sábado, 23 de agosto de 2003

Mídia pubiana

PRIMEIRO PERDÃO: queridos leitores, peço que me desculpem se por vezes este blog possui acidez com freqüência - uma constante raiva expressa por meio do desabafo. Creio que posso parecer um "chato de plantão" se falar sempre no mesmo tom. Peço que compreendam que quase sempre o objetivo destes artigos é que sejam atuais e anti-alienantes. Isso exige que se fale do que está em notícia e que se tente "sacudir" a acomodação que sempre nos ronda. Logo, o contexto é que às vezes não ajuda... Além disso, quando o "sangue sobe" creio que a escrita sai mais fiel.

SEGUNDO PERDÃO: gostaria de falar de algo de mais alto nível, mas a mídia brasileira não me deixa em paz! Clique no GLOBO de hoje: A depilação 'brasileira' que foi parar na Oxford. Como a versão on line não traz a mesma disposição gráfica da impressa, descrevo: mais de 2/4 da página falavam dessa matéria, com uma foto de Gwyneth Paltrow ao centro (vestida, claro!), mais dois boxes (um maior, outro menor) com depoimentos.

Quase como rodapé da página, uma coluninha em que D. Mauro Morelli (recuperando-se de um grave acidente) alerta para a responsabilidade de cada um sobre a fome. Ao lado, em uma coluna menor, a informação sobre o reforço de 5 bi no orçamento da saúde. Mais adiante, em coluna do mesmo tamanho, cinco vereadores de Porto Ferreira (SP), acusados de corrupção, licenciaram-se a fim de não haver quórum para serem cassados.

Como eu posso ficar quieto no meu canto ao me deparar com um crime desses? A mídia, essa empresa privada que presta serviço público (e nos trata como consumidores), investiga mais sobre os pêlos pubianos femininos do que sobre a miséria social e política do Brasil!

Fala-se na "matéria púbica" que o dicionário Oxford classificou um certo tipo de depilação como tipicamente brasileira ("Brazilian wax"). E as partes são ouvidas: uma editora da BBC Brasil, um mestre em lingüística da UFRJ, uma passista, as depiladoras brasileiras de NY, uma escritora norte-americana. Com detalhes físicos e culturais, vão destrinchando (ôpa!) o assunto e informando leitores e leitoras.

Agora, por que um enorme destaque a essa notícia no primeiro caderno, na seção nacional "País"? E por que os demais temas (fome, saúde, corrupção) ficaram subordinados aos diálogos da vagina? E isso no órgão (ôpa!) de informação do Dr. Roberto, o graaaaaaaande jornalista recém-empacotado.

Mais um retrato de a quantas anda a nossa mídia. O pior é que os jornalistas acabam entrando nessas furadas por não terem escolha. São mão-de-obra apenas. Quem decide a ênfase, a tônica, a maneira de abordar, diagramar e publicar são os editores, e daí pra cima.

É essa mídia que tem a oportunidade de mostrar ao brasileiro a realidade social da fome, e ressaltar a luta de um de seus principais combatentes - D. Mauro Morelli, cujo grave acidente não foi capaz de amainar sua mobilização. Mas em uma coluninha?

É essa mídia que tem a oportunidade de esclarecer ao brasileiro se a prioridade a um direito básico - a Saúde - está sendo cumprida pelo Governo. Mas em uma coluninha?

É essa mídia que tem a oportunidade de despertar o brasileiro do "coma político" em que ele adentra depois das eleições, para não dar descanso à classe política no cumprir de seu serviço público. Mas em uma coluninha?

Porém as cercanias do ponto G merecem quase página inteira. E não é na Playboy, e sim num dos maiores jornais do Brasil!

Nunca foi tão ruim ser estudante de jornalismo.

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