Outra morte, outro desperdício jornalístico
Morreu Almir Chediak, o autor daqueles songbooks maravilhosos da MPB. Foi ele quem facilitou bastante aos músicos (principiantes ou profissionais) o acesso às obras-primas da nossa cultura em todas as suas cifras e partituras. Uma perda lastimável de um produtor cultural que possivelmente iria acalentar novas gerações de artistas musicais com seu melhor produto.
Os assassinos de Almir confessaram o crime. O plano era assaltar a casa do produtor, roubar o carro e matá-lo, junto com sua namorada (que escapou). Afinal, ambos reconheceram o autor dos disparos, que era o velho caseiro do sítio de Almir.
Eis que o Jornal Nacional noticia a o crime e o funeral de Almir Chediak e, claro, ouve depoimentos de artistas presentes ao enterro. Francis Hime diz: “É uma grande perda para a nossa música. E a pessoa morrer assim... Onde vamos parar?”. João Bosco: “É um absurdo. Como duas pessoas podem matar outra, assim, com essa facilidade? Alguma coisa tem que ser feita”. Lembrando que era uma matéria editada.
Editada e direcionada por completo. Era pra noticiar a morte do produtor cultural carioca e de repente, não mais que de repente, vira um novo parâmetro-protesto classificando o Rio como o mundo maravilhoso da violência, a cidade-pária de nossas mazelas urbanas. Cidade calamitosa, reverberando o Casseta e Planeta.
Aos navegantes de primeiro artigo, esclareço (outra vez) que não sou um insensível que acha que tudo o que falam do Rio é “exagero”. Mas não posso compactuar com uma imprensa que, se já não bastasse ser sensacionalista, também é oportunista. Em vez de respeitar o luto da família e amigos de Chediak e simplesmente noticiar o que aconteceu (que por si só já choca a todos), acaba “aproveitando o ensejo” pra incitar a cultura do medo no carioca e no resto do Brasil em relação ao Rio. E usando das falas de artistas para legitimar essa postura. Sendo que eles eram os menos isentos para isso, uma vez que estavam emocionalmente envolvidos com a questão e eram artistas, não especialistas da área de segurança.
Não é meu intuito banalizar a violência, mas esse tipo de crime só acontece no Rio? Só acontece no Brasil? Acho que não. Também não acredito na imprensa “imparcial, neutra e objetiva” que “apenas noticie” sem qualquer interferência ou partidarismo. Mas e o bom senso, e o respeito à inteligência dos espectadores? Será que João Bosco e Francis Hime opinaram apenas sobre a violência na nossa cidade, justo na morte de um importante personagem da cena cultural brasileira? Quem não enxerga a Globo “forçando a barra” pra ligar o crime isolado ao clima de medo que já vem impondo faz tempo? E não só a Globo, claro.
Uma cidade superpopulosa, com contrastes sociais gritantes dos quais a violência é um de seus frutos. Essa é a descrição de qualquer uma das grandes capitais brasileiras. Por que o Rio tem que ser o “penico violento” do Brasil? E pior, pior: por que espalhar a cultura do medo?
Repito, “tripito”, “quadripito”: os fatos violentos falam por si só. Não é necessário exagerar, nem forçar a barra. Desculpem estar voltando ao tema, mas o sensacionalismo não descansa, por que eu vou descansar?
quinta-feira, 29 de maio de 2003
quinta-feira, 22 de maio de 2003
O cerejão
Frases minhas – semana passada: “eu vou”. Hoje: “eu fui”. Não é Rock in Rio, é a clássica Bienal do Livro 2003. Minha angústia de não poder visitá-la em um fim de semana inteiro (como era meu objetivo) foi suprida por uma ida na quarta-feira mesmo, depois do trabalho. Preparei-me: levei uma roupa mais leve e um tênis pra lá me trocar e aproveitar a feirona do livro mais à vontade.
Assim que cheguei, pensei em dar uma olhada na superlotada Arena Jovem. Desisti. O tema era TV e realidade, com Pedro Bial. Blergh! Guardei os volumes no guarda-volumes e comecei a jornada pelas editoras universitárias. De cara, 2 livros em menos de 10 minutos! Cheguei a me assustar com o que parecia ser um comportamento de comprador compulsivo...
A seguir, o Café Literário, no qual pude apreciar Armando Nogueira palestrando sobre Otto Lara Resende, no tema “Amigos para sempre”. Ótimas histórias, ótimos escritores. Mas um destaque necessário vai para a menina que distribuía as senhas. Ela era linda, linda... Vale a pena ir ao outro lado da face da Terra – o Riocentro – para encontrá-la. Cheguei a inventar uma nova dúvida só pra poder olhar para seu rosto outra vez e ouvir suas belas informações, com muito mais atenção na forma que no conteúdo. Atrasar-me-ei na próxima vez, para ser obrigado a assistir a palestra na TV – que fica ao lado dela...
Mas o meu destaque principal vai mesmo para o stand do Ministério da Educação, que cada vez mais tem a cara do Cristovam Buarque, meu novo super-herói. Como não podia deixar de ser, o tema principal era a campanha para erradicar o analfabetismo em 4 anos (sem pensar em reeleição), capitaneado por um obcecado pela educação de um povo necessitando disso, às vezes sem saber.
Ao lado do stand, uma câmara escura decorada por fora com cartas estilizadas em tamanho gigante. O conteúdo delas era o mesmo: pessoas recém-alfabetizadas escreviam seu primeiro texto na vida, e diziam isso ao destinatário. Comovente, mas há mais. Ao adentrar a câmara escura, um breu e uma narração em voz firme anunciando que, por cinco minutos, viveríamos como 20 milhões de brasileiros. Somos então “levados” a sair de nossa casa, ir até o centro da cidade, procurar emprego e fazer as coisas mais simples do cotidiano, com luzes iluminando fotos de cada ação do tipo. Com a diferença de que todas as indicações (placas, classificados, marcas em geral) estarem escritas ao contrário e adulteradas, impedindo sua leitura. Ao final, somos convidados a deixar nossa assinatura – que não seria outra senão uma impressão digital.
Por cinco minutos fomos levados a perceber que 20 milhões de analfabetos não podem fazer sozinhos coisas simples da vida, como pegar um ônibus ou comprar um remédio. São muito dependentes e, conseqüentemente, explorados. De uma forma ou de outra, humilhados. Ao final recebemos cartilhas e folders sobre o plano para erradicar o analfabetismo no Brasil. Plano que não é apenas para um Governo se virar, tomar os louros pra si e créditos pra eleição. Mas que convoca cada brasileiro leitor, fazendo despertar sua sensibilidade para que a massa de iletrados excluídos possa ao menos ter chance de enxergar um sentido na dura vida que leva. Um sentimento de libertação é urgente para essas pessoas, e cada um de nós é responsável. Não há espaço para desculpas do tipo “nem sabia a que ponto estava”. Como diz o programa do Ministro, são 20 milhões que não sabem ler a própria bandeira (Que Ordem? Que Progresso?).
Por tudo isso, o stand foi o cerejão do bolo da Bienal. E fica a proposta: Cristovam Buarque Ministro da Educação vitalício!
Frases minhas – semana passada: “eu vou”. Hoje: “eu fui”. Não é Rock in Rio, é a clássica Bienal do Livro 2003. Minha angústia de não poder visitá-la em um fim de semana inteiro (como era meu objetivo) foi suprida por uma ida na quarta-feira mesmo, depois do trabalho. Preparei-me: levei uma roupa mais leve e um tênis pra lá me trocar e aproveitar a feirona do livro mais à vontade.
Assim que cheguei, pensei em dar uma olhada na superlotada Arena Jovem. Desisti. O tema era TV e realidade, com Pedro Bial. Blergh! Guardei os volumes no guarda-volumes e comecei a jornada pelas editoras universitárias. De cara, 2 livros em menos de 10 minutos! Cheguei a me assustar com o que parecia ser um comportamento de comprador compulsivo...
A seguir, o Café Literário, no qual pude apreciar Armando Nogueira palestrando sobre Otto Lara Resende, no tema “Amigos para sempre”. Ótimas histórias, ótimos escritores. Mas um destaque necessário vai para a menina que distribuía as senhas. Ela era linda, linda... Vale a pena ir ao outro lado da face da Terra – o Riocentro – para encontrá-la. Cheguei a inventar uma nova dúvida só pra poder olhar para seu rosto outra vez e ouvir suas belas informações, com muito mais atenção na forma que no conteúdo. Atrasar-me-ei na próxima vez, para ser obrigado a assistir a palestra na TV – que fica ao lado dela...
Mas o meu destaque principal vai mesmo para o stand do Ministério da Educação, que cada vez mais tem a cara do Cristovam Buarque, meu novo super-herói. Como não podia deixar de ser, o tema principal era a campanha para erradicar o analfabetismo em 4 anos (sem pensar em reeleição), capitaneado por um obcecado pela educação de um povo necessitando disso, às vezes sem saber.
Ao lado do stand, uma câmara escura decorada por fora com cartas estilizadas em tamanho gigante. O conteúdo delas era o mesmo: pessoas recém-alfabetizadas escreviam seu primeiro texto na vida, e diziam isso ao destinatário. Comovente, mas há mais. Ao adentrar a câmara escura, um breu e uma narração em voz firme anunciando que, por cinco minutos, viveríamos como 20 milhões de brasileiros. Somos então “levados” a sair de nossa casa, ir até o centro da cidade, procurar emprego e fazer as coisas mais simples do cotidiano, com luzes iluminando fotos de cada ação do tipo. Com a diferença de que todas as indicações (placas, classificados, marcas em geral) estarem escritas ao contrário e adulteradas, impedindo sua leitura. Ao final, somos convidados a deixar nossa assinatura – que não seria outra senão uma impressão digital.
Por cinco minutos fomos levados a perceber que 20 milhões de analfabetos não podem fazer sozinhos coisas simples da vida, como pegar um ônibus ou comprar um remédio. São muito dependentes e, conseqüentemente, explorados. De uma forma ou de outra, humilhados. Ao final recebemos cartilhas e folders sobre o plano para erradicar o analfabetismo no Brasil. Plano que não é apenas para um Governo se virar, tomar os louros pra si e créditos pra eleição. Mas que convoca cada brasileiro leitor, fazendo despertar sua sensibilidade para que a massa de iletrados excluídos possa ao menos ter chance de enxergar um sentido na dura vida que leva. Um sentimento de libertação é urgente para essas pessoas, e cada um de nós é responsável. Não há espaço para desculpas do tipo “nem sabia a que ponto estava”. Como diz o programa do Ministro, são 20 milhões que não sabem ler a própria bandeira (Que Ordem? Que Progresso?).
Por tudo isso, o stand foi o cerejão do bolo da Bienal. E fica a proposta: Cristovam Buarque Ministro da Educação vitalício!
sábado, 17 de maio de 2003
Procurando os tiros
Há filmes que não consigo explicar por que, mas afirmo com certeza que precisam ser vistos por cada habitante do planeta. Filmes que, não sei descrever exatamente como, mexem comigo e invocam – às vezes à força – nossa sensibilidade para que saiamos de nosso mundinho pessoal e percebamos que há uma realidade pulsando a nossa volta. E que estar esclarecido sobre essa realidade faz com que desejemos ser melhores seres humanos.
Tiros em Columbine é um filme assim. Para quem ainda não sabe ou não lembra, foi o documentário que ganhou o Oscar no qual o diretor, Michael Moore fez um ousado discurso contra Bush e os senhores da guerra americanos - sejam eles políticos, militares, artistas ou cidadãos.
O tema principal do filme é a mania de armas dos cidadãos norte-americanos, suas possíveis causas e terríveis conseqüências. Mas aborda a questão em diversos níveis, usando do humor. O melhor é ver pessoas cínicas admitindo seu cinismo diante das câmeras, admitindo o mal que fazem para a sociedade da qual são parte: o produtor do programa “Cops”, uma espécie de “Linha Direta” de muito sucesso nos EUA; Charlton Heston, presidente de honra da Associação Nacional do Rifle que discursa, um dia depois, nas cidades onde crianças e adolescentes mataram colegas e professores de escola. Defendendo as armas! E é encurralado por Michael Moore numa entrevista sensacional. Os políticos que promovem a cultura do medo através da mídia totalmente cooptada e sem o menor compromisso com o que noticiam. Um procedimento bem familiar aos cariocas e brasileiros que ouvem as notícias do Rio.
Não dá pra traduzir o que o filme proporciona. Eu vi há 2 horas e ainda não consigo colocar em palavras o impacto que ele causa. Talvez verbalmente, mas não na escrita. O que gostaria de deixar registrado aqui é a necessidade urgente de dizer aos leitores: vejam esse filme. Vejam, façam um grande favor à sensibilidade e à construção da personalidade de vocês, para que percebam no que podemos nos tornar, o quão responsáveis podemos ser pelos monstros que surgem aqui e acolá. O quão maléfico pode ser a preguiça de pensar. Ou o desprezo pelo papel de cada um como cidadão, eleitor, espectador crítico, leitor atento.
Tiros em Columbine não é apenas um filme. Desculpe o artigo aquém do esperado, mas é preciso que você vá ao cinema para eu poder me comunicar melhor.
Há filmes que não consigo explicar por que, mas afirmo com certeza que precisam ser vistos por cada habitante do planeta. Filmes que, não sei descrever exatamente como, mexem comigo e invocam – às vezes à força – nossa sensibilidade para que saiamos de nosso mundinho pessoal e percebamos que há uma realidade pulsando a nossa volta. E que estar esclarecido sobre essa realidade faz com que desejemos ser melhores seres humanos.
Tiros em Columbine é um filme assim. Para quem ainda não sabe ou não lembra, foi o documentário que ganhou o Oscar no qual o diretor, Michael Moore fez um ousado discurso contra Bush e os senhores da guerra americanos - sejam eles políticos, militares, artistas ou cidadãos.
O tema principal do filme é a mania de armas dos cidadãos norte-americanos, suas possíveis causas e terríveis conseqüências. Mas aborda a questão em diversos níveis, usando do humor. O melhor é ver pessoas cínicas admitindo seu cinismo diante das câmeras, admitindo o mal que fazem para a sociedade da qual são parte: o produtor do programa “Cops”, uma espécie de “Linha Direta” de muito sucesso nos EUA; Charlton Heston, presidente de honra da Associação Nacional do Rifle que discursa, um dia depois, nas cidades onde crianças e adolescentes mataram colegas e professores de escola. Defendendo as armas! E é encurralado por Michael Moore numa entrevista sensacional. Os políticos que promovem a cultura do medo através da mídia totalmente cooptada e sem o menor compromisso com o que noticiam. Um procedimento bem familiar aos cariocas e brasileiros que ouvem as notícias do Rio.
Não dá pra traduzir o que o filme proporciona. Eu vi há 2 horas e ainda não consigo colocar em palavras o impacto que ele causa. Talvez verbalmente, mas não na escrita. O que gostaria de deixar registrado aqui é a necessidade urgente de dizer aos leitores: vejam esse filme. Vejam, façam um grande favor à sensibilidade e à construção da personalidade de vocês, para que percebam no que podemos nos tornar, o quão responsáveis podemos ser pelos monstros que surgem aqui e acolá. O quão maléfico pode ser a preguiça de pensar. Ou o desprezo pelo papel de cada um como cidadão, eleitor, espectador crítico, leitor atento.
Tiros em Columbine não é apenas um filme. Desculpe o artigo aquém do esperado, mas é preciso que você vá ao cinema para eu poder me comunicar melhor.
quinta-feira, 15 de maio de 2003
A carapuça que nunca serve
Ok, vivemos no Rio, uma cidade cuja fama violenta propaga-se com velocidade crescente aqui e lá fora. Até aí nada de novo que a mídia não esteja proclamando repetidas vezes. Entretanto uma matéria me chamou a atenção na semana passada. Foi a primeira página do Globo em 09/05: Cultura do medo se espalha no Rio. Logo abaixo, a chamada: Escolas e universidade suspendem atividades; acidente banal gera pânico na Linha Vermelha.
Sim, a violência vem aumentando, fruto de uma desigualdade social cada vez maior e da força do tráfico. Sim, policiais corruptos impedem que a corrupção diminua. Sim, autoridades da área de segurança que se revezam ano após ano não conseguem sequer lidar com o problema. Mas a pergunta que me surgiu é: como uma cultura do medo se espalha?
Lembrei de uma conversa que tive há pouco com meu chefe. Comentava o fato de um amigo não sair de casa à noite com medo da violência. No que ele respondeu ao amigo: “do jeito que as coisas estão, se tomarmos essa atitude a gente não sai de casa pra nada, pra lugar nenhum, em hora nenhuma”. E me toquei que, não importa como esteja o Rio, preciso todos os dias sair de casa, trabalhar, ir pra faculdade e voltar pra casa.
Longe de mim ser frio e insensível dizer que precisamos fingir que a violência não existe no Rio, ou que não sou um “possível alvo”. Mas a paranóia... Como somos induzidos a encarar a questão da violência sempre em um nível maior do que já está? Essa chamada “cultura do medo” é algo a mais, um extra do qual não necessitamos que a imprensa nos forneça. Os fatos por si só já bastam, não é necessário exagerar o exagero.
Mas o sensacionalismo não se contenta com os fatos em si, mesmo quando procura (e acha) os mais terríveis. Precisa “aculturar” o público consumidor das notícias de maneira que o clima seja mantido, mesmo que, no momento, o que menos se precise é de adrenalina além da conta. (Curioso é que em Copa do Mundo e Carnaval nem bala perdida aparece... A violência “acaba” pelo tempo que convém.)
Até que ponto um alarde do tipo “acidente banal na Linha Vermelha” na primeira página pode colaborar para que uma histeria não nos domine? Por que o RJTV precisa colocar, enquanto o apresentador se dirige a nós, um logo vermelho escrito “A NOSSA GUERRA”, assim, em caixa alta e tudo? Até que ponto o vocábulo “guerra” aparecer fácil em conversa de boteco não prejudica a nossa apreensão dos fatos como eles são e a conscientização para que se saiba cobrar soluções para a situação do Rio?
Diante disso tudo, a matéria do Casseta e Planeta (de 1993!) sobre a “Cidade Calamitosa” continua atual e, abusando da ironia, corre o risco de nos fazer pensar melhor sobre a que ponto chegamos. E olha que o slogan deles é “humorismo verdade, jornalismo mentira”...
Ok, vivemos no Rio, uma cidade cuja fama violenta propaga-se com velocidade crescente aqui e lá fora. Até aí nada de novo que a mídia não esteja proclamando repetidas vezes. Entretanto uma matéria me chamou a atenção na semana passada. Foi a primeira página do Globo em 09/05: Cultura do medo se espalha no Rio. Logo abaixo, a chamada: Escolas e universidade suspendem atividades; acidente banal gera pânico na Linha Vermelha.
Sim, a violência vem aumentando, fruto de uma desigualdade social cada vez maior e da força do tráfico. Sim, policiais corruptos impedem que a corrupção diminua. Sim, autoridades da área de segurança que se revezam ano após ano não conseguem sequer lidar com o problema. Mas a pergunta que me surgiu é: como uma cultura do medo se espalha?
Lembrei de uma conversa que tive há pouco com meu chefe. Comentava o fato de um amigo não sair de casa à noite com medo da violência. No que ele respondeu ao amigo: “do jeito que as coisas estão, se tomarmos essa atitude a gente não sai de casa pra nada, pra lugar nenhum, em hora nenhuma”. E me toquei que, não importa como esteja o Rio, preciso todos os dias sair de casa, trabalhar, ir pra faculdade e voltar pra casa.
Longe de mim ser frio e insensível dizer que precisamos fingir que a violência não existe no Rio, ou que não sou um “possível alvo”. Mas a paranóia... Como somos induzidos a encarar a questão da violência sempre em um nível maior do que já está? Essa chamada “cultura do medo” é algo a mais, um extra do qual não necessitamos que a imprensa nos forneça. Os fatos por si só já bastam, não é necessário exagerar o exagero.
Mas o sensacionalismo não se contenta com os fatos em si, mesmo quando procura (e acha) os mais terríveis. Precisa “aculturar” o público consumidor das notícias de maneira que o clima seja mantido, mesmo que, no momento, o que menos se precise é de adrenalina além da conta. (Curioso é que em Copa do Mundo e Carnaval nem bala perdida aparece... A violência “acaba” pelo tempo que convém.)
Até que ponto um alarde do tipo “acidente banal na Linha Vermelha” na primeira página pode colaborar para que uma histeria não nos domine? Por que o RJTV precisa colocar, enquanto o apresentador se dirige a nós, um logo vermelho escrito “A NOSSA GUERRA”, assim, em caixa alta e tudo? Até que ponto o vocábulo “guerra” aparecer fácil em conversa de boteco não prejudica a nossa apreensão dos fatos como eles são e a conscientização para que se saiba cobrar soluções para a situação do Rio?
Diante disso tudo, a matéria do Casseta e Planeta (de 1993!) sobre a “Cidade Calamitosa” continua atual e, abusando da ironia, corre o risco de nos fazer pensar melhor sobre a que ponto chegamos. E olha que o slogan deles é “humorismo verdade, jornalismo mentira”...
sexta-feira, 9 de maio de 2003
E os pimpolhos? - parte 2
Transcrevo abaixo o ótimo comentário da amiga Louise Araujo, formada em jornalismo pela UFF (eu chego lá!) e leitora assídua deste blog:
"Bom, TV nunca educou. A programação era tão ruim antes (com raras exceções) quanto o é hoje (com raras exceções). Mas antes, pela dificuldade de acesso ao aparelho, menos crianças eram deixadas aos cuidados da telinha. Atualmente, quando a banalização da aquisição tornou possível ter uma babá eletrônica em cada cômodo (e ainda equipada com canais mil, cheios de atrativos), tornou-se lógico para muitos pais que aquela caixinha tivesse o discernimento e a pedagogia de um real educador - e largaram o "trabalho sujo" pra ser feito por ela.
Eu lembro que, numa cena de "A próxima vítima" (novela do Sílvio de Abreu) o personagem de Rosamaria Murtinho aparecia morta, boiando numa piscina. Muitos pais podem ter se indignado de ter se veiculado cena tão forte num horário em que as crianças ainda estavam acordadas - mas pelo menos uma mãe discordou deles. Escreveu uma carta (para O Globo? JB? Não lembro....) dizendo que, ao invés de se horrorizar, explicou ao filho o que tinha acontecido, lembrou que aquela era apenas uma cena de novela (e vamos combinar que os contos de fada têm cenas bem mais violentas do que essa) etc etc etc. Enfim, explicou o mundo ao filho, ensinou as coisas da vida a ele. E parabenizava o autor pela boa qualidade da cena.
Que bom seria se todos os pais agissem assim - ou seja, com a consciência de que têm um dever muito importante ao colocarem uma criança no mundo: educá-la. Isso não é uma tarefa fácil nem divertida; mas é a obrigação de quem se sentiu adulto o suficiente para tomar a decisão de trazer um ser humano ao mundo. Até porque, vamos combinar, ninguém prometeu que ele viria com um manual de instruções."
Transcrevo abaixo o ótimo comentário da amiga Louise Araujo, formada em jornalismo pela UFF (eu chego lá!) e leitora assídua deste blog:
"Bom, TV nunca educou. A programação era tão ruim antes (com raras exceções) quanto o é hoje (com raras exceções). Mas antes, pela dificuldade de acesso ao aparelho, menos crianças eram deixadas aos cuidados da telinha. Atualmente, quando a banalização da aquisição tornou possível ter uma babá eletrônica em cada cômodo (e ainda equipada com canais mil, cheios de atrativos), tornou-se lógico para muitos pais que aquela caixinha tivesse o discernimento e a pedagogia de um real educador - e largaram o "trabalho sujo" pra ser feito por ela.
Eu lembro que, numa cena de "A próxima vítima" (novela do Sílvio de Abreu) o personagem de Rosamaria Murtinho aparecia morta, boiando numa piscina. Muitos pais podem ter se indignado de ter se veiculado cena tão forte num horário em que as crianças ainda estavam acordadas - mas pelo menos uma mãe discordou deles. Escreveu uma carta (para O Globo? JB? Não lembro....) dizendo que, ao invés de se horrorizar, explicou ao filho o que tinha acontecido, lembrou que aquela era apenas uma cena de novela (e vamos combinar que os contos de fada têm cenas bem mais violentas do que essa) etc etc etc. Enfim, explicou o mundo ao filho, ensinou as coisas da vida a ele. E parabenizava o autor pela boa qualidade da cena.
Que bom seria se todos os pais agissem assim - ou seja, com a consciência de que têm um dever muito importante ao colocarem uma criança no mundo: educá-la. Isso não é uma tarefa fácil nem divertida; mas é a obrigação de quem se sentiu adulto o suficiente para tomar a decisão de trazer um ser humano ao mundo. Até porque, vamos combinar, ninguém prometeu que ele viria com um manual de instruções."
domingo, 4 de maio de 2003
Sites que recomendo:
www.observatoriodaimprensa.com.br
www.canaldaimprensa.com.br
www.chicobuarque.com.br
www.jobim.com.br
www.comunique-se.com.br
www.observatoriodaimprensa.com.br
www.canaldaimprensa.com.br
www.chicobuarque.com.br
www.jobim.com.br
www.comunique-se.com.br
E os pimpolhos?
A omissão pode ser mais ativa do que se pensa. A passividade, mais destruidora do que se imagina. Pais e filhos parecem sentir isso a cada geração que passa. O pior é que todos sentem, mas não parecem admitir. Principalmente após a TV ter conquistado seu lugar em nosso cotidiano.
Há pouco li no site www.canaldaimprensa.com.br que "uma estatística das Organizações das Nações Unidas, divulgada em 1998, mostra que a TV brasileira exibe 20 crimes por hora de desenho animado. Esse mapeamento da ONU também diz que, nas seis emissoras abertas, detectam-se 1.432 crimes em uma semana de desenhos animados". É matéria-prima em abundância para que os pais fiquem revoltados e se perguntem: os donos das emissoras de TV aberta gostariam que a programação por eles produzida se dirigisse a seus filhos? Será que realmente a assistem com gosto?
O foco deste artigo não é saber se a violência dos desenhos faz efeitos ou não, nem ser ingênuo de não pensar que os donos de emissoras têm interesses muito além do mero entretenimento. O curioso é observar a chiadeira de pais em relação a essas estatísticas, que isso é um absurdo etc e tal. Legítimo, mas ofuscador muitas vezes.
É fato que preferimos escolher coisas que nos dêem o menor trabalho possível, ou menos esforço precisemos empreender. Mas é maduro compreender que certas coisas que dão trabalho assim têm que ser para termos o fruto seguro ao final do processo. Refiro-me, neste instante, à missão dos pais em educar os filhos e acompanhá-los e, sempre que possível, esclarecê-los sobre valores humanos universais que precisam ser mantidos, ainda que uma maravilhosa TV diga o contrário. E isso dá trabalho.
O ofuscamento do qual falei se encontra aí. Não quero generalizar, mas quando vejo muitos pais reclamando que a TV só tem porcaria etc e tal, logo me pergunto: será que estão fazendo sua parte? Será que a aparente revolta não ofusca uma passividade no acompanhar dos filhos? A TV não tem o apelido de "babá eletrônica" à toa...
Por vezes critico a imprensa neste blog, e o faço tentando ser coerente. Sabendo que um dia serei profissional do ramo e não poderei deixar pra trás tudo o que disse. Não posso chafurdar na crítica e deixar de fazer a minha parte. Os pais precisam ter senso crítico sim, e precisam também ser ativos no cuidar de seus filhos, conversar com eles para que possam discernir que nem tudo (ou, infelizmente, muito pouco) do que aquela caixinha colorida transmite atualmente traz algo de bom. Que seus filhos precisam crescer sem se render à alienação que alienígenas como Xuxa Meneghel tentam empreender a cada aparição no monitor (falo isso como sobrevivente do Xou da Xuxa, graças a Deus e a minha mãe).
O lance é que isso dá trabalho, né? Mas se os pais não assumirem esse esforço, que geração seguinte virá? Que fruto virá ao final do processo? É hora de desprezar o imediatismo reinante sabendo que "longo prazo" não é só jargão.
A omissão pode ser mais ativa do que se pensa. A passividade, mais destruidora do que se imagina. Pais e filhos parecem sentir isso a cada geração que passa. O pior é que todos sentem, mas não parecem admitir. Principalmente após a TV ter conquistado seu lugar em nosso cotidiano.
Há pouco li no site www.canaldaimprensa.com.br que "uma estatística das Organizações das Nações Unidas, divulgada em 1998, mostra que a TV brasileira exibe 20 crimes por hora de desenho animado. Esse mapeamento da ONU também diz que, nas seis emissoras abertas, detectam-se 1.432 crimes em uma semana de desenhos animados". É matéria-prima em abundância para que os pais fiquem revoltados e se perguntem: os donos das emissoras de TV aberta gostariam que a programação por eles produzida se dirigisse a seus filhos? Será que realmente a assistem com gosto?
O foco deste artigo não é saber se a violência dos desenhos faz efeitos ou não, nem ser ingênuo de não pensar que os donos de emissoras têm interesses muito além do mero entretenimento. O curioso é observar a chiadeira de pais em relação a essas estatísticas, que isso é um absurdo etc e tal. Legítimo, mas ofuscador muitas vezes.
É fato que preferimos escolher coisas que nos dêem o menor trabalho possível, ou menos esforço precisemos empreender. Mas é maduro compreender que certas coisas que dão trabalho assim têm que ser para termos o fruto seguro ao final do processo. Refiro-me, neste instante, à missão dos pais em educar os filhos e acompanhá-los e, sempre que possível, esclarecê-los sobre valores humanos universais que precisam ser mantidos, ainda que uma maravilhosa TV diga o contrário. E isso dá trabalho.
O ofuscamento do qual falei se encontra aí. Não quero generalizar, mas quando vejo muitos pais reclamando que a TV só tem porcaria etc e tal, logo me pergunto: será que estão fazendo sua parte? Será que a aparente revolta não ofusca uma passividade no acompanhar dos filhos? A TV não tem o apelido de "babá eletrônica" à toa...
Por vezes critico a imprensa neste blog, e o faço tentando ser coerente. Sabendo que um dia serei profissional do ramo e não poderei deixar pra trás tudo o que disse. Não posso chafurdar na crítica e deixar de fazer a minha parte. Os pais precisam ter senso crítico sim, e precisam também ser ativos no cuidar de seus filhos, conversar com eles para que possam discernir que nem tudo (ou, infelizmente, muito pouco) do que aquela caixinha colorida transmite atualmente traz algo de bom. Que seus filhos precisam crescer sem se render à alienação que alienígenas como Xuxa Meneghel tentam empreender a cada aparição no monitor (falo isso como sobrevivente do Xou da Xuxa, graças a Deus e a minha mãe).
O lance é que isso dá trabalho, né? Mas se os pais não assumirem esse esforço, que geração seguinte virá? Que fruto virá ao final do processo? É hora de desprezar o imediatismo reinante sabendo que "longo prazo" não é só jargão.
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