domingo, 6 de abril de 2003

O conceito de musa mudou

Ao menos para mim. Lembro que a primeira vez em que ouvi a palavra foi antes mesmo de minha adolescência. Era a “musa inspiradora”, de poetas principalmente. Na mesma época ouvia falar também de “amor platônico”. De primeira, logo concluí: os poetas sentem amor platônico pelas musas inspiradoras. Faz sentido até hoje.

Até porque gosto de escrever e tenho minhas musas inspiradoras. Não necessariamente que me levem a uma vida de Álvares de Azevedo, que por elas “morria seguidamente”. Nesse período do Romantismo, ficou marcada a idéia da musa pura e inatingível, e essa distância fazia o poeta sofrer, sofrer e sofrer. Nada saudável.

O que não podemos negar é que temos idealizações. De tudo: futuro, família, possíveis empregos, sonhos em geral. Por que não teríamos de mulher? E esse tipo de idealização materializa-se na musa.

Até pouco tempo, minha musa principal era Gisele Bündchen. Precisei agüentar a oposição implacável dos que a acusavam de magrela, insensível (vide a campanha com casacos de pele) e de “cabeça-de-vento com classe”. Não posso dizer que discordava das opiniões acima, mas ela era minha musa e ponto final. Modelo de beleza que me alcançava etc. Não dá pra ficar conjecturando muito sobre essa preferência. O que não esperava é que o conceito de musa mudasse a partir de três mulheres em especial. Todas elas, de certa forma, minhas musas secundárias até então.

Paloma Duarte me conquistou de vez ao reagir à sórdida campanha terrorista de José Serra nas últimas eleições. Regina Duarte fora ao programa do PSDB dizendo que estava com medo de Lula ganhar, usando de todos os argumentos estreitos e estereotipados para desqualificar o candidato e atemorizar o povo para o que viria pela frente. Paloma, militante da classe artística que acompanhou Lula nas demais eleições, se ofereceu para reagir:

“Eu quero dizer que um candidato que precisa aterrorizar a população brasileira em vez de se calcar às suas próprias virtudes para tentar se eleger não merece meu respeito. Não merece minha confiança, e, no meu entender, não mereceria jamais ser presidente da República”.

Admirei sua atitude e vi que não era uma alienada como tantas outras jovens atrizes brasileiras.

Quando trabalhava na Secretaria das Culturas, ganhei ingressos para a pré-estréia de “Lavoura Arcaica”, em sessão fechada no Espaço Unibanco. Só artista na parada, e lá estava Patrícia Pillar. O que primeiro me chamou a atenção é que ela era mais bonita ao vivo, sem a produção da TV à qual estava acostumado. Isso me marcou, e nesta semana (quase um ano depois de tê-la visto), ouvi suas opiniões a respeito do veículo que a projetou:

“Se a gente espera que a TV hoje mostre um comportamento exemplar, ela é um desastre! Não sou moralista, não acho que televisão tenha que ser só educativa e chata, mas é preciso ter mais cuidado. Sobretudo, sem atropelar as etapas. As crianças estão participando da vida adulta muito mais que deveriam.”

Em outro momento da entrevista, ela diz:

“Procuro, sempre que possível, fazer personagens que tenham o que dizer. Se for para fazer novela ou seriado ou filme que não dizem nada, prefiro ficar em casa e brincar de outras coisas.”

Pra completar, resolveram entrevistar Camila Pitanga também. Em seu rosto podemos flagrar a miscigenação brasileira revelada em beleza. Em suas palavras, a inteligência de quem percebe seu lugar na exposição pública, e sua responsabilidade à frente dos milhões de telespectadores globais. Sempre crítica ao culto às “celebridades”:

“Hoje se privilegia a efemeridade e o instantâneo. Assim, são produzidas também pessoas instantâneas. O sucesso a qualquer custo gera mais euforia que realização. A gente percebe a infelicidade nos olhos dessas pessoas que não se vêem velhas, não se enxergam no tempo. Pensam que é bacana estar in, ser cortejada. E depois, o que sobra?Está faltando qualidade ao desejo.”

Foi a terceira confirmação da mudança do conceito de musa. Não basta apenas ser bonita, a inteligência precisa existir e ter sabedoria para se revelar no momento e nas palavras certas. Isso apenas aumenta o valor da boa aparência e deixa a dona de tal conjunto ainda mais digna de ser chamada de musa.

Hoje meus suspiros têm mais qualidade de vida.

Um comentário:

Joice Worm disse...

Olá Marcos, hoje andei fazendo uma pesquisa do conceito de "Musa inspiradora" e acidentalmente vim aqui parar. Mas ainda bem que isto aconteceu. Era exactamente o que precisava ler, sem muitas definições, mas apenas a expressão de um sentimento. Gostei Marcos, e como tal, utilizei parte de seu texto para o meu Blog e fiz-lhe uma homenagem. E como tenho muitos leitores, reportei-os para visitá-lo. E como nada é por acaso, aqui estou eu em: http://euvoscompreendo.blog.com
Um grande abraço para você!!... E obrigada.