Três décadas
Meu pai tinha 30 anos. Minha mãe tinha 30 anos. Aí eu comecei a surgir.
Minhas lembranças começam no jardim-de-infância. Em frente ao meu prédio em São Cristóvão esperava dois coleguinhas cujo pai dirigia um táxi e me dava carona. Um gibi da Turma da Mônica, a bolsa com meu nome costurado e uma lancheirinha foram meus primeiros companheiros de cotidiano.
Na escolinha fiz uma festa de aniversário com um bolo do Homem-Aranha. Todo dia minha mãe vinha me buscar. Ela sempre comprava um guarda-chuva de chocolate que eu comia no caminho de casa. No Natal, participei de uma encenação sobre a vida de Jesus. Fiz um legionário romano - a única vez em que usei saia na vida! Fora a ironia prévia de encarnar um perseguidor de cristãos.
Em 1986, descobri que não era só eu. Tinha mais gente que vinha dos meus pais, você acredita? Eu só acreditei quando vi minha irmã no berço. Um temperamento tão diferente, muitas brigas e risadas dentro e fora de casa, e sempre uma deixa pra fazermos palhaçada juntos.
Meus primeiros contatos com o futebol começaram em 1986. Na Copa, via as vinhetas do Araken na Globo e repetia em casa, pra toda a família. Ele se disfarçava e de repente se despia pra ficar com a roupa do Brasil. A camisa era uma bandeira estilizada (uma das mais bonitas que já vi), que minha mãe comprou uma igualzinha pra mim.
No mesmo ano meu avô me iniciava na seara rubro-negra. Aos sete anos ele estava na inauguração do estádio de São Januário, quando o Flamengo venceu o Vasco por 2x1. Ali ele deixou de ser vascaíno, pelo resultado e por ter achado bonito o uniforme vermelho e preto. Eu tinha seis anos quando vovô Nelson comprou uma revista Placar. Na capa, o título carioca do Flamengo em cima do Vasco.
Em 1987 conheci o Maracanã pela primeira vez. Claro, vovô Nelson me levou até lá. Vestido como um jogador de futebol da cabeça aos pés (meião e kichute incluído), estávamos na arquibancada. Flamengo 1 x 0 Bangu. Quase vi o gol de Bebeto. Quando veio o cruzamento, a torcida se levantou e eu, pequenino, só consegui ver a festa generalizada.
Também em 1987 comecei uma parte importante da minha história: todo começo de tarde eu me perfilava no pátio do Colégio Pedro II para logo subir para as aulas. Foram 11 anos que valeram por uma vida inteira, de tantas emoções sentidas. Ali conheci a literatura, a política, ouvi falar de sexo, decidi-me pelo Jornalismo, tornei-me cidadão e construí minha identidade.
Por falar em identidade, é impossível esquecer a Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro, igreja frequentada por minha mãe desde que eu tinha um ano de idade. No batizado, lá estava eu no colo com um carrinho de brinquedo na mão, faceiro. Cresci religiosamente, aos 13 anos tive um encontro derradeiro com Cristo, descobri amigos, mentores e companheiros de jornada eternos.
Em 1992 escrevi um artigo sobre a morte de Ulysses Guimarães, numa gigantesca máquina de escrever Remington do vovô Nelson. Era um texto com um certo estilo, referências históricas ("Morre o Doutor Diretas") e um tom épico na despedida. Considero minha primeira matéria jornalística. Talvez bisavó de meus blogs.
Depois de uma série de redações com nota máxima na escola, aos 16 anos encontrei Fernando Sabino. Ele me encorajou a escrever crônicas. Parecia tão fácil pra ele, por que não tentar? Ganhei um computador e só mexia no Word. Foram muitos textos, ora copiando o estilo de Sabino, ora de Verissimo, até achar o meu lugar.
Em meio às paixões adolescentes, encontrei Carlos Drummond de Andrade. Ele me encorajou a escrever poesia. Parecia tão fácil pra ele, por que não tentar? E o que é melhor: seus versos não necessariamente rimavam, nem tinham métrica. Que liberdade! Ele foi meu terceiro avô.
Aos 18 anos fiz o primeiro vestibular. Mas só passei no segundo, no ano seguinte, na segunda reclassificação. Niterói entrou na minha vida graças à Universidade Federal Fluminense. Jornalismo. Não consegui marcar segunda opção em nenhuma das inscrições. Recentemente, quando minha esposa me perguntou o que eu seria se não fosse jornalista, emudeci por um bom tempo. "Já respondeu", disse ela.
Aos 23 anos encontrei Carolina. Ela já tinha me encontrado sete meses antes, e desde então não tirava os olhos de mim. Quando já tinha perdido as esperanças, olhei de volta. À beira do Aterro do Flamengo, nosso primeiro beijo. Um ano depois, a certeza de que éramos unidos de alma. Quatro meses depois, a proposta. Desde 2007, uma só carne.
Todo esse flashback me capturou hoje, quando faço 30 anos. Não estou me achando velho, não estou em crise, nem ansioso de realizar tudo que eu quero antes que seja tarde. Meu medo de sentir isso na data de hoje não se confirmou.
Só que hoje foi um dia muito, muito inesquecível. Logo às 7 da matina, meu pai me acordou para dar os parabéns. Pra completar, diz que me catou no Google e achou este blog. Leu vários artigos e, embora achasse os textos grandes, gostou. Meu pai, que NUNCA se aventurou pela internet! Foi um presentaço.
Ao chegar no trabalho, recebido com uma rede social de "Parabéns! Feliz aniversário!" ao vivo. E não era só isso. Assim como no dia que voltei de licença, um café da manhã comunitário pra comemorar. Assim como no dia que voltei de licença, não esperava.
Logo depois, minha mãe me liga e ora comigo ao telefone, numa das ações mais tocantes que uma pessoa pode fazer por outra. No almoço, Carolina me esperava para escrevermos mais um capítulo da história do Bar Luiz.
À tarde, outra surpresa no trabalho: um presente e um cartão personalizados. O fato de todos os aniversariantes terem recebido esse tipo de homenagem não diminui o significado do gesto. Ouvir os bastidores da busca pelo presente me emocionou.
No ônibus, voltando pra casa, não consegui me conter. Chorava de alegria pelo aniversário e por tudo o que me proporcionaram. Voltei às lágrimas sorridentes enquanto redigia essas linhas.
E pensar que ainda há mais 30 anos pela frente, ao menos! Mais 30 anos para escrever, mais 30 anos para amar Carolina, mais 30 anos curtindo meus amigos...
Fora os projetos que germinaram faz tempo e sabe Deus quando vão se realizar. Meus blogs vão virar livro? Meus documentários serão exibidos no Festival de Gramado? Meus alunos na faculdade de Comunicação vão gostar das minhas aulas? Meus filhos vão ser a minha cara? E vão ser flamenguistas? Etc etc etc...
São só 30 anos. E não é que parece?