quinta-feira, 29 de maio de 2003

Outra morte, outro desperdício jornalístico

Morreu Almir Chediak, o autor daqueles songbooks maravilhosos da MPB. Foi ele quem facilitou bastante aos músicos (principiantes ou profissionais) o acesso às obras-primas da nossa cultura em todas as suas cifras e partituras. Uma perda lastimável de um produtor cultural que possivelmente iria acalentar novas gerações de artistas musicais com seu melhor produto.

Os assassinos de Almir confessaram o crime. O plano era assaltar a casa do produtor, roubar o carro e matá-lo, junto com sua namorada (que escapou). Afinal, ambos reconheceram o autor dos disparos, que era o velho caseiro do sítio de Almir.

Eis que o Jornal Nacional noticia a o crime e o funeral de Almir Chediak e, claro, ouve depoimentos de artistas presentes ao enterro. Francis Hime diz: “É uma grande perda para a nossa música. E a pessoa morrer assim... Onde vamos parar?”. João Bosco: “É um absurdo. Como duas pessoas podem matar outra, assim, com essa facilidade? Alguma coisa tem que ser feita”. Lembrando que era uma matéria editada.

Editada e direcionada por completo. Era pra noticiar a morte do produtor cultural carioca e de repente, não mais que de repente, vira um novo parâmetro-protesto classificando o Rio como o mundo maravilhoso da violência, a cidade-pária de nossas mazelas urbanas. Cidade calamitosa, reverberando o Casseta e Planeta.

Aos navegantes de primeiro artigo, esclareço (outra vez) que não sou um insensível que acha que tudo o que falam do Rio é “exagero”. Mas não posso compactuar com uma imprensa que, se já não bastasse ser sensacionalista, também é oportunista. Em vez de respeitar o luto da família e amigos de Chediak e simplesmente noticiar o que aconteceu (que por si só já choca a todos), acaba “aproveitando o ensejo” pra incitar a cultura do medo no carioca e no resto do Brasil em relação ao Rio. E usando das falas de artistas para legitimar essa postura. Sendo que eles eram os menos isentos para isso, uma vez que estavam emocionalmente envolvidos com a questão e eram artistas, não especialistas da área de segurança.

Não é meu intuito banalizar a violência, mas esse tipo de crime só acontece no Rio? Só acontece no Brasil? Acho que não. Também não acredito na imprensa “imparcial, neutra e objetiva” que “apenas noticie” sem qualquer interferência ou partidarismo. Mas e o bom senso, e o respeito à inteligência dos espectadores? Será que João Bosco e Francis Hime opinaram apenas sobre a violência na nossa cidade, justo na morte de um importante personagem da cena cultural brasileira? Quem não enxerga a Globo “forçando a barra” pra ligar o crime isolado ao clima de medo que já vem impondo faz tempo? E não só a Globo, claro.

Uma cidade superpopulosa, com contrastes sociais gritantes dos quais a violência é um de seus frutos. Essa é a descrição de qualquer uma das grandes capitais brasileiras. Por que o Rio tem que ser o “penico violento” do Brasil? E pior, pior: por que espalhar a cultura do medo?

Repito, “tripito”, “quadripito”: os fatos violentos falam por si só. Não é necessário exagerar, nem forçar a barra. Desculpem estar voltando ao tema, mas o sensacionalismo não descansa, por que eu vou descansar?

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