quarta-feira, 19 de março de 2008

Questão de Estado

A agonia do Parque Aquático Maria Lenk terminou. A construção feita especialmente para o Pan 2007 corria o risco de ficar sem administrador e rumar para o fim, mas o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) assumiu a gestão pelos próximos 20 anos. Por mais que o assunto aplique-se às páginas esportivas dos jornais, é um exemplo de como anda a questão do Estado e suas nuances. Vejamos o contexto.

É chover no molhado falar do amadorismo de nossas autoridades no planejamento e realização do Pan 2007. Este blog já publicou vários posts sobre o assunto. No entanto, vejamos o contexto que o Parque Aquático surgiu: a cidade do Rio de Janeiro precisava dese tipo de instalação para sediar a competição (o parque aquático Júlio de Lamare, no Maracanã, não dava conta). Tal e qual o Engenhão e o velódromo da Arena Multiuso.

Construído e devidamente utilizado para o Pan, a pergunta que não queria calar desde antes voltava à tona: quem vai administrar o Parque? E quando se diz administrar, é claro que se fala também de assumir os custos de manutenção a fim de investir nas futuras gerações de nadadores.

A Prefeitura já tinha repassado ao Botafogo a administração do Engenhão, recebendo em troca um aluguel quase simbólico. E quis fazer o mesmo com o Parque Aquático, que foi oferecido aos grandes clubes do Rio, nas condições descritas no parágrafo acima. Com um detalhe a mais: se a Prefeitura quisesse realizar/promover competições ali, estaria isenta de pagamento de taxas, aluguel etc. Mamata certa, desonerando os cofres públicos (depois da gastança exorbitante da construção).

Pois nenhum clube topou a enrascada. Tampouco alguma empresa quis ter seu nome associado à natação, um esporte que não dá tanto retorno de imagem quanto o massivo futebol, por exemplo.

Diante disso, restava ao Parque Aquático a deterioração. Como o Rio quer sediar as Olimpíadas 2016 e esse tipo de abandono de instalações esportivas "pegaria mal" para as ambições do COB, este assumiu a administração. O mesmo deve ocorrer com o velódromo. Porém, é certo que vão buscar patrocinadores pra sustentar a gestão.

Onde está a questão de Estado nisso tudo? Simples: quem tem a obrigação de garantir os direitos a saúde, educação, cultura, lazer, habitação para a população? O Estado. Há empresas que atuam nesse sentido? Muitas. Porém, apenas se houver algum tipo de retorno para seus investimentos. Está na natureza das empresas buscar o lucro, e nada mais natural que pensem assim quando aplicarem suas quantias. Elas não possuem a obrigação que o Estado possui.

Quer dizer que o Estado deve gastar de qualquer jeito o dinheiro dos impostos? Claro que não (aliás, esse aspecto sempre é apresentado, erroneamente, como o extremo oposto da atuação das empresas). O Estado não pode se omitir no que lhe cabe, nem tampouco terceirizar suas responsabilidades. As empresas podem, pois sua natureza é outra.

Foi esse o "nó" do Parque Aquático, assim como de todo o planejamento pro Pan 2007. E assim é com tantos outros exemplos referentes à administração da coisa pública. Irritar-se com as empresas quando elas se retiram de uma cidade por não estar obtendo os resultados esperados? Bobagem. A cobrança deve sempre ser dirigida, antes de tudo, a nossos administradores e legisladores, que possuem a faca e o queijo na mão (como têm feito desde a década de 90) para diminuir o "tamanho" do Estado (ou para gastar mal o que é recolhido nos impostos). Ora, não está se falando de tamanho, mas de responsabilidades que nunca mudaram e nunca mudarão. As conseqüências desse contexto para a população é que mudam, drasticamente, quase sempre pra pior.

"É um grande alívio o COB assumir [o Parque] porque nós não somos gestores de esporte", disse o prefeito do Rio, Cesar Maia. Não são? E o que ele espera para extinguir a Secretaria Municipal de Esporte e Lazer? Se não são gestores de esporte, o que fazem lá?

O prefeito acrescentou que o custo anual do Parque e do velódromo é de 10 milhões de reais. Ou seja, se foi um alívio, é porque a despesa está pesando nos cofres da Prefeitura. E se está pesando, é outra confirmação de que não houve planejamento algum para o depois.

E se continuar nessa toada? A Prefeitura poderia abandonar a administração do Hospital Municipal Miguel Couto com as mesmas justificativas do Parque. "Nós não somos gestores de saúde". Alguém contestaria? O prefeito estaria sendo coerente, já que ninguém parece estranhar que o Estado não seja responsável por gerir o esporte. E se o Governo Federal admitir que as universidades públicas são um peso pro orçamento? "Nós não somos gestores da educação". Faria sentido.

Portanto, chega de simplismos e mascaramentos ao abordarmos a discussão do papel do Estado no mundo contemporâneo. O papel sempre será o mesmo, assim como o das empresas. Resta apenas que a população esteja ciente das nuances de discurso.

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