sexta-feira, 22 de agosto de 2003

Preguiça de pensar: o suicídio da democracia

Acompanho a trajetória política do deputado Chico Alencar desde sua gestão à frente da Secretaria Municipal de Educação, no Rio. De lá pra cá, todos os seus mandatos - como vereador, deputado estadual, e agora federal - caracterizaram-se por algo raro na política brasileira: a constante prestação de contas. Malas diretas, informativos, reuniões semanais, encontros em praça pública... Chico Alencar sempre esteve perto de quem o elegeu, sendo inquirido e cobrado, explicando passo a passo seus atos políticos em nome do povo. Sempre, e não apenas em vésperas de eleição.

Há uma semana, Chico foi hostilizado por "manifestantes dos trabalhadores" no Largo de São José, onde presta contas de seu mandato federal. Não teve sequer a chance de discursar, embora tenha feito questão de que os que protestavam falassem. Eles xingaram, gritaram chavões de ordem dignos do século XV. Conversar, discutir idéias? Nada disso. Foram premeditados e decididos à bagunça anti-cidadã. Exerceram a sua "ditadura pessoal" em cima de quem era o menos indicado para ser alvo disso.

(Aliás, parece que a ditadura deixou saudades mesmo. Adoramos um autoritarismo, é venerável puxar saco de algum chefe, buscar "salvadores da pátria" pra nação e assim ter um "homem-forte" pra responder por nós e a quem culpar, pro individual desencargo de consciência. Já dizia Bussunda em 94: "Nesta eleição, os brasileiros vão eleger aquele de quem vão falar mal nos próximos 4 anos!". A ladoreira de Brasília virou folclore, rimos do que nos violenta, num estranho sadomasoquismo autista.)

Chico Alencar está longe disso. Sempre se esforçou, na sua vocação de professor, em ensinar aos eleitores brasileiros o exercício pleno da cidadania por vias democráticas, o voto consciente, a fiscalização dos eleitos. Exige coerência dos eleitores. Exige que lhe exijam coerência, no que faz com prazer e transparência.

Enquanto isso, os verdadeiros obstáculos da democracia riem, sabendo que eles não são incomodados. Afinal, gasta-se energia jogando pedra em vidraças erradas. E os estilhaços vão atingir cada analfabeto político, cada idiota que não se importa com o destino de seu voto ou com o que os eleitos estão fazendo com o dinheiro público, com os destinos do país. Atingirá cada imbecil que pensa que a política é um joguinho de equações reduzidas, e não o lidar com a miscigenada cultura brasileira.

Abaixo, o texto de Chico Alencar sobre o infeliz episódio:

INTOLERÂNCIA DEZ
Nossa prestação de contas semanal no Buraco do Lume - que será feita até o fim do Mandato - ganhou um tom diferente na última sexta feira (15/08). Dirigentes de sindicatos de servidores e militantes do PSTU fizeram lá um protesto contra as mudanças na Previdência. Até aí tudo bem: sempre fomos muito críticos em relação a essa "Reforma" e, por isso, estamos arcando com as conseqüências políticas e disciplinares da nossa posição. Chico e mais dez deputados petistas não deram seu voto ao projeto do nosso Governo - três NÃO, oito ABSTENÇÕES -, descumprindo decisão partidária (o que é sempre sofrido para nós, do PT).
O que causou espanto e alguma indignação foi a forma agressiva como os manifestantes agiram. Muitos não queriam ouvir, e sim gritar e xingar. Revelando desconhecimento do Regimento da Câmara, insistiam em dizer que o voto de Abstenção é o mesmo que Sim, fingindo ignorar que, em Emenda Constitucional, o que conta são 308 votos favoráveis (3/5 do total), sendo qualquer outra atitude contrária à proposta, como destacou o Presidente Genoíno, tentando nos enquadrar no SIM.
Imaginem se no Lume estivesse, por exemplo, o grande Luís Fernando Veríssimo, que em sua coluna do O GLOBO (17/08) disse que a Reforma da Previdência tem "erros e acertos". Provavelmente seria linchado! Quem não distingue os verdadeiros adversários parece querer fazer disputa política menor: faturar com as reais contradições do PT e desgastar a esquerda partidária, "para tomar suas bases". É inadmissível que pessoas da trajetória de um Milton Temer sejam ofendidas. "Botar no poste os traidores", que são todos os que não votaram exatamente do jeito que alguns determinaram, alardeado como o único correto, no velho estilo do dogmatismo medieval ou do stalinismo, só serve para quem é sectário. Enquanto isso o PFL aplaude, a direita sorri. Tomara que os sindicatos não entrem nessa rota estreita e infantil.

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