O prefeito da metade
A foto mostra o eleitor mais feliz de Eduardo Paes, o que viu todos os seus esforços (lícitos ou não) recompensados ao final do pleito. Agora, os governos do Estado e da Prefeitura do Rio de Janeiro estarão unidos.
Para a metade que elegeu Paes por pouco, depois não reclamem se os interesses políticos de Sergio Cabral e Duda forem mais importantes do que as urgências da população. Ambos são nomes fortes para as eleições de 2010 (Cabral talvez vice de uma chapa presidencial, Paes possível nome para o governo do Estado).
Não reclamem também se Paes governar para os que já são bem favorecidos: se a passagem do ônibus aumentar sem muita justificativa, em prol da máfia dos donos de linhas, ou se apenas a Zona Sul tiver a atenção devida por um prefeito.
Fiquem quietinhos também se correligionários envolvidos com milícias e outros delitos (e arrebanhadores de votos) forem deixados em paz por Paes (ops!), como tantos no PMDB. E não finjam surpresa se ele escolher secretários a partir de indicação política, pois essa idéia Duda só resolveu abandonar após o sétimo debate, uma vez que Gabeira tinha ganhado simpatia do eleitor ao martelar o tema (não aceitar indicações) desde o primeiro confronto dos dois.
Se faltar criatividade, se as soluções para a valorização da cultura carioca como um todo forem frias e técnicas, não chiem. Eduardo Paes sabe o que faz, desde que faça do jeito que sempre fez: tecnicamente. Se preferiram um síndico, não adianta reclamar do preço do condomínio.
E eu, que faço parte da minoria derrotada, vou dormir em paz. Com a sensação intocável de não ter desperdiçado meu voto.
ATUALIZAÇÃO: Na verdade, as expectativas políticas de Cabral para 2010 estão na reeleição, e não numa vaga pra vice. Sendo que Eduardo Paes seria um grande cabo eleitoral.
E não estou só no voto a Gabeira: Ricardo Noblat resumiu bem o que pensa a outra metade do Rio de Janeiro.
Ah, e aqui estão as promessas de Paes, pra serem cobradas por todos os cidadãos cariocas.
domingo, 26 de outubro de 2008
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sexta-feira, 24 de outubro de 2008
Os candidatos a prefeito do Rio
Eduardo Paes começou sua carreira política com o nome de Duda Paes. Foi subprefeito da Barra da Tijuca e Jacarepaguá na primeira gestão de Cesar Maia na Prefeitura do Rio. Era um dos jovens treinados pelo prefeito para seguir no mesmo estilo do chefe: essencialmente técnicos, com os partidos servindo apenas para conseguirem se eleger. Seu perfil administrativo e sem ideologia definida conquistou muitos eleitores.
Quem é Eduardo Paes?
Eduardo Paes começou sua carreira política com o nome de Duda Paes. Foi subprefeito da Barra da Tijuca e Jacarepaguá na primeira gestão de Cesar Maia na Prefeitura do Rio. Era um dos jovens treinados pelo prefeito para seguir no mesmo estilo do chefe: essencialmente técnicos, com os partidos servindo apenas para conseguirem se eleger. Seu perfil administrativo e sem ideologia definida conquistou muitos eleitores.
Paes tem a mesma expressão ao abordar qualquer assunto (quem viu os debates na TV reparou). Seu sorriso ao falar de alguma boa notícia da campanha é o mesmo da foto das propagandas e do dia de seu casamento (conforme foto publicada no Globo). O tom de voz não muda.
Seria apoiado por Cesar Maia nas eleições de agora, mas viu que o futuro estava em Sergio Cabral, que começava a ascender na política ao virar senador e favorito para o governo do Estado. Paes se desfiliou do PSDB debaixo de guerra interna e entrou no PMDB com clima igual, pois Cabral queria combater a influência de Garotinho.
Agora, Paes tem o discurso de que é aliado dos governos estadual e federal, e que assim a população teria mais chance de ser atendida nos serviços públicos. Ora, os governos têm obrigação de servir à população. Aceitar o raciocínio de Paes é chancelar uma maneira de administrar nada técnica, pois favorece o personalismo. Chega a ser chantagem eleitoral - "não votem no outro, pois vocês serão culpados de sua própria desgraça mais tarde".
Se Paes assumiu e desfez compromissos com vários partidos sem nunca dar explicações à população, por que confiar que não fará o mesmo após assumir a Prefeitura? Nem mesmo a carta de desculpas a Lula (que, há 2 anos, foi chamado por Paes de "chefe da quadrilha") foi exposta ao público. Se não há transparência antes, por que haveria depois?
Logo, não voto em Paes por uma questão muito simples, dadas as circunstâncias: falta de confiança, por mais capacitado que o candidato seja.
Quem é Fernando Gabeira?
Gabeira participou da luta armada contra a ditadura (embora tenha exagerado muito o seu papel no seqüestro do embaixador americano), já defendeu a legalização da maconha e tem fama de homossexual, embora casado. Esses argumentos estão sempre nas entrelinhas da rejeição do eleitor a Gabeira.
Bom, a ditadura acabou, ele já foi condecorado por ter evoluído na discussão sobre a maconha (inclusive desconsiderando a legalização) pelo Governo Lula, que apóia Paes. E escolhas pessoais só cabem a Gabeira, desde que elas não interfiram na sua vida política (pois o mandato é público). Além do mais, nenhuma dessas questões podem ser levadas em conta, pois o cargo a ser disputado é de prefeito, que precisa administrar uma cidade.
Aos 67 anos e com uma vida política consolidada, por que arriscar tudo isso num incerto futuro como prefeito do Rio? Se ele não se preocupasse com a cidade, não valeria a pena correr esse risco para sua biografia, no caso de má administração. Além disso, ao contrário de Paes, Gabeira não tem como almejar outros cargos públicos maiores - seu nome não é viável para governador ou presidente, por exemplo.
Já Eduardo Paes é o típico político profissional: um carreirista (como Cesar Maia, como Sergio Cabral) que está sempre visando o próximo degrau, enquanto garante funções com visibilidade - como a presidência da Suderj, que administra o Maracanã, ou a prefeitura do Rio. Que relação com a cidade um sujeito desses teria?
Gabeira saiu do PV e foi para o PT. Depois, voltou para o PV. No entanto, foi para o partido de Lula antes da eleição e saiu enquanto era governo (Paes nunca mudou para ficar na oposição), e explicou isso no Congresso Nacional, com transmissão ao vivo pela TV. Ou seja, prestou contas ao público de sua mudança.
Gabeira tinha causas e se viu com a necessidade de entrar na política para defendê-las. Paes primeiro entrou na política para depois ter causas (e interesses) a defender.
Gabeira recebeu o apoio de Cesar Maia, é fato. Mas se um poste se candidatasse contra Paes receberia apoio do prefeito, devido ao narrado no terceiro parágrafo. Além do mais, desde 1992 o Rio de Janeiro tem uma prefeitura essencialmente técnica - que é o perfil de Paes! A cultura, o esporte, o turismo, o serviço público: para os técnicos, tudo isso é estatística e custos. Será que uma cidade como o Rio, capital cultural, referência mundial do Brasil, merece uma gestão tão apequenada e simplista?
Gabeira colocou no programa de governo não aceitar indicações políticas para sua administração, enquanto Paes só mencionou o assunto após o sexto debate. O candidato do Partido Verde disse que não ia sujar as ruas, o que é um revés e tanto: sua cara e seu número não estariam o tempo todo aparecendo para o eleitor. Cumpriu sua promessa, mesmo assim. Pra que cumprir promessas antes mesmo da eleição, com o risco de estar em desvantagem na disputa?
Logo, voto em Gabeira por uma questão muito simples, dadas as circunstâncias: confiança. E o sentimento de que a minha cidade merece muito mais do que um mero síndico.
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domingo, 19 de outubro de 2008
O artifício é o mesmo
A polícia de São Paulo é questionada quanto à sua atuação no desfecho do seqüestro da jovem Eloá por seu ex-namorado. Ela está em coma irreversível, após ser atingida por tiros que, a princípio, partiram do seqüestrador.
Não darei detalhes do caso, que está sendo, conforme esperado, amplamente divulgado (e explorado) pela mídia. Mas o governador de São Paulo, José Serra, não precisa se preocupar com as justificativas para a opinião pública. É só usar do mesmo artifício que o governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral: praguejar.
Policiais mataram o pequeno João Roberto, metralhando o carro que pensavam ser de traficantes? "São uns débeis mentais", vociferou Cabral. Médicos não compareceram ao plantão do Hospital Estadual Getúlio Vargas? "Canalhas", vaticinou o governador. O diretor de Bangu 3 foi assassinado? "O Rio está em guerra".
A atitude esquentadinha e declaratória de Sergio Cabral é destacada em primeira página, assim como as subseqüentes promessas de investigações acuradas e melhoria no serviço a ser prestado. E ponto. Cabral segue governando sem mais cobranças - até a próxima tragédia.
As perguntas (que não foram feitas ao governador), seguem no ar: se são debéis mentais, como podem fazer parte da polícia de sua Secretaria de Segurança, excelência? Quais as condições de trabalho que sua Secretaria de Saúde dá aos "canalhas"? Se o Rio está em guerra, onde está a eficácia de sua política de segurança, que completa 2 anos?
Serra, abre o olho: praguejar pode ser mais "jogo" pra você do que tentar qualquer explicação racional.
A polícia de São Paulo é questionada quanto à sua atuação no desfecho do seqüestro da jovem Eloá por seu ex-namorado. Ela está em coma irreversível, após ser atingida por tiros que, a princípio, partiram do seqüestrador.
Não darei detalhes do caso, que está sendo, conforme esperado, amplamente divulgado (e explorado) pela mídia. Mas o governador de São Paulo, José Serra, não precisa se preocupar com as justificativas para a opinião pública. É só usar do mesmo artifício que o governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral: praguejar.
Policiais mataram o pequeno João Roberto, metralhando o carro que pensavam ser de traficantes? "São uns débeis mentais", vociferou Cabral. Médicos não compareceram ao plantão do Hospital Estadual Getúlio Vargas? "Canalhas", vaticinou o governador. O diretor de Bangu 3 foi assassinado? "O Rio está em guerra".
A atitude esquentadinha e declaratória de Sergio Cabral é destacada em primeira página, assim como as subseqüentes promessas de investigações acuradas e melhoria no serviço a ser prestado. E ponto. Cabral segue governando sem mais cobranças - até a próxima tragédia.
As perguntas (que não foram feitas ao governador), seguem no ar: se são debéis mentais, como podem fazer parte da polícia de sua Secretaria de Segurança, excelência? Quais as condições de trabalho que sua Secretaria de Saúde dá aos "canalhas"? Se o Rio está em guerra, onde está a eficácia de sua política de segurança, que completa 2 anos?
Serra, abre o olho: praguejar pode ser mais "jogo" pra você do que tentar qualquer explicação racional.
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
O escritor que não passou da idade
A entrevista seguiu por e-mail e o escritor de quase 70 anos gravou as respostas num arquivo MP3, já tarde da noite, e as devolveu também por e-mail. João Ubaldo Ribeiro, que recentemente recebeu o prêmio Camões (a maior honraria da literatura de língua portuguesa, recebida por ele sem nenhuma surpresa) concede sua primeira entrevista a um blog e fala sobre a velhice, o contato com a realidade pós-internet e o papel do cronista de jornal hoje. Sem nunca esquecer de ressaltar seu amor pela ilha de Itaparica e também pelo bairro do Leblon, no Rio de Janeiro.
O senhor tem uma obra reconhecida pelo público e pela crítica e acabou de ganhar o prêmio Camões. O senhor já disse que, aos 60 e poucos anos, tem menos ambições na vida. Mas quais seriam elas?
Pra começar, eu não tenho 60 e poucos anos. Tenho 60 e tantos anos, ou 60 e muitos anos (risos). Porque eu estou com 67 e em janeiro faço 68. Nessa idade a gente começa a perceber com maior clareza, não só pelos aspectos orgânico e físico, mas também em pensamento, a finitude da vida. E, o que é lugar comum dizer mas é verdade, a gente percebe com clareza as ilusões que teve e a futilidade de tanta coisa pelo que já lutou nesse mundo, a futilidade de coisas a que outras pessoas dão importância. Enfim, o sujeito vai se sublimando um pouco com a idade, nem sempre dá sorte de não ficar amargurado, não entortar com a idade. O sujeito que envelhece razoavelmente conciliado com a vida fica mais ... Eu não vou dizer mais cínico, mas fica menos apegado a certos valores aparentes, como honrarias assim, e gloríolas passageiras. A gente fica mais filosófico com essas coisas.
Eu acho que fiz uma obra que em certa medida ainda não foi lida como eu acho que ela podia ser lida. É uma obra um pouco injustiçada ainda, acho eu, apesar de ser uma obra de sucesso. Mas acho que ela é vista como muito mais heterogênea do que na realidade é. Minha obra não é tão heterogênea assim. Ela tem uma continuidade, uma linha que um dia espero que vejam.
Eu acredito em Deus, e acho que Deus me deu muito, me dá muito. Tenho uma carreira de êxito, sou capaz de viver do meu trabalho decentemente. Nunca parti pra ficar rico, portanto não posso me queixar de não ser rico. Mas também não passo necessidade alguma, pelo contrario, tenho tudo que quero, sou um sujeito sadio. Então que ambições outras eu teria? Eu tenho vontade de acabar um romance que estou fazendo. E é possível, com as voltas que o mundo dá, que eu venha a querer fazer um outro livro, quem sabe?
O Nobel estaria nos seus planos?
Não, mas se você puder dar um jeito de trazê-lo pra mim eu não recuso não, tudo bem.
O que o senhor gosta de ler atualmente? Que autores? Algum contemporâneo?
Eu sempre gosto de ler, mas agora já estou com catarata, tenho que fazer uma operação, já leio com dificuldade. Como desde jovem tive mania de ler a mesma coisa, estou piorando com a idade e continuo a ler as mesmíssimas coisas sempre. Eu, que já passei tempos em que lia as mesmas páginas dos mesmos livros sempre, gosto de ler poesia. Mas tenho lido pouco. Cada vez gosto menos de ler teoria literária e coisas desse tipo, não suporto. Cada vez gosto mais de poesia, de Shakespeare, de Homero... Enfim, a mesma coisa de sempre.
O senhor já disse que gosta de navegar na internet. O que gosta de acessar?
Ah, eu disse isso? Mas eu não sou muito chegado a ficar navegando não. Eu sou bom de buscar coisas na internet, isso eu sei. Eu acesso de vez em quando os sites de notícias, alguns sites de curiosidades, de música, de literatura. E acesso de vez em quando uns sites de sacanagem pra ver como é, mas geralmente é meio chato e são sites perigosos de acessar. Mas em geral são meio chatos. Eu fiz muito isso quando estava escrevendo a Casa dos Budas Ditosos pra poder não ficar desatualizado (risos), não fazer cenas desatualizadas. Mas confesso pra você que, apesar de uma surpresinha ou outra, aprendi pouco. As coisas têm mudado pouco através dos tempos (risos).
(Acima, Fernanda Torres na montagem teatral de "A Casa...")
O senhor lê blogs? Na sua opinião, um blogueiro pode ser considerado um escritor? Por quê?
Eu leio blog, mas muito eventualmente, não sou freguês de blog nenhum. Eu acho blog ótimo, uma coisa quase revolucionária. Cada um pode publicar, todo mundo vira editor do que quer dizer, e ainda oferece mais possibilidades do que uma editora de antigamente, pois a difusão é instantânea e, digamos, mundial. E o relacionamento com o leitor é facílimo, há interatividade. É ótimo o blog.
O grande problema do blog é a concorrência, tem blog a dar com pau, todo mundo tem um blog. Muita gente tem aqueles famosos “retalhos de mim”, publica, faz uma ou duas edições no blog e desiste. Mas acho que o blogueiro pode ser considerado escritor sim, por que não? O blog é uma nova forma de publicação e oferece várias possibilidades. Agora, acho que ele tem esse problema: o blog enfrenta uma concorrência mortal – como é com os livros, se pensarmos bem. O blog se identifica com o autor.
O senhor gosta de escrever uma crônica periódica em jornal ou só faz isso por necessidade?
Eu gosto de escrever a crônica sim, isso dá disciplina, um senso de compromisso que faz bem, principalmente quando você vai ficando velho, é bom se sentir preso a um compromisso. Agora tem o lado B, que é chato, sempre foi chato ter a obrigação. A obrigatoriedade é fogo, ainda mais eu, que resolvi, desde que fiz minha primeira crônica, que jamais escreveria a famosa crônica sobre a falta de assunto, e jamais escrevi. Mas que é fogo, é, fazer sempre. Mas eu gosto.
Qual o papel que um cronista de jornal possui atualmente?
Isso depende do cronista. Ele pode ser o que chamam de formador de opinião, uma designação que eu não gosto muito. Ou pode ser um crítico de costumes, pode ser um repórter, um observador da cena cotidiana... Enfim, o cronista de jornal seja talvez um jornalista que desfruta de maior liberdade de assunto, de maior campo. E ele pode às vezes se limitar por iniciativa própria: isso acontece, se o sujeito começa a escrever numa “latitude grande” e acaba preso a um território que ele mesmo cria. Cronista tem um papel cada vez maior no jornal. Porque notícia no jornal é um negócio que não pode competir em velocidade com o tempo real, então o jornal tem que ser a reflexão, o pensamento e o entretenimento. Se o jornal não tiver esses elementos... E o cronista é privilegiado nesse negócio quando ele é fornecedor de texto e, espera-se, de um bom texto.
Senhor presidente e Pode ser que ele esteja maluco são dois exemplos de artigos em que os presidentes da República são duramente criticados pelo senhor. Em geral, qual é a expectativa do senhor após escrever artigos como esses, especificamente, que geram reações polarizadas? Já teve retorno de algum presidente após a publicação dos referidos artigos?
Não, não tive retorno de presidente nenhum. Eles nem leram, nem sabem, ninguém nunca me mandou recado nenhum. Eu que sei que provavelmente não sou adorado por esse pessoal que andei criticando. Eu tenho [retorno] dos que são mais realistas que o rei, dos puxa-sacos... E dos lulólatras, dos que transformam essas pessoas em praticamente ídolos, em deuses, e suas crenças numa espécie de religião. Daí surgem os fanáticos. Desses é que eu sofro um pouco, mas não muito. Eu não me sinto coagido nem pressionado nem coisa nenhuma. Também não xingo, eu sou formado em Direito e procuro manter em boa lembrança os crimes contra a honra. Sou muito cuidadoso em não perpetrar pelos jornais injúria, calúnia ou difamação, que são os três crimes contra a honra previstos no código penal. Procuro sempre não me enquadrar em nenhum deles, e procuro dizer as coisas de uma forma tal que não configure um crime. Mesmo porque não quero e não tenho ódio de ninguém, e nem quero tornar isso uma coisa doente ou patologicamente hostil.
Viva o povo brasileiro narra a história de um país que nasceu (e vive) sob o viés exploratório dos mais poderosos, ou de uma elite. Nas suas crônicas são apontados os problemas que o Brasil e suas instituições ainda apresentam. O senhor perdeu a esperança quanto ao futuro do país? O que o povo brasileiro poderia fazer para mudar isso?
Essa é uma pergunta comprida demais pra ser respondida aqui, isso requeriria um seminário. Claro que eu não perdi totalmente a esperança porque do contrário, levado isso ao extremo lógico, se você acha que realmente o futuro é destituído de qualquer esperança, você morreu. Não é à toa que a esperança é uma das virtudes teológicas, é quase pecado não se ter esperança. Então tenho, sim, um pouco de esperança. Agora, como vai se fazer isso, você me desculpe, não vou responder agora. Eu já escrevi alguma coisa sobre isso, já se escreveu muito sobre isso, e se fala muito sobre isso, não dá pra ser respondido com uma palavrinha ou outra.
O senhor se considera um "herdeiro de estilo" de Padre Antonio Vieira e Gregório de Matos (ambos grandes expoentes do estilo barroco na literatura brasileira)?
Meu Deus do céu, se eu fosse herdeiro de Vieira eu seria um abençoado! Vieira era uma imensidão, e Gregório de Matos era um talento magnífico. O Gregório que conhecemos era uma floresta, não era um homem, era uma efervescência de alegria e de sensibilidade poética ao mesmo tempo, a lírica dele é linda...
Eu sou herdeiro num sentido mais genérico, sou herdeiro desses homens todos e particularmente, por ser baiano, tenho certamente alguma afinidade glandular, ou genética, eu sou bastante abarrocado. Eu gosto, sou chegado a um barroco desde pequeno. Tanto assim que era obrigado a copiar os sermões do padre Antonio Vieira nas férias e devia detestá-lo, mas adoro Vieira. E depois de adulto fui obrigado a copiar os textos do padre Manoel Bernardes, reacionário, chatíssimo, mas que escreve divinamente, a mão dele é guiada por Deus.. Aí não só copiei com boa letra mas peguei o livro que o tornou célebre, A nova floresta, que é enorme, e fiz dele uma seletazinha para a [editora] Nova Fronteira, porque até hoje tenho esses padres perto do meu coração.
O senhor foi amigo de Glauber Rocha e teve sua obra adaptada para o cinema e para a TV. O que te agrada assistir no audiovisual hoje?
Bom, na verdade nada, porque eu não tenho assistido coisa nenhuma (risos). Eu estou tentando entender uma série de coisas e vivo muito em cima desse computador aqui lendo outras coisas, e tentando aprender uma convivência com a realidade nova. E tenho pensado muitas coisas importantes, então não tenho tempo pra ver coisa nenhuma, não quero ver nada.
Há alguma relação entre o Leblon e a Ilha de Itaparica?
Há, claro. Você se lembra, inclusive, que o Leblon é uma ilha. Ele tem na frente um mar, dos dois lados um canal e do outro lado a Lagoa. O Leblon é um território que devia ser tornado independente, como Itaparica também deveria. Deviam fazer uma espécie de federação entre os dois, sei que Leblon e Itaparica constituiriam um eixo de felicidade inominável. Mas a geopolítica presente nos criou certas dificuldades nesse sentido.
Quais os próximos projetos do senhor?
Meu projeto continua sendo conseguir terminar o romance que persigo há vários anos. Mas por causa das entrevistas que eu dou nunca consigo tempo pra fazer isso... (risos)
Veja também: João Ubaldo e o prêmio Camões
A entrevista seguiu por e-mail e o escritor de quase 70 anos gravou as respostas num arquivo MP3, já tarde da noite, e as devolveu também por e-mail. João Ubaldo Ribeiro, que recentemente recebeu o prêmio Camões (a maior honraria da literatura de língua portuguesa, recebida por ele sem nenhuma surpresa) concede sua primeira entrevista a um blog e fala sobre a velhice, o contato com a realidade pós-internet e o papel do cronista de jornal hoje. Sem nunca esquecer de ressaltar seu amor pela ilha de Itaparica e também pelo bairro do Leblon, no Rio de Janeiro.
O senhor tem uma obra reconhecida pelo público e pela crítica e acabou de ganhar o prêmio Camões. O senhor já disse que, aos 60 e poucos anos, tem menos ambições na vida. Mas quais seriam elas?
Pra começar, eu não tenho 60 e poucos anos. Tenho 60 e tantos anos, ou 60 e muitos anos (risos). Porque eu estou com 67 e em janeiro faço 68. Nessa idade a gente começa a perceber com maior clareza, não só pelos aspectos orgânico e físico, mas também em pensamento, a finitude da vida. E, o que é lugar comum dizer mas é verdade, a gente percebe com clareza as ilusões que teve e a futilidade de tanta coisa pelo que já lutou nesse mundo, a futilidade de coisas a que outras pessoas dão importância. Enfim, o sujeito vai se sublimando um pouco com a idade, nem sempre dá sorte de não ficar amargurado, não entortar com a idade. O sujeito que envelhece razoavelmente conciliado com a vida fica mais ... Eu não vou dizer mais cínico, mas fica menos apegado a certos valores aparentes, como honrarias assim, e gloríolas passageiras. A gente fica mais filosófico com essas coisas.
Eu acho que fiz uma obra que em certa medida ainda não foi lida como eu acho que ela podia ser lida. É uma obra um pouco injustiçada ainda, acho eu, apesar de ser uma obra de sucesso. Mas acho que ela é vista como muito mais heterogênea do que na realidade é. Minha obra não é tão heterogênea assim. Ela tem uma continuidade, uma linha que um dia espero que vejam.
Eu acredito em Deus, e acho que Deus me deu muito, me dá muito. Tenho uma carreira de êxito, sou capaz de viver do meu trabalho decentemente. Nunca parti pra ficar rico, portanto não posso me queixar de não ser rico. Mas também não passo necessidade alguma, pelo contrario, tenho tudo que quero, sou um sujeito sadio. Então que ambições outras eu teria? Eu tenho vontade de acabar um romance que estou fazendo. E é possível, com as voltas que o mundo dá, que eu venha a querer fazer um outro livro, quem sabe?
O Nobel estaria nos seus planos?
Não, mas se você puder dar um jeito de trazê-lo pra mim eu não recuso não, tudo bem.
O que o senhor gosta de ler atualmente? Que autores? Algum contemporâneo?
Eu sempre gosto de ler, mas agora já estou com catarata, tenho que fazer uma operação, já leio com dificuldade. Como desde jovem tive mania de ler a mesma coisa, estou piorando com a idade e continuo a ler as mesmíssimas coisas sempre. Eu, que já passei tempos em que lia as mesmas páginas dos mesmos livros sempre, gosto de ler poesia. Mas tenho lido pouco. Cada vez gosto menos de ler teoria literária e coisas desse tipo, não suporto. Cada vez gosto mais de poesia, de Shakespeare, de Homero... Enfim, a mesma coisa de sempre.
O senhor já disse que gosta de navegar na internet. O que gosta de acessar?
Ah, eu disse isso? Mas eu não sou muito chegado a ficar navegando não. Eu sou bom de buscar coisas na internet, isso eu sei. Eu acesso de vez em quando os sites de notícias, alguns sites de curiosidades, de música, de literatura. E acesso de vez em quando uns sites de sacanagem pra ver como é, mas geralmente é meio chato e são sites perigosos de acessar. Mas em geral são meio chatos. Eu fiz muito isso quando estava escrevendo a Casa dos Budas Ditosos pra poder não ficar desatualizado (risos), não fazer cenas desatualizadas. Mas confesso pra você que, apesar de uma surpresinha ou outra, aprendi pouco. As coisas têm mudado pouco através dos tempos (risos).
(Acima, Fernanda Torres na montagem teatral de "A Casa...")
O senhor lê blogs? Na sua opinião, um blogueiro pode ser considerado um escritor? Por quê?
Eu leio blog, mas muito eventualmente, não sou freguês de blog nenhum. Eu acho blog ótimo, uma coisa quase revolucionária. Cada um pode publicar, todo mundo vira editor do que quer dizer, e ainda oferece mais possibilidades do que uma editora de antigamente, pois a difusão é instantânea e, digamos, mundial. E o relacionamento com o leitor é facílimo, há interatividade. É ótimo o blog.
O grande problema do blog é a concorrência, tem blog a dar com pau, todo mundo tem um blog. Muita gente tem aqueles famosos “retalhos de mim”, publica, faz uma ou duas edições no blog e desiste. Mas acho que o blogueiro pode ser considerado escritor sim, por que não? O blog é uma nova forma de publicação e oferece várias possibilidades. Agora, acho que ele tem esse problema: o blog enfrenta uma concorrência mortal – como é com os livros, se pensarmos bem. O blog se identifica com o autor.
O senhor gosta de escrever uma crônica periódica em jornal ou só faz isso por necessidade?
Eu gosto de escrever a crônica sim, isso dá disciplina, um senso de compromisso que faz bem, principalmente quando você vai ficando velho, é bom se sentir preso a um compromisso. Agora tem o lado B, que é chato, sempre foi chato ter a obrigação. A obrigatoriedade é fogo, ainda mais eu, que resolvi, desde que fiz minha primeira crônica, que jamais escreveria a famosa crônica sobre a falta de assunto, e jamais escrevi. Mas que é fogo, é, fazer sempre. Mas eu gosto.
Qual o papel que um cronista de jornal possui atualmente?
Isso depende do cronista. Ele pode ser o que chamam de formador de opinião, uma designação que eu não gosto muito. Ou pode ser um crítico de costumes, pode ser um repórter, um observador da cena cotidiana... Enfim, o cronista de jornal seja talvez um jornalista que desfruta de maior liberdade de assunto, de maior campo. E ele pode às vezes se limitar por iniciativa própria: isso acontece, se o sujeito começa a escrever numa “latitude grande” e acaba preso a um território que ele mesmo cria. Cronista tem um papel cada vez maior no jornal. Porque notícia no jornal é um negócio que não pode competir em velocidade com o tempo real, então o jornal tem que ser a reflexão, o pensamento e o entretenimento. Se o jornal não tiver esses elementos... E o cronista é privilegiado nesse negócio quando ele é fornecedor de texto e, espera-se, de um bom texto.
Senhor presidente e Pode ser que ele esteja maluco são dois exemplos de artigos em que os presidentes da República são duramente criticados pelo senhor. Em geral, qual é a expectativa do senhor após escrever artigos como esses, especificamente, que geram reações polarizadas? Já teve retorno de algum presidente após a publicação dos referidos artigos?
Não, não tive retorno de presidente nenhum. Eles nem leram, nem sabem, ninguém nunca me mandou recado nenhum. Eu que sei que provavelmente não sou adorado por esse pessoal que andei criticando. Eu tenho [retorno] dos que são mais realistas que o rei, dos puxa-sacos... E dos lulólatras, dos que transformam essas pessoas em praticamente ídolos, em deuses, e suas crenças numa espécie de religião. Daí surgem os fanáticos. Desses é que eu sofro um pouco, mas não muito. Eu não me sinto coagido nem pressionado nem coisa nenhuma. Também não xingo, eu sou formado em Direito e procuro manter em boa lembrança os crimes contra a honra. Sou muito cuidadoso em não perpetrar pelos jornais injúria, calúnia ou difamação, que são os três crimes contra a honra previstos no código penal. Procuro sempre não me enquadrar em nenhum deles, e procuro dizer as coisas de uma forma tal que não configure um crime. Mesmo porque não quero e não tenho ódio de ninguém, e nem quero tornar isso uma coisa doente ou patologicamente hostil.
Viva o povo brasileiro narra a história de um país que nasceu (e vive) sob o viés exploratório dos mais poderosos, ou de uma elite. Nas suas crônicas são apontados os problemas que o Brasil e suas instituições ainda apresentam. O senhor perdeu a esperança quanto ao futuro do país? O que o povo brasileiro poderia fazer para mudar isso?
Essa é uma pergunta comprida demais pra ser respondida aqui, isso requeriria um seminário. Claro que eu não perdi totalmente a esperança porque do contrário, levado isso ao extremo lógico, se você acha que realmente o futuro é destituído de qualquer esperança, você morreu. Não é à toa que a esperança é uma das virtudes teológicas, é quase pecado não se ter esperança. Então tenho, sim, um pouco de esperança. Agora, como vai se fazer isso, você me desculpe, não vou responder agora. Eu já escrevi alguma coisa sobre isso, já se escreveu muito sobre isso, e se fala muito sobre isso, não dá pra ser respondido com uma palavrinha ou outra.
O senhor se considera um "herdeiro de estilo" de Padre Antonio Vieira e Gregório de Matos (ambos grandes expoentes do estilo barroco na literatura brasileira)?
Meu Deus do céu, se eu fosse herdeiro de Vieira eu seria um abençoado! Vieira era uma imensidão, e Gregório de Matos era um talento magnífico. O Gregório que conhecemos era uma floresta, não era um homem, era uma efervescência de alegria e de sensibilidade poética ao mesmo tempo, a lírica dele é linda...
Eu sou herdeiro num sentido mais genérico, sou herdeiro desses homens todos e particularmente, por ser baiano, tenho certamente alguma afinidade glandular, ou genética, eu sou bastante abarrocado. Eu gosto, sou chegado a um barroco desde pequeno. Tanto assim que era obrigado a copiar os sermões do padre Antonio Vieira nas férias e devia detestá-lo, mas adoro Vieira. E depois de adulto fui obrigado a copiar os textos do padre Manoel Bernardes, reacionário, chatíssimo, mas que escreve divinamente, a mão dele é guiada por Deus.. Aí não só copiei com boa letra mas peguei o livro que o tornou célebre, A nova floresta, que é enorme, e fiz dele uma seletazinha para a [editora] Nova Fronteira, porque até hoje tenho esses padres perto do meu coração.
O senhor foi amigo de Glauber Rocha e teve sua obra adaptada para o cinema e para a TV. O que te agrada assistir no audiovisual hoje?
Bom, na verdade nada, porque eu não tenho assistido coisa nenhuma (risos). Eu estou tentando entender uma série de coisas e vivo muito em cima desse computador aqui lendo outras coisas, e tentando aprender uma convivência com a realidade nova. E tenho pensado muitas coisas importantes, então não tenho tempo pra ver coisa nenhuma, não quero ver nada.
Há alguma relação entre o Leblon e a Ilha de Itaparica?
Há, claro. Você se lembra, inclusive, que o Leblon é uma ilha. Ele tem na frente um mar, dos dois lados um canal e do outro lado a Lagoa. O Leblon é um território que devia ser tornado independente, como Itaparica também deveria. Deviam fazer uma espécie de federação entre os dois, sei que Leblon e Itaparica constituiriam um eixo de felicidade inominável. Mas a geopolítica presente nos criou certas dificuldades nesse sentido.
Quais os próximos projetos do senhor?
Meu projeto continua sendo conseguir terminar o romance que persigo há vários anos. Mas por causa das entrevistas que eu dou nunca consigo tempo pra fazer isso... (risos)
Veja também: João Ubaldo e o prêmio Camões
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