclamam, claro, dos prejuízos.

Mas a lei não impediu que idéias criativas viessem à tona, virassem notícia e mostrassem que é possível manter o seu estabelecimento de pé. Tais empreendedores acabam complementando o processo educativo do qual a lei faz parte.

Viva a criatividade, em vez de lamúrias.

ATUALIZAÇÃO: mais uma prova da criatividade brasileira aqui.

terça-feira, 8 de julho de 2008


Mais um João

Primeiro João Hélio, agora João Roberto. Em ambos, a violência gratuita. No caso do segundo João, a polícia que primeiro atira, depois pergunta.

O repórter Dimmi Amora pontuou muito bem a situação: o governador do Estado do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, é responsável por esse crime. Em novembro de 2007, em plena ofensiva no Complexo do Alemão, o dito cujo vaticinou:

"A polícia está num confronto permanente. Confronto gera estresse. Não tem outro caminho. Não tem." (revista Piauí, 3a. página da matéria e também em áudio)

Essa é a direção que a polícia militar do Rio recebe e continuará recebendo. Essa é a mentalidade com a qual boa parte da classe média carioca se identifica. Até morrer um pequeno João Roberto, morador da Tijuca.

É tarde demais, outro morreu após a necessidade de "confronto permanente". Investigação prévia, qualificação do policial? Necas. Essa classe média também se lixa pros policiais, são meros "lixeiros humanos". Até morrer um pequeno João Roberto, morador da Tijuca.

E enquanto morrem os Joões, elegem Sergio Cabral, que indica um Beltrame.

CHEGA DE SER CONIVENTE COM ESSA POLÍTICA DE GUERRA CIVIL UNILATERAL.

CHEGA DE APOIAR GOVERNADORES QUE MANDAM A POLÍCIA MATAR, E NÃO PENSAR.

CHEGA DE POLÍCIA DESPREPARADA, MAL PAGA E QUE SERVE DE BODE EXPIATÓRIO NA HORA DA TRAGÉDIA.

É hora de uma oposição ferrenha a esse tipo de gente que quer estragar o nosso estado pensando numa minoria. Verdadeiros mandantes de assassinatos premeditados, de tanto que sabem dos riscos de acontecer uma operação como a que matou João Roberto. Ao menos, nessa lógica do confronto acima de tudo.

Sergio Cabral e Beltrame: cínicos, incompetentes e insensíveis. "Cadê o bandido?", perguntaram os policiais à família, após o ataque. Estão logo ali, em Laranjeiras.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Radiohead na cabeça

Nunca curti o som da banda inglesa Radiohead. Mas assim como seus conterrâneos Beatles, não receio em dizer que eles já entraram pra história da música. A diferença é que isso acontece mais por suas atitudes do que por uma qualidade inédita de suas melodias (como foi com os Fab Four).

Não estou dizendo que o Radiohead é ruim, apenas não ouvi nada deles (a não ser a excêntrica, mas perfeita, trilha sonora do filme Sangue Negro).

A banda começou a sacudir as estruturas lançando um CD pela internet, permitindo que os fãs que baixassem as músicas pagassem por elas o preço que achassem melhor. Isso incluía quem não quisesse pagar nada.

Os locais de sua turnê não são escolhidos à toa: analisaram as emissões de CO2 que seus fãs produziam ao se deslocar para os shows (com veículos automotivos, ok?), e agora sempre escolhem um local que possua um bom esquema de transporte público.

Não penso que a realidade de uma banda pode ser automaticamente aplicada às complexidades de nosso tempo. Mas é certo que, ousando na sua produção musical e na postura ambiental, o Radiohead consegue novos fãs, e vai provando que o progresso pode andar de mãos dadas com sustentabilidade e diálogo com as novas mídias. Ao contrário do que diz (e faz) a grande indústria.