Enfim minha licença médica chegou ao fim! Agora a tarefa é me readaptar ao cotidiano de trabalho e regular o zoneado relógio biológico. Sim, pois o sono resolve dar as caras quando menos espero. Ele estava acostumado a mandar em mim até altas horas da manhã e agora estranha o domesticamento.
Acho que só agora, depois de dois meses de stand-by, consigo encontrar respostas para o que minha mãe me perguntou durante esse período: "Já dá pra tirar um saldo positivo dessa situação?". Se não fosse minha genitora expressando sua preocupação, teria julgado a pergunta um tanto sarcástica. Eu não conseguia, naquele momento, ver propósito nenhum na fratura cacete de um metatarso, que tanta imobilidade me causava.
Hoje percebo quais foram as lições que a licença me deixou. A principal delas foi perceber como nosso mundo não está preparado para inserir os portadores de necessidades especiais. E me remeteu a um projeto de lei de um senador da república.
As calçadas esburacadas passam despercebidas para quem anda em sua plenitude física. Mas são um suplício para quem não pode pensar num mínimo tropeço, sob pena de dar com a cara no chão. A falta de rampas transforma o meio-fio num degrau potencialmente traiçoeiro. Estações de metrô sem escada rolante são um exercício de paciência. Subia muleta por muleta num desenho lógico.
Do alto de meus 29 anos, fiquei imaginando idosos ou demais portadores de necessidades especiais sem força nos braços para vencer essas dificuldades. A disposição necessária para fazer as coisas mais simples do cotidiano, e ainda contar com a compreensão dos demais. Pegar um ônibus, dependendo do motorista, é um esporte radical.
Na minha cabeça, assim como no atendimento ao público, pensava: todo mundo tinha que passar por isso um dia. É uma experiência que cauteriza a sensibilidade para a questão no mais tacanho dos cidadãos. Daí para imaginar que nossos políticos precisavam de um "estágio" assim foi um pulo...
Então lembrei do senador Cristovam Buarque. Obcecado pela educação, o parlamentar do Distrito Federal apresentou no ano passado um projeto de lei que obriga os filhos de autoridades eleitas pelo voto a estudarem em escola pública. O objetivo, claro, é fazer os responsáveis pelo país sentirem na pele a realidade do ensino público brasileiro. Uma vez provado esse gostinho, é possível que cuidem melhor de nossas escolas e professores.
Apliquei o mesmo princípio à minha situação. Nossos representantes deveriam ficar uns dois meses em cadeiras de rodas pra perceber as dificuldades que um portador de necessidade especial encara todo dia. Talvez assim pensassem numa política de acessibilidade total ousada na medida que deve ser. E com a prioridade que os portadores merecem, em vez de ficarem esperando migalhas filantrópicas ou interesseiras.
Pode ser otimismo demais da minha parte esperar que a insensibilidade política seja quebrada assim tão simples. Certo é que um metatarso me ajudou a enxergar melhor a questão, provocando o desejo de ajudar. Já começo por essas linhas, esperando combater a indiferença de quem, como eu, não costuma passar por privação física.
(Foto: Nelson Perez / Divulgação)
2 comentários:
Eu duvidei e vim aqui ler!!!! rs.
Filhos de autoridades eleitas deveriam estudar em escola pública e serem atendidos somente em postos de saúde e hospitais públicos!!!
(Os links que vc está fazendo com seus posts mostram que suas idéias estão relacionadas, bom demais!)
Marcia P. L. Bettencourt
Valeu, Marcinha. É bom ser coerente sem nem sentir, né? rs
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