Simbiose e cumplicidade não são coisas automáticas, que o dinheiro adquira ou se encontre assim, fácil, fácil. Gente com isso, entre si, independente da genética, é coisa rara. Raro é valioso – veja só o ouro e os diamantes. Então, é coisa boa demais, tal e qual o time do coração. Pode ganhar, pode perder, mas time do coração não se move do coração.
Nem avô.
O avô chegou no coração do neto tempos depois de já ter nascido o time do coração. O coração do avô estava distante da mãe, mas o neto inventou de nascer e tudo se ajeitou. O time vivia uma fase de ouro, cansava de cansar de vencer e ser campeoníssimo, e no meio disso tudo chega o neto e cai no colo do coração do avô.
Pois as cores daquele time foram desbaratadas na frente do neto desde que ele começou a virar gente, e ele só se via feito gente se pudesse torcer pro time do coração. Culpa do avô. E como esse avô idolatrava sua própria culpa! Anunciava aos quatro ventos esse “crime” cometido. Mas se ele mesmo era “vítima” do neto...
As cores se repetiam, os títulos também, e a primeira pisada da planta do pé do neto num estádio, quem proporcionou? Quem levou os olhinhos maravilhados do garoto junto a seus ídolos de TV, bem de pertinho, descerrando a beleza do significado da palavra “autógrafo”? Esse avô que vivia no colo do neto não perdia tempo, nem oportunidade, mesmo beirando os setenta.
Avô é bom, mas acaba.
Se o neto vivia imaginando como ia ser esse mundo sem o avô, nunca chegaria ao sentimento acometido em novembro de um ano qualquer. O time do coração seria o mesmo? O futebol seria o mesmo? O neto seria o mesmo, já que agora não podia mais ser assim classificado?
O time do coração já não vivia grandes glórias. O neto vivia grandes saudades. E via na grandeza de sua saudade a certificação – óbvia – de como aquele avô era especial. A felicidade do neto era tamanha só por causa disso, e engoliu a dor de olhar pro lado, durante o jogo do time do coração, e não contemplar cabelos brancos.
Depois do fim, vem o seguro. E ele seguiu pra quem de direito. Não era muito.
O neto ficou com o cheque na mão.
E dali o cheque não saía.
Vontade de rasgar.
Vontade de não existir o sistema financeiro internacional, ou a seguridade social. Sem isso, não receberia aquele benefício. Aquele malefício.
O cheque seguiu pra conta, o valor sumiu com algumas dívidas pendentes, foi-se de vez. Melhor assim.
A camisa do time do coração era bonita – sempre foi. O avô adoraria dar camisas ao neto. Mas as oficiais, bonitonas e históricas, não tinham preços condizentes. O neto guardou com carinho as camisas do time do coração que o avô tinha comprado numa lojinha de esportes do bairro, que não vendia as oficiais, mas as “oficiosas”.
O avô não deu as melhores camisas do time do coração. Ele quis. Não deu.
Neto é bom, mas envelhece. E parece que quanto mais velho, menos neto ele parece ser, ainda mais quando o avô já não pode mais aparecer pra tomar a bênção.
Neto envelhece, amadurece, faz faculdade.
Faz prova pra um milhão de concursos, namora firme, rompe os ligamentos do tornozelo, ajuda nas despesas de casa.
Nesse cotidiano brasileiro junta um décimo-terceiro aqui, parcela um pouquinho acolá, e vai conseguindo as oficiais. Vem edição especial pra colecionador do time do coração e ele cai na armadilha (implicitamente desejada).
O armário vai ficando bonito. São cinco camisas do time do coração, que orgulho.
Orgulho do avô. Cadê o avô pra ver esse armário bonito?
A memória pode ser traiçoeira, mas também é oportunista, graças a Deus.
A memória olha as camisas e lembra do avô.
A memória lembra do avô e lembra do cheque.
A memória lembra do avô e lembra do cheque.
A memória lembra do cheque e do seu valor.
A memória recapitula os preços das cinco camisas do time do coração.
A memória faz a graça matemática de somar o que já estava predestinado.
A memória mostra pro neto que o avô não se foi sem fazer o que queria.
(*) Texto escrito faz um tempinho. A foto é de 1984, conforme minha idade na palma da mão.
(*) Texto escrito faz um tempinho. A foto é de 1984, conforme minha idade na palma da mão.
6 comentários:
lindo texto, mestge. você está ficando bom nesse negócio de emocionar. como se não bastasse na véspera de ano-novo... seus leitores-amigos-admiradores agradecem.
Lindo demais! Fiquei emocionada...bjs
Lindo texto! Parabéns!
Abraços,
Cris
Caramba!!! lindo demais
A alegria se mistura à saudade,
chega doer fundo, uma dor que traz um orgulho e admiração pela pessoa que vc é e como consegue colocar tão lindo o sentir da vida.TE AMO, DEUS TE ABENÇOEI SEMPRE.
Lindo mesmo, me emocionou! bjs
Querido
Que texto lindo!!!!!
Fiquei emocionada! Parabéns e que Deus lhe abençoe.
bjs
tia Neila
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