domingo, 31 de agosto de 2003

Banalizaram o beijo na boca

E o Caetano é um dos culpados. Quando o Tropicalismo já tinha passado do ponto no quesito escândalo, ele e Gil começaram com os hoje famosos "selinhos". Daí não pararam mais, e a especialidade que esse gesto representava esvai-se a cada dia. O interessante é notar que isso é o sintoma de algo mais profundo.

Britney Spears e Madonna são as protagonistas de agora do beijo na boca em público, buscando chocar - mas principalmente buscando manter-se em evidência e produzir factóides que o povo do Rio já conhece muito bem, escolados por Cesar Maia e Garotinho. Não que as ícones pop stars precisem de audiência para além do que fazem na música, mas elas colaboraram para a banalização do beijo na boca da qual estou falando.

Fora a polêmica (premeditada, é óbvio, sabendo que seria extenuamente coberta pela mídia), o que significa aquele beijo das duas? Há pouco Madonna havia esculachado Britney quando esta queria ser uma Madonna um dia. As duas não têm um relacionamento afetivo, não são militantes de nada... Pra que aquele beijo senão pra reafirmar a sociedade do espetáculo na qual estamos inseridos, onde qualquer babaquice produzida por famosos merece divulgação como se fosse utilidade pública?

E banalizam um gesto que - ao menos em nossa cultura ocidental - representa o enlace de amor, a ratificação de que o que existe ali é um namoro e não só amizade. Hoje vivemos assim: o que era especial e reservado para um momento certo é antecipado, banalizado, explorado e, se possível, descartado após o cansaço da ultra-exposição. O beijo na boca é uma das metáforas de nosso contexto. Os sentimentos só ganham valor se a eles forem agregados alguma utilidade ou vantagem a se adquirir.

E assim temos a "indústria romântica", que segue transformando as nobrezas do interior do nosso coração em linha de montagem estúpida. Filmes, literatura, modos de pensar, opiniões formadas... todo o senso comum envolto nessa nova situação.

Contra a banalização do único. Contra o usufruto indevido de gestos significativos demais para serem usados pelos arautos da superficialidade. Chegou a hora de chocar com a simplicidade.

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