Banalizaram o beijo na boca
E o Caetano é um dos culpados. Quando o Tropicalismo já tinha passado do ponto no quesito escândalo, ele e Gil começaram com os hoje famosos "selinhos". Daí não pararam mais, e a especialidade que esse gesto representava esvai-se a cada dia. O interessante é notar que isso é o sintoma de algo mais profundo.
Britney Spears e Madonna são as protagonistas de agora do beijo na boca em público, buscando chocar - mas principalmente buscando manter-se em evidência e produzir factóides que o povo do Rio já conhece muito bem, escolados por Cesar Maia e Garotinho. Não que as ícones pop stars precisem de audiência para além do que fazem na música, mas elas colaboraram para a banalização do beijo na boca da qual estou falando.
Fora a polêmica (premeditada, é óbvio, sabendo que seria extenuamente coberta pela mídia), o que significa aquele beijo das duas? Há pouco Madonna havia esculachado Britney quando esta queria ser uma Madonna um dia. As duas não têm um relacionamento afetivo, não são militantes de nada... Pra que aquele beijo senão pra reafirmar a sociedade do espetáculo na qual estamos inseridos, onde qualquer babaquice produzida por famosos merece divulgação como se fosse utilidade pública?
E banalizam um gesto que - ao menos em nossa cultura ocidental - representa o enlace de amor, a ratificação de que o que existe ali é um namoro e não só amizade. Hoje vivemos assim: o que era especial e reservado para um momento certo é antecipado, banalizado, explorado e, se possível, descartado após o cansaço da ultra-exposição. O beijo na boca é uma das metáforas de nosso contexto. Os sentimentos só ganham valor se a eles forem agregados alguma utilidade ou vantagem a se adquirir.
E assim temos a "indústria romântica", que segue transformando as nobrezas do interior do nosso coração em linha de montagem estúpida. Filmes, literatura, modos de pensar, opiniões formadas... todo o senso comum envolto nessa nova situação.
Contra a banalização do único. Contra o usufruto indevido de gestos significativos demais para serem usados pelos arautos da superficialidade. Chegou a hora de chocar com a simplicidade.
domingo, 31 de agosto de 2003
sábado, 23 de agosto de 2003
Mídia pubiana
PRIMEIRO PERDÃO: queridos leitores, peço que me desculpem se por vezes este blog possui acidez com freqüência - uma constante raiva expressa por meio do desabafo. Creio que posso parecer um "chato de plantão" se falar sempre no mesmo tom. Peço que compreendam que quase sempre o objetivo destes artigos é que sejam atuais e anti-alienantes. Isso exige que se fale do que está em notícia e que se tente "sacudir" a acomodação que sempre nos ronda. Logo, o contexto é que às vezes não ajuda... Além disso, quando o "sangue sobe" creio que a escrita sai mais fiel.
SEGUNDO PERDÃO: gostaria de falar de algo de mais alto nível, mas a mídia brasileira não me deixa em paz! Clique no GLOBO de hoje: A depilação 'brasileira' que foi parar na Oxford. Como a versão on line não traz a mesma disposição gráfica da impressa, descrevo: mais de 2/4 da página falavam dessa matéria, com uma foto de Gwyneth Paltrow ao centro (vestida, claro!), mais dois boxes (um maior, outro menor) com depoimentos.
Quase como rodapé da página, uma coluninha em que D. Mauro Morelli (recuperando-se de um grave acidente) alerta para a responsabilidade de cada um sobre a fome. Ao lado, em uma coluna menor, a informação sobre o reforço de 5 bi no orçamento da saúde. Mais adiante, em coluna do mesmo tamanho, cinco vereadores de Porto Ferreira (SP), acusados de corrupção, licenciaram-se a fim de não haver quórum para serem cassados.
Como eu posso ficar quieto no meu canto ao me deparar com um crime desses? A mídia, essa empresa privada que presta serviço público (e nos trata como consumidores), investiga mais sobre os pêlos pubianos femininos do que sobre a miséria social e política do Brasil!
Fala-se na "matéria púbica" que o dicionário Oxford classificou um certo tipo de depilação como tipicamente brasileira ("Brazilian wax"). E as partes são ouvidas: uma editora da BBC Brasil, um mestre em lingüística da UFRJ, uma passista, as depiladoras brasileiras de NY, uma escritora norte-americana. Com detalhes físicos e culturais, vão destrinchando (ôpa!) o assunto e informando leitores e leitoras.
Agora, por que um enorme destaque a essa notícia no primeiro caderno, na seção nacional "País"? E por que os demais temas (fome, saúde, corrupção) ficaram subordinados aos diálogos da vagina? E isso no órgão (ôpa!) de informação do Dr. Roberto, o graaaaaaaande jornalista recém-empacotado.
Mais um retrato de a quantas anda a nossa mídia. O pior é que os jornalistas acabam entrando nessas furadas por não terem escolha. São mão-de-obra apenas. Quem decide a ênfase, a tônica, a maneira de abordar, diagramar e publicar são os editores, e daí pra cima.
É essa mídia que tem a oportunidade de mostrar ao brasileiro a realidade social da fome, e ressaltar a luta de um de seus principais combatentes - D. Mauro Morelli, cujo grave acidente não foi capaz de amainar sua mobilização. Mas em uma coluninha?
É essa mídia que tem a oportunidade de esclarecer ao brasileiro se a prioridade a um direito básico - a Saúde - está sendo cumprida pelo Governo. Mas em uma coluninha?
É essa mídia que tem a oportunidade de despertar o brasileiro do "coma político" em que ele adentra depois das eleições, para não dar descanso à classe política no cumprir de seu serviço público. Mas em uma coluninha?
Porém as cercanias do ponto G merecem quase página inteira. E não é na Playboy, e sim num dos maiores jornais do Brasil!
Nunca foi tão ruim ser estudante de jornalismo.
PRIMEIRO PERDÃO: queridos leitores, peço que me desculpem se por vezes este blog possui acidez com freqüência - uma constante raiva expressa por meio do desabafo. Creio que posso parecer um "chato de plantão" se falar sempre no mesmo tom. Peço que compreendam que quase sempre o objetivo destes artigos é que sejam atuais e anti-alienantes. Isso exige que se fale do que está em notícia e que se tente "sacudir" a acomodação que sempre nos ronda. Logo, o contexto é que às vezes não ajuda... Além disso, quando o "sangue sobe" creio que a escrita sai mais fiel.
SEGUNDO PERDÃO: gostaria de falar de algo de mais alto nível, mas a mídia brasileira não me deixa em paz! Clique no GLOBO de hoje: A depilação 'brasileira' que foi parar na Oxford. Como a versão on line não traz a mesma disposição gráfica da impressa, descrevo: mais de 2/4 da página falavam dessa matéria, com uma foto de Gwyneth Paltrow ao centro (vestida, claro!), mais dois boxes (um maior, outro menor) com depoimentos.
Quase como rodapé da página, uma coluninha em que D. Mauro Morelli (recuperando-se de um grave acidente) alerta para a responsabilidade de cada um sobre a fome. Ao lado, em uma coluna menor, a informação sobre o reforço de 5 bi no orçamento da saúde. Mais adiante, em coluna do mesmo tamanho, cinco vereadores de Porto Ferreira (SP), acusados de corrupção, licenciaram-se a fim de não haver quórum para serem cassados.
Como eu posso ficar quieto no meu canto ao me deparar com um crime desses? A mídia, essa empresa privada que presta serviço público (e nos trata como consumidores), investiga mais sobre os pêlos pubianos femininos do que sobre a miséria social e política do Brasil!
Fala-se na "matéria púbica" que o dicionário Oxford classificou um certo tipo de depilação como tipicamente brasileira ("Brazilian wax"). E as partes são ouvidas: uma editora da BBC Brasil, um mestre em lingüística da UFRJ, uma passista, as depiladoras brasileiras de NY, uma escritora norte-americana. Com detalhes físicos e culturais, vão destrinchando (ôpa!) o assunto e informando leitores e leitoras.
Agora, por que um enorme destaque a essa notícia no primeiro caderno, na seção nacional "País"? E por que os demais temas (fome, saúde, corrupção) ficaram subordinados aos diálogos da vagina? E isso no órgão (ôpa!) de informação do Dr. Roberto, o graaaaaaaande jornalista recém-empacotado.
Mais um retrato de a quantas anda a nossa mídia. O pior é que os jornalistas acabam entrando nessas furadas por não terem escolha. São mão-de-obra apenas. Quem decide a ênfase, a tônica, a maneira de abordar, diagramar e publicar são os editores, e daí pra cima.
É essa mídia que tem a oportunidade de mostrar ao brasileiro a realidade social da fome, e ressaltar a luta de um de seus principais combatentes - D. Mauro Morelli, cujo grave acidente não foi capaz de amainar sua mobilização. Mas em uma coluninha?
É essa mídia que tem a oportunidade de esclarecer ao brasileiro se a prioridade a um direito básico - a Saúde - está sendo cumprida pelo Governo. Mas em uma coluninha?
É essa mídia que tem a oportunidade de despertar o brasileiro do "coma político" em que ele adentra depois das eleições, para não dar descanso à classe política no cumprir de seu serviço público. Mas em uma coluninha?
Porém as cercanias do ponto G merecem quase página inteira. E não é na Playboy, e sim num dos maiores jornais do Brasil!
Nunca foi tão ruim ser estudante de jornalismo.
sexta-feira, 22 de agosto de 2003
Preguiça de pensar: o suicídio da democracia
Acompanho a trajetória política do deputado Chico Alencar desde sua gestão à frente da Secretaria Municipal de Educação, no Rio. De lá pra cá, todos os seus mandatos - como vereador, deputado estadual, e agora federal - caracterizaram-se por algo raro na política brasileira: a constante prestação de contas. Malas diretas, informativos, reuniões semanais, encontros em praça pública... Chico Alencar sempre esteve perto de quem o elegeu, sendo inquirido e cobrado, explicando passo a passo seus atos políticos em nome do povo. Sempre, e não apenas em vésperas de eleição.
Há uma semana, Chico foi hostilizado por "manifestantes dos trabalhadores" no Largo de São José, onde presta contas de seu mandato federal. Não teve sequer a chance de discursar, embora tenha feito questão de que os que protestavam falassem. Eles xingaram, gritaram chavões de ordem dignos do século XV. Conversar, discutir idéias? Nada disso. Foram premeditados e decididos à bagunça anti-cidadã. Exerceram a sua "ditadura pessoal" em cima de quem era o menos indicado para ser alvo disso.
(Aliás, parece que a ditadura deixou saudades mesmo. Adoramos um autoritarismo, é venerável puxar saco de algum chefe, buscar "salvadores da pátria" pra nação e assim ter um "homem-forte" pra responder por nós e a quem culpar, pro individual desencargo de consciência. Já dizia Bussunda em 94: "Nesta eleição, os brasileiros vão eleger aquele de quem vão falar mal nos próximos 4 anos!". A ladoreira de Brasília virou folclore, rimos do que nos violenta, num estranho sadomasoquismo autista.)
Chico Alencar está longe disso. Sempre se esforçou, na sua vocação de professor, em ensinar aos eleitores brasileiros o exercício pleno da cidadania por vias democráticas, o voto consciente, a fiscalização dos eleitos. Exige coerência dos eleitores. Exige que lhe exijam coerência, no que faz com prazer e transparência.
Enquanto isso, os verdadeiros obstáculos da democracia riem, sabendo que eles não são incomodados. Afinal, gasta-se energia jogando pedra em vidraças erradas. E os estilhaços vão atingir cada analfabeto político, cada idiota que não se importa com o destino de seu voto ou com o que os eleitos estão fazendo com o dinheiro público, com os destinos do país. Atingirá cada imbecil que pensa que a política é um joguinho de equações reduzidas, e não o lidar com a miscigenada cultura brasileira.
Abaixo, o texto de Chico Alencar sobre o infeliz episódio:
INTOLERÂNCIA DEZ
Nossa prestação de contas semanal no Buraco do Lume - que será feita até o fim do Mandato - ganhou um tom diferente na última sexta feira (15/08). Dirigentes de sindicatos de servidores e militantes do PSTU fizeram lá um protesto contra as mudanças na Previdência. Até aí tudo bem: sempre fomos muito críticos em relação a essa "Reforma" e, por isso, estamos arcando com as conseqüências políticas e disciplinares da nossa posição. Chico e mais dez deputados petistas não deram seu voto ao projeto do nosso Governo - três NÃO, oito ABSTENÇÕES -, descumprindo decisão partidária (o que é sempre sofrido para nós, do PT).
O que causou espanto e alguma indignação foi a forma agressiva como os manifestantes agiram. Muitos não queriam ouvir, e sim gritar e xingar. Revelando desconhecimento do Regimento da Câmara, insistiam em dizer que o voto de Abstenção é o mesmo que Sim, fingindo ignorar que, em Emenda Constitucional, o que conta são 308 votos favoráveis (3/5 do total), sendo qualquer outra atitude contrária à proposta, como destacou o Presidente Genoíno, tentando nos enquadrar no SIM.
Imaginem se no Lume estivesse, por exemplo, o grande Luís Fernando Veríssimo, que em sua coluna do O GLOBO (17/08) disse que a Reforma da Previdência tem "erros e acertos". Provavelmente seria linchado! Quem não distingue os verdadeiros adversários parece querer fazer disputa política menor: faturar com as reais contradições do PT e desgastar a esquerda partidária, "para tomar suas bases". É inadmissível que pessoas da trajetória de um Milton Temer sejam ofendidas. "Botar no poste os traidores", que são todos os que não votaram exatamente do jeito que alguns determinaram, alardeado como o único correto, no velho estilo do dogmatismo medieval ou do stalinismo, só serve para quem é sectário. Enquanto isso o PFL aplaude, a direita sorri. Tomara que os sindicatos não entrem nessa rota estreita e infantil.
Acompanho a trajetória política do deputado Chico Alencar desde sua gestão à frente da Secretaria Municipal de Educação, no Rio. De lá pra cá, todos os seus mandatos - como vereador, deputado estadual, e agora federal - caracterizaram-se por algo raro na política brasileira: a constante prestação de contas. Malas diretas, informativos, reuniões semanais, encontros em praça pública... Chico Alencar sempre esteve perto de quem o elegeu, sendo inquirido e cobrado, explicando passo a passo seus atos políticos em nome do povo. Sempre, e não apenas em vésperas de eleição.
Há uma semana, Chico foi hostilizado por "manifestantes dos trabalhadores" no Largo de São José, onde presta contas de seu mandato federal. Não teve sequer a chance de discursar, embora tenha feito questão de que os que protestavam falassem. Eles xingaram, gritaram chavões de ordem dignos do século XV. Conversar, discutir idéias? Nada disso. Foram premeditados e decididos à bagunça anti-cidadã. Exerceram a sua "ditadura pessoal" em cima de quem era o menos indicado para ser alvo disso.
(Aliás, parece que a ditadura deixou saudades mesmo. Adoramos um autoritarismo, é venerável puxar saco de algum chefe, buscar "salvadores da pátria" pra nação e assim ter um "homem-forte" pra responder por nós e a quem culpar, pro individual desencargo de consciência. Já dizia Bussunda em 94: "Nesta eleição, os brasileiros vão eleger aquele de quem vão falar mal nos próximos 4 anos!". A ladoreira de Brasília virou folclore, rimos do que nos violenta, num estranho sadomasoquismo autista.)
Chico Alencar está longe disso. Sempre se esforçou, na sua vocação de professor, em ensinar aos eleitores brasileiros o exercício pleno da cidadania por vias democráticas, o voto consciente, a fiscalização dos eleitos. Exige coerência dos eleitores. Exige que lhe exijam coerência, no que faz com prazer e transparência.
Enquanto isso, os verdadeiros obstáculos da democracia riem, sabendo que eles não são incomodados. Afinal, gasta-se energia jogando pedra em vidraças erradas. E os estilhaços vão atingir cada analfabeto político, cada idiota que não se importa com o destino de seu voto ou com o que os eleitos estão fazendo com o dinheiro público, com os destinos do país. Atingirá cada imbecil que pensa que a política é um joguinho de equações reduzidas, e não o lidar com a miscigenada cultura brasileira.
Abaixo, o texto de Chico Alencar sobre o infeliz episódio:
INTOLERÂNCIA DEZ
Nossa prestação de contas semanal no Buraco do Lume - que será feita até o fim do Mandato - ganhou um tom diferente na última sexta feira (15/08). Dirigentes de sindicatos de servidores e militantes do PSTU fizeram lá um protesto contra as mudanças na Previdência. Até aí tudo bem: sempre fomos muito críticos em relação a essa "Reforma" e, por isso, estamos arcando com as conseqüências políticas e disciplinares da nossa posição. Chico e mais dez deputados petistas não deram seu voto ao projeto do nosso Governo - três NÃO, oito ABSTENÇÕES -, descumprindo decisão partidária (o que é sempre sofrido para nós, do PT).
O que causou espanto e alguma indignação foi a forma agressiva como os manifestantes agiram. Muitos não queriam ouvir, e sim gritar e xingar. Revelando desconhecimento do Regimento da Câmara, insistiam em dizer que o voto de Abstenção é o mesmo que Sim, fingindo ignorar que, em Emenda Constitucional, o que conta são 308 votos favoráveis (3/5 do total), sendo qualquer outra atitude contrária à proposta, como destacou o Presidente Genoíno, tentando nos enquadrar no SIM.
Imaginem se no Lume estivesse, por exemplo, o grande Luís Fernando Veríssimo, que em sua coluna do O GLOBO (17/08) disse que a Reforma da Previdência tem "erros e acertos". Provavelmente seria linchado! Quem não distingue os verdadeiros adversários parece querer fazer disputa política menor: faturar com as reais contradições do PT e desgastar a esquerda partidária, "para tomar suas bases". É inadmissível que pessoas da trajetória de um Milton Temer sejam ofendidas. "Botar no poste os traidores", que são todos os que não votaram exatamente do jeito que alguns determinaram, alardeado como o único correto, no velho estilo do dogmatismo medieval ou do stalinismo, só serve para quem é sectário. Enquanto isso o PFL aplaude, a direita sorri. Tomara que os sindicatos não entrem nessa rota estreita e infantil.
sábado, 16 de agosto de 2003
Assim eles vivem
Na última quinta-feira pude conferir outra ótima mostra de cinema no CCBB. Era o festival alemão "Assim Vivemos", uma série de documentários, animações e até filmes de ficção sobre o mundo dos portadores de deficiência. Para minha alegria, só documentários foram exibidos nesse dia. Quem assistiu às três produções da tarde saiu de lá enriquecido humanamente.
Criaturas que nascem em segredo é um filme brasileiro sobre nanismo, com vários depoimentos. Um casal de anões no qual a esposa nunca quis namorar um deles, até conhecer o marido - com o qual vive até hoje e teve duas filhas sem a disfunção. Suas falas são hilárias, como a do pai agradecendo a Deus pelas meninas nunca pedirem colo; ou ambos explicando que as filhas, ao crescerem, usavam os móveis e apetrechos dos pais para brincar de casinha. Outros anões contam sua experiência de vida, relatando problemas e preconceitos a serem vencidos até hoje, como: rejeição ou vergonha dos pais (a ponto de, quando crianças, não poderem sair de casa); gozações diárias, a dificuldade em serem aceitos pelo sexo oposto ou no mercado de trabalho. O filme ainda informa que, antigamente, não restava aos anões opções senão o circo ou uma assumida condição de exclusão pública, social, emocional, familiar. Apenas porque nasceram menores que a média.
Minha solidão, sua solidão mostra um dia na vida de um polonês que provavelmente tem paralisia cerebral (isso não é explicado, mas o cara parece o personagem do filme "Meu Pé Esquerdo", com Daniel Day-Lewis). Sempre na cadeira de rodas, membros atrofiados e dificuldade para falar, ele se desloca para o trabalho e demais atividades externas com determinação. Só aceita ajuda em situações que não lhe deixam opção, como ser colocado na cadeira ou vestir-se. No mais, o cara é um jornalista que entrevista as pessoas sabe como? Leva o gravador no colo e uma lista de perguntas para a pessoa. Depois, ouve pausadamente as partes da entrevista e as digita... com o nariz! (Estou digitando essa frase com o meu só pra sentir como é.) E são artigos imensos, a ponto dos editores pedirem para que ele seja mais breve. Ainda são mostradas, quase sem cortes, cenas de suas conversas com uma amiga, sua alimentação e a hora de ir dormir. Um ritmo lento que faz com que nós, espectadores, nos cansemos. Até lembrarmos que o cara enfrenta isso 24 horas por dia...
Minha mãe é uma rainha, graças a Deus, é um documentário. Se fosse ficção, dúvidas iriam pairar sobre sua veracidade, ainda que cravassem o bordão "baseado em fatos reais". Talvez até forjasse maldosas opiniões sobre os escrúpulos do roteirista. É a história de um casal onde a mulher é deficiente física. No que pude perceber, não possui movimentos da cintura pra baixo e tem as mãos atrofiadas. Pois um homem sem nenhum tipo de deficiência se apaixonou por ela, no que foi correspondido. Os dois "abrem o jogo", falando até dos assuntos mais íntimos do casal, como sexo e perguntas sobre a origem dos sentimentos de um pelo outro. Eles têm uma filha, e a mãe deficiente faz desenhos artísticos a lápis... com a boca, que são vendidos para ajudar na renda familiar.
Creio que um dos objetivos de tais filmes é demonstrar que qualquer deficiente, por mais difícil que seja seu problema, pode levar uma vida "normal" (usar essa definição até perde o sentido). É claro que todos eles (à exceção dos anões) possuíam apoio de entidades e condições financeiras para seus equipamentos e estilos de vida. Ainda assim, é deslumbrante acompanhar seus relatos, perceber que eles se aceitam como são. E uma questão à qual estou sendo levado mais uma vez: como preconceitos podem ser tão subjetivos em nós, a ponto de não percebermos que temos opinião formada e tendência comportamental em relação a pessoas que já sofrem por ser diferentes. Isso é cruel.
Ao mesmo tempo, é inevitável sentir-se bem por não ser deficiente. Mas ainda assim, questionar por que somos tão insatisfeitos com o que somos, às vezes inquiridores demais da Providência Divina com os rumos de nossa vida. Ou com a qualidade de nossos contornos em um mundo consumista e descartável, publicista da vaidade como virtude inquestionável, formando adoradores do corpo perfeito nunca atingível, criadores de culpas e terrores emocionais. Assim vivemos.
Na última quinta-feira pude conferir outra ótima mostra de cinema no CCBB. Era o festival alemão "Assim Vivemos", uma série de documentários, animações e até filmes de ficção sobre o mundo dos portadores de deficiência. Para minha alegria, só documentários foram exibidos nesse dia. Quem assistiu às três produções da tarde saiu de lá enriquecido humanamente.
Criaturas que nascem em segredo é um filme brasileiro sobre nanismo, com vários depoimentos. Um casal de anões no qual a esposa nunca quis namorar um deles, até conhecer o marido - com o qual vive até hoje e teve duas filhas sem a disfunção. Suas falas são hilárias, como a do pai agradecendo a Deus pelas meninas nunca pedirem colo; ou ambos explicando que as filhas, ao crescerem, usavam os móveis e apetrechos dos pais para brincar de casinha. Outros anões contam sua experiência de vida, relatando problemas e preconceitos a serem vencidos até hoje, como: rejeição ou vergonha dos pais (a ponto de, quando crianças, não poderem sair de casa); gozações diárias, a dificuldade em serem aceitos pelo sexo oposto ou no mercado de trabalho. O filme ainda informa que, antigamente, não restava aos anões opções senão o circo ou uma assumida condição de exclusão pública, social, emocional, familiar. Apenas porque nasceram menores que a média.
Minha solidão, sua solidão mostra um dia na vida de um polonês que provavelmente tem paralisia cerebral (isso não é explicado, mas o cara parece o personagem do filme "Meu Pé Esquerdo", com Daniel Day-Lewis). Sempre na cadeira de rodas, membros atrofiados e dificuldade para falar, ele se desloca para o trabalho e demais atividades externas com determinação. Só aceita ajuda em situações que não lhe deixam opção, como ser colocado na cadeira ou vestir-se. No mais, o cara é um jornalista que entrevista as pessoas sabe como? Leva o gravador no colo e uma lista de perguntas para a pessoa. Depois, ouve pausadamente as partes da entrevista e as digita... com o nariz! (Estou digitando essa frase com o meu só pra sentir como é.) E são artigos imensos, a ponto dos editores pedirem para que ele seja mais breve. Ainda são mostradas, quase sem cortes, cenas de suas conversas com uma amiga, sua alimentação e a hora de ir dormir. Um ritmo lento que faz com que nós, espectadores, nos cansemos. Até lembrarmos que o cara enfrenta isso 24 horas por dia...
Minha mãe é uma rainha, graças a Deus, é um documentário. Se fosse ficção, dúvidas iriam pairar sobre sua veracidade, ainda que cravassem o bordão "baseado em fatos reais". Talvez até forjasse maldosas opiniões sobre os escrúpulos do roteirista. É a história de um casal onde a mulher é deficiente física. No que pude perceber, não possui movimentos da cintura pra baixo e tem as mãos atrofiadas. Pois um homem sem nenhum tipo de deficiência se apaixonou por ela, no que foi correspondido. Os dois "abrem o jogo", falando até dos assuntos mais íntimos do casal, como sexo e perguntas sobre a origem dos sentimentos de um pelo outro. Eles têm uma filha, e a mãe deficiente faz desenhos artísticos a lápis... com a boca, que são vendidos para ajudar na renda familiar.
Creio que um dos objetivos de tais filmes é demonstrar que qualquer deficiente, por mais difícil que seja seu problema, pode levar uma vida "normal" (usar essa definição até perde o sentido). É claro que todos eles (à exceção dos anões) possuíam apoio de entidades e condições financeiras para seus equipamentos e estilos de vida. Ainda assim, é deslumbrante acompanhar seus relatos, perceber que eles se aceitam como são. E uma questão à qual estou sendo levado mais uma vez: como preconceitos podem ser tão subjetivos em nós, a ponto de não percebermos que temos opinião formada e tendência comportamental em relação a pessoas que já sofrem por ser diferentes. Isso é cruel.
Ao mesmo tempo, é inevitável sentir-se bem por não ser deficiente. Mas ainda assim, questionar por que somos tão insatisfeitos com o que somos, às vezes inquiridores demais da Providência Divina com os rumos de nossa vida. Ou com a qualidade de nossos contornos em um mundo consumista e descartável, publicista da vaidade como virtude inquestionável, formando adoradores do corpo perfeito nunca atingível, criadores de culpas e terrores emocionais. Assim vivemos.
terça-feira, 12 de agosto de 2003
Não sabe brincar... não brinca?
Mais um acontecimento ridículo a ganhar primeira página, manchete garrafal e ampla cobertura de nossa mídia: Estudante joga galinha preta em Marta Suplicy. Ela discursava no Centro Acadêmico XI de agosto, na faculdade de direito da USP - um santuário das manifestações democráticas estudantis desde o Estado Novo. Em meio ao discurso, a fêmea galinácea foi aos pés da mãe do Supla.
A prefeita permitiu que o "atirador" fizesse seu protesto ali do palanque, como que dizendo que democracia era o que ela fazia, não ele. Uma moça (provavelmente sua assessora) arrancou o microfone do rapaz depois de algumas palavras e virou-se com ar sério para Marta, como se dissesse: "Assim já e demais, né, chefe?". Os detalhes da cena eu não li, assisti no Jornal da Band.
Mais um acontecimento ridículo que traz sérias observações sobre nossa democracia e senso de cidadania.
Tanto da parte do jovem como da experiente política Marta Suplicy foi demonstrado que nós, brasileiros (e os políticos que elegemos), ainda não sabemos lidar com preciosidades como democracia e liberdade de expressão. E por não sabermos lidar, não temos paciência pra aprender. Acabamos achando que o erro está nas preciosidades, não nos seus manuseadores pseudo-garimpeiros.
Não sei qual era a real intenção do rapaz, mas quem iria levar a sério aquele protesto? Quando que atirar uma galinha contra a prefeita pode ser encarado como "oposição construtiva"? O que ele quis dizer, afinal? O próprio fez questão de nos esclarecer: "A Marta é um caso que se resolve só com despacho". Puxa, que resposta original! Que sacada genial! Além disso, que mais? Mais nada. Só um "faz-me rir" pro pão e circo cotidiano-midiático.
E Marta Suplicy? Que necessidade havia de dar voz, audiência e visibilidade a um protesto digno do Programa do Ratinho? E ainda ficar ali do lado, agüentando (e fazendo os demais presentes agüentarem junto) as "propostas" do atirador de aves? A ponto de uma assessora ter que cortar o clima constrangedor e, pelo que a TV mostrou, passar um pito na prefeita.
A liberdade de expressão é uma faca de dois gumes que requer técnica apurada para utilizá-la, se quisermos utilizá-la de maneira a contribuir para a democracia. O jovem desperdiçou a oportunidade do protesto, tacou a galinha e ficou surpreso ao ser recompensado por isso. Marta desperdiçou a oportunidade de valorizar protestos legítimos e feitos por gente que leva esse direito a sério - que não era o caso do jovem.
E a mídia dá destaque, a gente acha ridículo (com razão, embora mais ridículo seja o destaque da mídia) e acha que política é isso aí: um bando de malucos tentando sempre garantir o seu, com o bom senso mandando lembrança. Eu vou lá me importar com isso? Eu vou lá me importar com voto, eleição, fiscalização dos eleitos? Pra ver prefeita x galinha? E tem mais: pra mim, liberdade de expressão, só pra ver mulher pelada na telinha!
E aí não nos preocupamos com a qualidade da cobertura dos jornais, com a responsabilidade dos políticos, com as sutis manipulações da opinião pública. Ou pior: chegamos a nos preocupar, mas não estamos nem aí pra mudar a situação, pra perceber no que somos responsáveis (a começar pelo voto). Deixa rolar, não é comigo mesmo. Ô individualismo anestésico e suicida...
Se não tivermos disposição em nos aperfeiçoarmos no exercício democrático e no devido uso da liberdade de expressão - sendo críticos na avaliação dos meios de comunicação e da classe política - vale o ditado: não sabe brincar, não brinca. Mas e se brincarem pela gente?
Mais um acontecimento ridículo a ganhar primeira página, manchete garrafal e ampla cobertura de nossa mídia: Estudante joga galinha preta em Marta Suplicy. Ela discursava no Centro Acadêmico XI de agosto, na faculdade de direito da USP - um santuário das manifestações democráticas estudantis desde o Estado Novo. Em meio ao discurso, a fêmea galinácea foi aos pés da mãe do Supla.
A prefeita permitiu que o "atirador" fizesse seu protesto ali do palanque, como que dizendo que democracia era o que ela fazia, não ele. Uma moça (provavelmente sua assessora) arrancou o microfone do rapaz depois de algumas palavras e virou-se com ar sério para Marta, como se dissesse: "Assim já e demais, né, chefe?". Os detalhes da cena eu não li, assisti no Jornal da Band.
Mais um acontecimento ridículo que traz sérias observações sobre nossa democracia e senso de cidadania.
Tanto da parte do jovem como da experiente política Marta Suplicy foi demonstrado que nós, brasileiros (e os políticos que elegemos), ainda não sabemos lidar com preciosidades como democracia e liberdade de expressão. E por não sabermos lidar, não temos paciência pra aprender. Acabamos achando que o erro está nas preciosidades, não nos seus manuseadores pseudo-garimpeiros.
Não sei qual era a real intenção do rapaz, mas quem iria levar a sério aquele protesto? Quando que atirar uma galinha contra a prefeita pode ser encarado como "oposição construtiva"? O que ele quis dizer, afinal? O próprio fez questão de nos esclarecer: "A Marta é um caso que se resolve só com despacho". Puxa, que resposta original! Que sacada genial! Além disso, que mais? Mais nada. Só um "faz-me rir" pro pão e circo cotidiano-midiático.
E Marta Suplicy? Que necessidade havia de dar voz, audiência e visibilidade a um protesto digno do Programa do Ratinho? E ainda ficar ali do lado, agüentando (e fazendo os demais presentes agüentarem junto) as "propostas" do atirador de aves? A ponto de uma assessora ter que cortar o clima constrangedor e, pelo que a TV mostrou, passar um pito na prefeita.
A liberdade de expressão é uma faca de dois gumes que requer técnica apurada para utilizá-la, se quisermos utilizá-la de maneira a contribuir para a democracia. O jovem desperdiçou a oportunidade do protesto, tacou a galinha e ficou surpreso ao ser recompensado por isso. Marta desperdiçou a oportunidade de valorizar protestos legítimos e feitos por gente que leva esse direito a sério - que não era o caso do jovem.
E a mídia dá destaque, a gente acha ridículo (com razão, embora mais ridículo seja o destaque da mídia) e acha que política é isso aí: um bando de malucos tentando sempre garantir o seu, com o bom senso mandando lembrança. Eu vou lá me importar com isso? Eu vou lá me importar com voto, eleição, fiscalização dos eleitos? Pra ver prefeita x galinha? E tem mais: pra mim, liberdade de expressão, só pra ver mulher pelada na telinha!
E aí não nos preocupamos com a qualidade da cobertura dos jornais, com a responsabilidade dos políticos, com as sutis manipulações da opinião pública. Ou pior: chegamos a nos preocupar, mas não estamos nem aí pra mudar a situação, pra perceber no que somos responsáveis (a começar pelo voto). Deixa rolar, não é comigo mesmo. Ô individualismo anestésico e suicida...
Se não tivermos disposição em nos aperfeiçoarmos no exercício democrático e no devido uso da liberdade de expressão - sendo críticos na avaliação dos meios de comunicação e da classe política - vale o ditado: não sabe brincar, não brinca. Mas e se brincarem pela gente?
domingo, 10 de agosto de 2003
A morte absolve
Vão me chamar de insensível ou de politicamente incorreto por abordar este assunto logo após a morte de Roberto Marinho. Mas como este blog será um dos poucos (senão o único) veículos de comunicação a falar disso, vou em frente. Impressiona a capacidade da morte em absolver as pessoas, ou ao menos atenuar seu histórico.
O patriarca das Organizações Globo é tratado como jornalista, não empresário; como alguém que apostou no Brasil, que amou o país; alguém que sempre valorizou a cultura; que achava que o jornal deveria tomar posições políticas; etc e tal. E isso não apenas nas palavras de seu conglomerado, mas de concorrentes históricos e até mesmo de desafetos correntes (Brizola chamando Marinho de "adversário cortês" é um insulto a minha inteligência).
As homenagens a Roberto Marinho são capitalizadas ao extremo pela Globo (talvez saia do ameaçador abismo do "vermelho" em suas contas por um tempo). E, com a competência de sempre, inculcam nas mentes de milhões de brasileiros a magnânima figura do patriarca. Parece um herói que conta apenas com virtudes, que colaborou apenas para o bom serviço do país.
Será apagada da nossa memória a conivência da Globo com a ditadura; a teimosia em não cobrir o movimento "Diretas Já", até o povo gritar nas imagens de outros canais "O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo". Também esqueceremos da edição do debate final entre Collor e Lula, decisivo para as urnas (mais a edição que o debate) para isso, aceitaremos a desculpa de Dr. Roberto, dizendo que "se equivocou" ao apoiar Jânio e Collor. Pequenos equívocos daquele que pouco poder possuía, do tipo que recebia candidatos a presidência em época de eleições para "conversas amenas".
Esqueceremos do monopólio da Rede Globo (99% do território nacional em transmissão), suprimindo as produções regionais e praticando "canibalismo" com os demais canais, tirando seus expoentes para "domesticá-los" no Jardim Botânico. Esqueceremos da censura ao documentário Muito Além do Cidadão Kane, da BBC de Londres, que tratava dos escândalos escondidos da Globo, bem como seus prejuízos para a sociedade. Um vídeo que contribuiria para o esclarecimento dos cidadãos, um princípio sempre apregoado pela ilibada carreira do Dr. Roberto.
O que vai ficar é o lema da Fundação Roberto Marinho: Educação é tudo. A mesma fonte que professa tal lema é a que nos traz loiras alienantes de crianças; que produz o raso e sempre tendencioso jornalismo na hora do jantar; que pela teledramaturgia explorou a situação difícil em que artistas perseguidos pela ditadura se encontravam na década de 70 (sem emprego) para dali sedimentar sua ideologia, sutilmente manipuladora de consciências. (Boni diz que a TV não tem a capacidade de mudar comportamentos. Outro insulto a minha inteligência)
A história, em nossa "Idade Mídia", como diz Ramonet, será contada com a cômoda comoção que a morte proporciona para tal objetivo. É preciso respeito ao luto, à família, ao protocolo, à memória. Agora não é hora para questionamentos sobre o legado. Nunca vai ser a hora para pensar se Dr. Roberto apostou tanto ou amou tanto o país como se diz. Se não amou mais seu poder consolidado em influenciar os destinos desse país em questão.
O luto oficial é de três dias. O luto de se enxergar os meios de comunicação como espaços democráticos e transparentes, esse, paradoxalmente, está mais vivo do que nunca. Parabéns, Dr. Roberto.
Vão me chamar de insensível ou de politicamente incorreto por abordar este assunto logo após a morte de Roberto Marinho. Mas como este blog será um dos poucos (senão o único) veículos de comunicação a falar disso, vou em frente. Impressiona a capacidade da morte em absolver as pessoas, ou ao menos atenuar seu histórico.
O patriarca das Organizações Globo é tratado como jornalista, não empresário; como alguém que apostou no Brasil, que amou o país; alguém que sempre valorizou a cultura; que achava que o jornal deveria tomar posições políticas; etc e tal. E isso não apenas nas palavras de seu conglomerado, mas de concorrentes históricos e até mesmo de desafetos correntes (Brizola chamando Marinho de "adversário cortês" é um insulto a minha inteligência).
As homenagens a Roberto Marinho são capitalizadas ao extremo pela Globo (talvez saia do ameaçador abismo do "vermelho" em suas contas por um tempo). E, com a competência de sempre, inculcam nas mentes de milhões de brasileiros a magnânima figura do patriarca. Parece um herói que conta apenas com virtudes, que colaborou apenas para o bom serviço do país.
Será apagada da nossa memória a conivência da Globo com a ditadura; a teimosia em não cobrir o movimento "Diretas Já", até o povo gritar nas imagens de outros canais "O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo". Também esqueceremos da edição do debate final entre Collor e Lula, decisivo para as urnas (mais a edição que o debate) para isso, aceitaremos a desculpa de Dr. Roberto, dizendo que "se equivocou" ao apoiar Jânio e Collor. Pequenos equívocos daquele que pouco poder possuía, do tipo que recebia candidatos a presidência em época de eleições para "conversas amenas".
Esqueceremos do monopólio da Rede Globo (99% do território nacional em transmissão), suprimindo as produções regionais e praticando "canibalismo" com os demais canais, tirando seus expoentes para "domesticá-los" no Jardim Botânico. Esqueceremos da censura ao documentário Muito Além do Cidadão Kane, da BBC de Londres, que tratava dos escândalos escondidos da Globo, bem como seus prejuízos para a sociedade. Um vídeo que contribuiria para o esclarecimento dos cidadãos, um princípio sempre apregoado pela ilibada carreira do Dr. Roberto.
O que vai ficar é o lema da Fundação Roberto Marinho: Educação é tudo. A mesma fonte que professa tal lema é a que nos traz loiras alienantes de crianças; que produz o raso e sempre tendencioso jornalismo na hora do jantar; que pela teledramaturgia explorou a situação difícil em que artistas perseguidos pela ditadura se encontravam na década de 70 (sem emprego) para dali sedimentar sua ideologia, sutilmente manipuladora de consciências. (Boni diz que a TV não tem a capacidade de mudar comportamentos. Outro insulto a minha inteligência)
A história, em nossa "Idade Mídia", como diz Ramonet, será contada com a cômoda comoção que a morte proporciona para tal objetivo. É preciso respeito ao luto, à família, ao protocolo, à memória. Agora não é hora para questionamentos sobre o legado. Nunca vai ser a hora para pensar se Dr. Roberto apostou tanto ou amou tanto o país como se diz. Se não amou mais seu poder consolidado em influenciar os destinos desse país em questão.
O luto oficial é de três dias. O luto de se enxergar os meios de comunicação como espaços democráticos e transparentes, esse, paradoxalmente, está mais vivo do que nunca. Parabéns, Dr. Roberto.
quinta-feira, 7 de agosto de 2003
Um justo reconhecimento
É hora de falar de alguns links que coloquei aí do lado... A começar pelos mais importantes: MEUS AMIGOS BLOGUEIROS. Se você nunca se aventurou pelo mundo deles, talvez mude de idéia depois das opiniões abaixo:
INFINITAMENTE MAIOR QUE EU é o blog da minha queridíssima amiga Isabelle, futura formanda de jornalismo e cinema na UFF. A PoetIsa é escritora por vocação e sempre publica ali seus poemas e/ou crônicas. Mas o que gosto mesmo é a capacidade da autora em descrever seu dia e demais situações vividas em textos que não se enquadram em nenhum estilo literário - saindo-se originais - e cheios de sensibilidade, metáforas sobre a vida e o sinuoso caminho do escritor. Em breve, Isa vai publicar trechos de seu romance no blog. É isso mesmo: ela já escreveu um romance! Além de tudo, é precoce.
LANCHES é um blog que já agrada pelo diferente nome e pelo visual: uma clássica toalha de mesa quadriculada (como nas cantinas italianas, ou: a que parece a camisa da seleção da Croácia), um cardápio com demais opções blogueiras logo ao lado e criatividade nos posts e demais gráficos. Feito por Ivan Franklin e Adriano, que é meu colega de UFF e filho do Robertinho do Recife! O cara tem cultura no sangue. Pode estar certo que assuntos do dia ou da semana serão "cozinhados" por eles. E você pode "cozinhar" também!
ACROSS MY UNIVERSE é feito por uma boa parcela da inteligência brasileira: Louise Araújo. Eclética e polivalente, ela aborda com ótimas sacadas todo tipo de assunto, sempre linkando seus posts para que a fonte das discussões seja consultada. (Exemplo: se vai falar a partir de uma matéria ou notícia, no próprio post podemos ler a tal matéria ou notícia) Acho ótimo, é formadora de opinião que ajuda a formar formadores de opinião. Mérito da beatlemaníaca!
(IN)TENSO é o blog de um marcante amigo, Henrique Blecher. Outro escritor por vocação, que só agora descobriu que o blog é um "jardim" ideal para desabafar, publicar e compartilhar seu talento literário e suas idéias e ideais. Sente-se à vontade na poesia, deixando os leitores com a mesma sensação. E ainda comenta o que vem lendo e assistindo, o cinéfilo. Externamente e internamente, só alta qualidade produzida diariamente. Imperdível!
Que qui tu tá esperando?????
É hora de falar de alguns links que coloquei aí do lado... A começar pelos mais importantes: MEUS AMIGOS BLOGUEIROS. Se você nunca se aventurou pelo mundo deles, talvez mude de idéia depois das opiniões abaixo:
INFINITAMENTE MAIOR QUE EU é o blog da minha queridíssima amiga Isabelle, futura formanda de jornalismo e cinema na UFF. A PoetIsa é escritora por vocação e sempre publica ali seus poemas e/ou crônicas. Mas o que gosto mesmo é a capacidade da autora em descrever seu dia e demais situações vividas em textos que não se enquadram em nenhum estilo literário - saindo-se originais - e cheios de sensibilidade, metáforas sobre a vida e o sinuoso caminho do escritor. Em breve, Isa vai publicar trechos de seu romance no blog. É isso mesmo: ela já escreveu um romance! Além de tudo, é precoce.
LANCHES é um blog que já agrada pelo diferente nome e pelo visual: uma clássica toalha de mesa quadriculada (como nas cantinas italianas, ou: a que parece a camisa da seleção da Croácia), um cardápio com demais opções blogueiras logo ao lado e criatividade nos posts e demais gráficos. Feito por Ivan Franklin e Adriano, que é meu colega de UFF e filho do Robertinho do Recife! O cara tem cultura no sangue. Pode estar certo que assuntos do dia ou da semana serão "cozinhados" por eles. E você pode "cozinhar" também!
ACROSS MY UNIVERSE é feito por uma boa parcela da inteligência brasileira: Louise Araújo. Eclética e polivalente, ela aborda com ótimas sacadas todo tipo de assunto, sempre linkando seus posts para que a fonte das discussões seja consultada. (Exemplo: se vai falar a partir de uma matéria ou notícia, no próprio post podemos ler a tal matéria ou notícia) Acho ótimo, é formadora de opinião que ajuda a formar formadores de opinião. Mérito da beatlemaníaca!
(IN)TENSO é o blog de um marcante amigo, Henrique Blecher. Outro escritor por vocação, que só agora descobriu que o blog é um "jardim" ideal para desabafar, publicar e compartilhar seu talento literário e suas idéias e ideais. Sente-se à vontade na poesia, deixando os leitores com a mesma sensação. E ainda comenta o que vem lendo e assistindo, o cinéfilo. Externamente e internamente, só alta qualidade produzida diariamente. Imperdível!
Que qui tu tá esperando?????
domingo, 3 de agosto de 2003
A esperança morre se não tiver boca-a-boca da iniciativa
Chegou. Olhou. Criou expectativa. Com ela, a esperança. O processo de mudança interna pelo qual passava parecia dar seus primeiros frutos. Tomar a iniciativa parecia ser uma tarefa mais fácil, mesmo que fosse apenas por um olhar. Para sua surpresa, um olhar que encontrou reciprocidade, amabilidade. Uma boa noite à vista.
O lugar enchendo de gente e a direção do olhar garantida entre ele e ela. Os amigos à volta de cada um, mesas diferentes. Os risos, as piadas, os parabéns, a boa noite enriquecendo sua promessa. Outro olhar, dessa vez mais longo. Contudo, ele sem saber direito o que fazer, por um motivo terrível: medo.
Medo de que alguém perceba o flerte à distância e atrapalhe seus discretos planos. Primeiro esse contato visual, depois puxar assunto. Mas o medo da audiência o petrificava. Após um terceiro olhar, não sabia mais o que fazer. Até sabia, poderia chegar mais perto, mas tinha medo. Medo de o "zoarem", medo da opinião dos outros.
Sentia-se ridículo por perceber que se importava tanto com o que os outros poderiam dizer ou fazer a respeito. Parecia não ter personalidade para ignorar os que nada tinham a ver com isso e ir direto à resposta de seus anseios naquela noite. Tal inércia o fazia sentir-se ainda pior.
O tempo foi passando e as expectativas se resumiram a um contato posterior, mascarado talvez pela capa da internet - o que com certeza lhe daria mais segurança nas palavras, no agir. E o melhor: sem audiência.
As mesas esvaziaram-se, chegou mais perto, sentou em frente. Ela virada de costas, falando com alguém. Inexplicavelmente, todo o seu jeito extrovertido, seu amplo vocabulário e sua habilidade com as palavras o boicotavam. Completamente mudo, sabendo que precisava (e podia) dizer alguma coisa. Qualquer coisa! Fale! Fale!
Nada. Medo.
Sentiu vergonha de ter medo.
(A internet. Ali é mais fácil. O pouco contato pessoal aprofundado pela rede. É isso. Só isso. Tem que ser isso.)
Outro chegou e sentou junto. Ela imediatamente virou-se. O outro era tudo o que ele tinha que ser até então. Mas agora era tarde. Foi-se a chance, dissiparam-se os olhares. A boa noite havia acabado sem ter nascido. Aborto espontâneo.
De sobra, o martírio de presenciar a chance perdida, as expectativas agonizando sofregamente, a esperança morrendo. A internet não conseguiria dar conta de tantos reveses.
Sentiu-se derrotado. Fracassado. Perdeu feio pro medo, perdeu feio pra si mesmo. A iniciativa não aparecera conforme tudo levava a crer. Perdeu, momentaneamente, a capacidade de crer.
Ao final, um "tchau" simples, seco, sóbrio. Nada a ver com os primeiros olhares.
É difícil levantar a cabeça após o quase.
Chegou. Olhou. Criou expectativa. Com ela, a esperança. O processo de mudança interna pelo qual passava parecia dar seus primeiros frutos. Tomar a iniciativa parecia ser uma tarefa mais fácil, mesmo que fosse apenas por um olhar. Para sua surpresa, um olhar que encontrou reciprocidade, amabilidade. Uma boa noite à vista.
O lugar enchendo de gente e a direção do olhar garantida entre ele e ela. Os amigos à volta de cada um, mesas diferentes. Os risos, as piadas, os parabéns, a boa noite enriquecendo sua promessa. Outro olhar, dessa vez mais longo. Contudo, ele sem saber direito o que fazer, por um motivo terrível: medo.
Medo de que alguém perceba o flerte à distância e atrapalhe seus discretos planos. Primeiro esse contato visual, depois puxar assunto. Mas o medo da audiência o petrificava. Após um terceiro olhar, não sabia mais o que fazer. Até sabia, poderia chegar mais perto, mas tinha medo. Medo de o "zoarem", medo da opinião dos outros.
Sentia-se ridículo por perceber que se importava tanto com o que os outros poderiam dizer ou fazer a respeito. Parecia não ter personalidade para ignorar os que nada tinham a ver com isso e ir direto à resposta de seus anseios naquela noite. Tal inércia o fazia sentir-se ainda pior.
O tempo foi passando e as expectativas se resumiram a um contato posterior, mascarado talvez pela capa da internet - o que com certeza lhe daria mais segurança nas palavras, no agir. E o melhor: sem audiência.
As mesas esvaziaram-se, chegou mais perto, sentou em frente. Ela virada de costas, falando com alguém. Inexplicavelmente, todo o seu jeito extrovertido, seu amplo vocabulário e sua habilidade com as palavras o boicotavam. Completamente mudo, sabendo que precisava (e podia) dizer alguma coisa. Qualquer coisa! Fale! Fale!
Nada. Medo.
Sentiu vergonha de ter medo.
(A internet. Ali é mais fácil. O pouco contato pessoal aprofundado pela rede. É isso. Só isso. Tem que ser isso.)
Outro chegou e sentou junto. Ela imediatamente virou-se. O outro era tudo o que ele tinha que ser até então. Mas agora era tarde. Foi-se a chance, dissiparam-se os olhares. A boa noite havia acabado sem ter nascido. Aborto espontâneo.
De sobra, o martírio de presenciar a chance perdida, as expectativas agonizando sofregamente, a esperança morrendo. A internet não conseguiria dar conta de tantos reveses.
Sentiu-se derrotado. Fracassado. Perdeu feio pro medo, perdeu feio pra si mesmo. A iniciativa não aparecera conforme tudo levava a crer. Perdeu, momentaneamente, a capacidade de crer.
Ao final, um "tchau" simples, seco, sóbrio. Nada a ver com os primeiros olhares.
É difícil levantar a cabeça após o quase.
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