A carapuça que nunca serve
Ok, vivemos no Rio, uma cidade cuja fama violenta propaga-se com velocidade crescente aqui e lá fora. Até aí nada de novo que a mídia não esteja proclamando repetidas vezes. Entretanto uma matéria me chamou a atenção na semana passada. Foi a primeira página do Globo em 09/05: Cultura do medo se espalha no Rio. Logo abaixo, a chamada: Escolas e universidade suspendem atividades; acidente banal gera pânico na Linha Vermelha.
Sim, a violência vem aumentando, fruto de uma desigualdade social cada vez maior e da força do tráfico. Sim, policiais corruptos impedem que a corrupção diminua. Sim, autoridades da área de segurança que se revezam ano após ano não conseguem sequer lidar com o problema. Mas a pergunta que me surgiu é: como uma cultura do medo se espalha?
Lembrei de uma conversa que tive há pouco com meu chefe. Comentava o fato de um amigo não sair de casa à noite com medo da violência. No que ele respondeu ao amigo: “do jeito que as coisas estão, se tomarmos essa atitude a gente não sai de casa pra nada, pra lugar nenhum, em hora nenhuma”. E me toquei que, não importa como esteja o Rio, preciso todos os dias sair de casa, trabalhar, ir pra faculdade e voltar pra casa.
Longe de mim ser frio e insensível dizer que precisamos fingir que a violência não existe no Rio, ou que não sou um “possível alvo”. Mas a paranóia... Como somos induzidos a encarar a questão da violência sempre em um nível maior do que já está? Essa chamada “cultura do medo” é algo a mais, um extra do qual não necessitamos que a imprensa nos forneça. Os fatos por si só já bastam, não é necessário exagerar o exagero.
Mas o sensacionalismo não se contenta com os fatos em si, mesmo quando procura (e acha) os mais terríveis. Precisa “aculturar” o público consumidor das notícias de maneira que o clima seja mantido, mesmo que, no momento, o que menos se precise é de adrenalina além da conta. (Curioso é que em Copa do Mundo e Carnaval nem bala perdida aparece... A violência “acaba” pelo tempo que convém.)
Até que ponto um alarde do tipo “acidente banal na Linha Vermelha” na primeira página pode colaborar para que uma histeria não nos domine? Por que o RJTV precisa colocar, enquanto o apresentador se dirige a nós, um logo vermelho escrito “A NOSSA GUERRA”, assim, em caixa alta e tudo? Até que ponto o vocábulo “guerra” aparecer fácil em conversa de boteco não prejudica a nossa apreensão dos fatos como eles são e a conscientização para que se saiba cobrar soluções para a situação do Rio?
Diante disso tudo, a matéria do Casseta e Planeta (de 1993!) sobre a “Cidade Calamitosa” continua atual e, abusando da ironia, corre o risco de nos fazer pensar melhor sobre a que ponto chegamos. E olha que o slogan deles é “humorismo verdade, jornalismo mentira”...
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