Eu já considerava a hipótese, e um texto recente do senador no Facebook parece ajudar a confirmá-la.
Durante um bate-papo à época do lançamento de "Mujica: o presidente mais rico do mundo" um amigo afirmou que o ex-presidente uruguaio seria "engolido" pela política brasileira, caso atuasse da mesma forma no nosso contexto. E me perguntou se eu concordava com a tese.
Comecei respondendo que, conforme descrevo no livro, José Mujica é fruto de um contexto específico do Uruguai e de sua vida pessoal. O país tem um histórico de vanguarda em causas libertárias (as legalizações recentes não são "alienígenas" para o país), a esquerda é unida sob uma grande frente política e a experiência na prisão contribuiu para o desapego que Mujica apresenta em relação a ideias e coisas materiais.
"É possível que ele fosse tipo um Cristovam Buarque", afirmei em seguida. Alguém admirado, respeitado e idealista de temas caros à humanidade, como a educação. Porém infelizmente sem a influência necessária nas decisões políticas do país. Não que Cristovam seja "mais um", mas talvez pelo fato de não topar a rotina das conveniências eleitorais e corporativistas e assim, não entrar em certos "jogos".
Para além disso, o senador pelo Distrito Federal publicou um texto na sua página do Facebook que achei emblemático para a discussão:
Basta de anacronismos
Há gente tão antiquada que ainda é
anti-comunista, e outras tão antiquadas que são anti-capitalistas.
Não
tenho qualquer simpatia pelo mundo que o capitalismo construiu: desastre
ecológico, desigualdade brutal, muros separando ricos e pobres, guerras
espalhadas para dinamizar a economia pela produção de armas, mas hoje
não tenho qualquer alternativa à propriedade privada do capital (a
estatização generalizada gerou ineficiência) e ao funcionamento do mercado (o planejamento centralizado gerou ineficiência, roubou liberdade e aprisionou a criatividade dos indivíduos).
Enquanto não surge uma nova proposta que elimine a propriedade privada
do capital com eficiência e defina formas de planejamento central que
não fire a liberdade, nem castre a criatividade, defendo o capitalismo:
- com educação de qualidade igual para todos, o filho do trabalhador na mesma escola do filho do patrão,
- uma política fiscal justa, capaz de limitar a desigualdade,
- a definição de limites ecológicos que impeçam o consumo depredador, e
- a definição de piso social que elimine a exclusão aos bens e serviços essenciais.
Com isto, será possível conviver com o capitalismo, corrigindo seus
defeitos, até que surja a idéia de um no novo sistema social e
econômico, provavelmente ñ século XXII. Sem cair nestes anacronismos de
anti-comunismo e anti-capitalismo.
Esse pronunciamento público traz muitas semelhanças com a postura de José Mujica. Um realismo crítico sobre as utopias da esquerda e da direita; o humilde reconhecimento de que não é tarefa fácil conjugar as diversas necessidades do mundo de hoje, bem como da escassez de novas soluções; e a manutenção de princípios que nos regem (ou deveriam nos reger) como espécie humana.
Para complementar o raciocínio, transcrevo alguns trechos de um capítulo da biografia ("Novos Colóquios") em que os pensamentos de Mujica fazem um verdadeiro jogral com Cristovam Buarque:
“Os setores proprietários dizem que não se deve dar o peixe às pessoas, tem que ensiná-los a pescar. Mas quando lhe destruímos o barco, lhe roubamos a vara e lhes tiramos os anzóis, é preciso começar a dar o peixe. Se queremos incorporá-los à sociedade, não há volta.”
“Mas, ao mesmo tempo em que lutamos por transformar o futuro, deve-se fazer funcionar o velho porque as pessoas têm que viver. É uma equação difícil. O desafio é duro.”
“Dizia-se que era possível saltar de uma sociedade pobre a uma sociedade socialista. Que se podia cortar etapas. Tratava-se de um invento leninista que, claro, nunca foi provado. A história tem demonstrado que isso não ocorre.”
“Temos claro que o socialismo não pode ser filho da ignorância, da brutalidade, de massas semianalfabetas. E muito menos, filho do racionamento e de uma mirrada distribuição. Não significa abdicar da visão socialista dizer que deve-se prefixar, no tempo, o conceito de ‘liberação nacional’, que supõe incluir, durante uma etapa, longas alianças de classes. Porque primeiro deve-se criar as condições materiais.”
“O neoliberalismo é uma caricatura empobrecida do velho liberalismo. (...) Filosoficamente, a melhor coisa que o velho liberalismo nos trouxe foi o respeito ao outro, à tolerância. E são essas coisas que o neoliberalismo vai deixando pelo caminho. O neoliberalismo tem a sua receita e a aplica indiferente às consequências. Doa a quem doer. A construção de uma sociedade melhor supõe uma convivência liberal quanto às relações humanas.”
“A reforma agrária não é uma bandeira socialista. Está entre as grandes conquistas de alguns países burgueses, que tiveram, a partir dessa reforma, um desenvolvimento invejável.”
Por coincidência, adivinha quem é o relator do projeto de lei que visa a regulamentação medicinal da maconha no Brasil?
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