Fico fascinado com atuações: de cinema, teatro, ou o que seja. Sempre gosto de avaliar não só o papel, mas o artista e como ele desenvolveu seu trabalho. Acho que tenho uma queda para o ofício de diretor, por isso reparo tanto no que muitos não reparam, como a essência de uma atuação. Alguns podem perceber sua qualidade pelo efeito emocional que ela proporciona – o que geralmente acontece com os papéis principais. Mas costumo notar tais detalhes até naqueles chamados papéis secundários.
Escrevi esse primeiro parágrafo apenas para tentar ilustrar o que ocorre comigo muitas vezes. Só que o ator a ser avaliado sou eu mesmo. Não quero generalizar falando de pessoas, dos humanos… Eu mesmo sou assim, ator muitas vezes. Pior: freqüentemente atuo sem querer, no sentido implícito de “contra a minha vontade”.
Não chego ao campo da hipocrisia e suas máscaras enganadoras (e enganadas antes de tudo), mas há diversas situações em que não queremos, digo, não quero revelar o que realmente está acontecendo comigo. Seja por falta de intimidade com os que estiverem à minha volta, ou porque realmente são coisas extremamente especiais e pessoais… O que chamo a atenção hoje é que somos, perdão, é que sou ator sem ser, sem querer ser, sem levar jeito (ou levando pouquíssimo jeito), sem sentir prazer em ser, sem natural liberdade pra ser, mas sendo ator tenho liberdade para me ocultar, me guardar, me esconder.
Quantas vezes o quarto ou qualquer outro cômodo da casa que seja mais reservado não foi o cenário para atuações marcantes nossas, isto é, minhas? Na maioria, claro, dramáticas e chorosas, dignas de um esconderijo inacessível. Mas essas atuações são privadas, o público se resume a nós, quer dizer, a mim. As atuações públicas, quando da boa qualidade citada no primeiro parágrafo, merecem aplausos inflamados, pois conseguem ocultar sentimentos até mais do que inflamados, infeccionados, ainda sem cura.
Esse tipo de atuação conseguimos, digo, consigo repetir dia após dia. Me assusto constantemente com meus sucessos sucessivos. Porque quando o sentimento e seu estado anormal do momento não são notados por ninguém (como acontece comigo, com constância), parabéns pra nós, isto é, pra mim: está alcançado o sucesso e o susto com minha própria competência para o ofício de ator que sei que não levo jeito.
Nessa pequena reflexão através do meio literário da crônica fui tentado, várias vezes, a usar a primeira pessoa do plural. Cabe ao leitor justificar ou não essa minha tentação. Somos mesmo atores desse tipo, em nosso cotidiano? Eu me surpreendo sempre comigo e minha estranha capacidade de atuar escondendo, mesmo após me dar conta de que faço isso com uma facilidade que me impressiona. Será que sentimos necessidade de utilizar esse recurso, pode-se dizer, artístico para conseguir uma certa privacidade? Eu não fico assustado com isso.
Assusta-me o fato de que conseguimos fazer isso, apesar do impacto que lateja em nós, nos inconstantes momentos de nossa vida.
Que crônica filosófica! Não leve muito a sério. Às vezes, deixa de ser crônica para ser o retrato letrado de um momento crônico, apenas isso. Mas se houve algum tipo de identificação da sua parte, já valeu muito mais do que a mera tentativa de desabafar por meio de meu teclado pessoal, nada musical e combustivelmente emocional.
(17 de julho de 2000)
2 comentários:
17 de julho de 2000
É, foi quando escrevi...
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