segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Quintino

Enquanto a patroa e a patroinha foram para um compromisso, Saramagueei: "se podes olhar, vê. Se podes ver, repara".



Esperaria algumas horas até voltar pra casa e na esquina havia um bar. À frente dele, dois altares, cada um no topo de uma pedra com 1,80 de altura. No primeiro, um São Jorge em seu cavalo branco rodeado de flores dentro de uma gaiola de vidro. No segundo, uma moto suspensa.

Sim, uma moto suspensa.

O bar típico do subúrbio carioca: poster de campeão de futebol amarelado na parede, mesas de plástico coloridas conforme o merchandising da cerveja, salgados jurássicos no balcão, Velho Barreiro em destaque. Pedi uma água e sentei em frente, na sombra abaixo da marquise. Abri um livro de crônicas.

Não demorou e logo surgiu ao lado uma tradicional instituição carioca: o carro estacionado com som alto. Começava o duelo "pagode retrô x Rubem Braga" pela minha atenção.

Na casa do outro lado da rua, várias pichações, dentre elas uma frase: "Afinal, o querem as mulheres?". Freud não morreu, virou pichador em Quintino Bocaiúva.

Os moradores cumpriam a função de moradores em um domingo quente: sair de casa pra bater perna na calçada. Duas adolescentes com uma criança só de fralda andando sem dar as mãos. Uma família mórmon. Uma jovem evangélica. Um senhor de bermuda preta e chaves penduradas no bolso. Vários motoqueiros, todos sem camisa e mal-encarados.

Não esqueço um casal com a filha pequena emburrada e o pai com uma IGUANA no ombro. Nada de papagaio ou calopsita delicada. Era um mini-crocodilo que se estendia até o meio das costas do sujeito, com seu papinho de velho balançando enquanto olhava para os lados. E ninguém na rua estranhando a cena.

Deu fome e o calor pedia um picolé. Vi o freezer e tentei ir abrindo pra escolher e pagar depois, como faço em outras partes do Rio. Meu tempo de subúrbio tinha passado mesmo: tava lá o cadeadinho, seu malandro. Era pagar primeiro, apontar o que queria e esperar a filha da dona do bar escolher e entregar na sua mão.

Voltei pra marquise. Junto a mim dois caras matavam o tempo. Um de barba comprida, óculos escuros, tênis coloridos. Outro de ar desconfiado. Cada um com uma garrafa de cerveja no isopor, eu com um Frutilly.

O fim da tarde chegou e pegamos o primeiro de dois ônibus até voltar pra casa. No caminho, muitas ruas apenas com residências, casas de um andar, nenhuma sombra de prédio alto ou comércio. É a minha cidade, mas também não é. Acabou a Marechal Rondon, avistei a Mangueira, a Uerj e parecia retornar de outra dimensão.

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