Não sabe brincar... não brinca?
Mais um acontecimento ridículo a ganhar primeira página, manchete garrafal e ampla cobertura de nossa mídia: Estudante joga galinha preta em Marta Suplicy. Ela discursava no Centro Acadêmico XI de agosto, na faculdade de direito da USP - um santuário das manifestações democráticas estudantis desde o Estado Novo. Em meio ao discurso, a fêmea galinácea foi aos pés da mãe do Supla.
A prefeita permitiu que o "atirador" fizesse seu protesto ali do palanque, como que dizendo que democracia era o que ela fazia, não ele. Uma moça (provavelmente sua assessora) arrancou o microfone do rapaz depois de algumas palavras e virou-se com ar sério para Marta, como se dissesse: "Assim já e demais, né, chefe?". Os detalhes da cena eu não li, assisti no Jornal da Band.
Mais um acontecimento ridículo que traz sérias observações sobre nossa democracia e senso de cidadania.
Tanto da parte do jovem como da experiente política Marta Suplicy foi demonstrado que nós, brasileiros (e os políticos que elegemos), ainda não sabemos lidar com preciosidades como democracia e liberdade de expressão. E por não sabermos lidar, não temos paciência pra aprender. Acabamos achando que o erro está nas preciosidades, não nos seus manuseadores pseudo-garimpeiros.
Não sei qual era a real intenção do rapaz, mas quem iria levar a sério aquele protesto? Quando que atirar uma galinha contra a prefeita pode ser encarado como "oposição construtiva"? O que ele quis dizer, afinal? O próprio fez questão de nos esclarecer: "A Marta é um caso que se resolve só com despacho". Puxa, que resposta original! Que sacada genial! Além disso, que mais? Mais nada. Só um "faz-me rir" pro pão e circo cotidiano-midiático.
E Marta Suplicy? Que necessidade havia de dar voz, audiência e visibilidade a um protesto digno do Programa do Ratinho? E ainda ficar ali do lado, agüentando (e fazendo os demais presentes agüentarem junto) as "propostas" do atirador de aves? A ponto de uma assessora ter que cortar o clima constrangedor e, pelo que a TV mostrou, passar um pito na prefeita.
A liberdade de expressão é uma faca de dois gumes que requer técnica apurada para utilizá-la, se quisermos utilizá-la de maneira a contribuir para a democracia. O jovem desperdiçou a oportunidade do protesto, tacou a galinha e ficou surpreso ao ser recompensado por isso. Marta desperdiçou a oportunidade de valorizar protestos legítimos e feitos por gente que leva esse direito a sério - que não era o caso do jovem.
E a mídia dá destaque, a gente acha ridículo (com razão, embora mais ridículo seja o destaque da mídia) e acha que política é isso aí: um bando de malucos tentando sempre garantir o seu, com o bom senso mandando lembrança. Eu vou lá me importar com isso? Eu vou lá me importar com voto, eleição, fiscalização dos eleitos? Pra ver prefeita x galinha? E tem mais: pra mim, liberdade de expressão, só pra ver mulher pelada na telinha!
E aí não nos preocupamos com a qualidade da cobertura dos jornais, com a responsabilidade dos políticos, com as sutis manipulações da opinião pública. Ou pior: chegamos a nos preocupar, mas não estamos nem aí pra mudar a situação, pra perceber no que somos responsáveis (a começar pelo voto). Deixa rolar, não é comigo mesmo. Ô individualismo anestésico e suicida...
Se não tivermos disposição em nos aperfeiçoarmos no exercício democrático e no devido uso da liberdade de expressão - sendo críticos na avaliação dos meios de comunicação e da classe política - vale o ditado: não sabe brincar, não brinca. Mas e se brincarem pela gente?
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