ABL: Academia Brasileira de Lamentações
Em um futuro próximo alguém irá abordar em sua tese de doutorado a influência da revista CARAS no Brasil da virada de século. Sério! São tantas as áreas de nossa sociedade e suas representações que olhamos e logo vaticinamos: "Putz, isso é muito revista CARAS!". Hoje vou falar de uma dessas situações pitorescas, como a que vem acontecendo com a Academia Brasileira de Letras faz tempo.
É doloroso, para isso, ter que lembrar como surgiu a Academia. Ela foi idealizada por ninguém menos que o maior escritor brasileiro de todos os tempos, Machado de Assis. Observem suas palavras em 7 de dezembro de 1897:
"A Academia, trabalhando pelo conhecimento [...], buscará ser, com o tempo, a guarda da nossa língua. Caber-lhe-á então defendê-la daquilo que não venha das fontes legítimas, - o povo e os escritores, - não confundindo a moda, que perece, com o moderno, que vivifica. Guardar não é impor; nenhum de vós tem para si que a Academia decrete fórmulas. E depois, para guardar uma língua, é preciso que ela se guarde também a si mesma, e o melhor dos processos é ainda a composição e a conservação de obras clássicas."
E a tradição da ABL começou assim, com os escritores que hoje estudamos (ainda que apenas em época de Vestibular) tendo conquistado seu espaço atendendo ao objetivo firmado por Machado de Assis e seus contemporâneos. Diante disso, é impossível olhar a Academia atual e achar que ela continua na missão dada por seus fundadores. É só pensar um pouquinho sobre os recém-eleitos (e até mesmo alguns antigos) pra chegar a essa conclusão.
Marco Maciel: ex-vice-presidente por 2 vezes consecutivas, político experiente de Pernambuco, ocupa hoje a vaga que foi de Roberto Marinho. Que livros Maciel escreveu? Que dedicação ele teve para a guarda da nossa língua, defendendo-a do que não vem de fontes legítimas? Se assim aconteceu, o foi de forma bem discreta e sem alcance nacional. Então, por que ser um imortal da Academia BRASILEIRA de Letras?
O mesmo para Ivo Pitanguy. O que um cirurgião plástico, ainda que de renome internacional, faz na Academia Brasileira... de LETRAS? Em seu currículo no site da ABL, são citadas mais de 800 obras especializadas na área médica, traduzidas para vários países... E pela nossa língua? O que ele fez? Alguém aí sabe?
O caso de Paulo Coelho também destaca-se. É o escritor da moda, não há dúvida. São milhões de livros vendidos no mundo inteiro, o "Alquimista" já está virando filme de Hollywood, o outrora bruxo hoje é grande escritor competindo em cifras com o aprendiz Harry Potter. Ironicamente, muitos que abraçaram a leitura desde criança (que são em número bem menor que os aficcionados pela onda do momento) não gostam das letras de Paulo Coelho. E Machado dizia: a Academia deve defender a língua "não confundindo a moda, que perece, com o moderno, que vivifica". E lá está Paulo Coelho, imortalíssimo.
Ao contrário dos imortais acima, os demais não são tão conhecidos. Ao menos, nunca apareceram em qualquer revista CARAS. Por que será? Sem contar que as eleições para a ABL, de uns tempos pra cá, viraram show, coisa de palpiteiro e de gente se auto-candidatando sem a menor vergonha na cara. Jô Soares foi um deles, lembra? E olha que ele fez isso entrevistando a então presidente da ABL, Nélida Piñon! Isso é muito revista CARAS...
Infelizmente, não é apenas isso que me entristece ao ver a situação atual da ABL. Recentemente, no seminário "Jornalismo e Literatura", não foram poucos os lamentos sobre a situação educacional do Brasil. Que ainda há muitos analfabetos, que não há tantos leitores na mesma proporção da venda de livros, que os Governos estão deixando a desejar nessa prioridade. Só não dá pra pensar que a ABL nada tem a ver com isso. Em vez de aproveitarem o exemplo dado na ditadura pela Ordem dos Advogados do Brasil e pela Associação Brasileira de Imprensa - que eram a consciência crítica da sociedade, atuantes nacionalmente a respeito das questões de suas respectivas áreas - a Academia Brasleira de Letras prefere lamentar. Ou pior, prefere aparecer nos jornais e para o contexto social ao qual pertence como uma fogueira das vaidades cada vez mais pitoresca.
É uma escolha que os acadêmicos atuais estão fazendo. Ainda que não votem em nomes que nada tem a ver com o ideal de Machado, não têm se pronunciado como devido para impedir o pior: a descaracterização da Academia. Não se sabe mais que Letras querem defender, afinal.
quinta-feira, 25 de dezembro de 2003
sábado, 29 de novembro de 2003
Meu avô e Ary Barroso
Quem teve a oportunidade de estudar História da Comunicação teve conhecimento das sociedades pré-escrita, ou sociedades orais. É tão difícil para nós hoje pensarmos que existiu uma sociedade assim, não é? Sem leitura ou anotações em papéis, coisa tão vital pra gente. Fiquei mais "encucado" foi com a questão da memória histórica. Se não havia registro, como os mais novos saberiam de suas origens, de seus ancestrais? E se assim era, como hoje sabemos que as sociedades orais existiram?
Os anciãos das tribos eram os responsáveis pela manutenção dessa memória. Por haverem presenciado os eventos - ou, ainda jovens, ouvido de outros anciãos da época - repetiam diariamente, várias vezes, a trajetória de seu clã para os mais novos. E isso era tão forte que em pleno começo de século XX tais sociedades ainda existiam, bem como sua prática. Assim, os antropólogos de nosso tempo tiveram contato com os pré-escrita e, em tempos de escrita consolidada, nos transmitiram o conhecimento que hoje acessamos em História da Comunicação.
Tudo isso me veio à mente ao ouvir um programa em homenagem ao centenário de Ary Barroso, no dia 7 desse mês. (Não é muito difícil concluirmos que o rádio, hoje, é o meio de comunicação mais próximo da prática de memória das sociedades orais). E naquele programa o jornalista Luiz Mendes (um ancião repórter de rádio) narrou vários episódios da vida do amigo e colega de trabalho Ary Barroso.
Falou que Ary era flamenguista doente, e não escondia isso nas narrações dos jogos; que, por não possuir voz potente como os demais radialistas, na hora do gol tocava uma gaita em vez de gritar; que, mesmo sendo mineiro de Ubá, foi o maior propagandista da Bahia e do carnaval brasileiro no mundo - vide "Aquarela do Brasil". E outras histórias.
Acontece que tudo o que Luiz Mendes disse, eu em meus singelos 23 anos já sabia. Isso porque meu avô, desde minha adolescência, encarregou-se de me contar, repetindo diariamente e várias vezes, as histórias de Ary Barroso. Ele fazia isso com diversos assuntos, desde que lesse ou visse algo que o lembraria de determinado episódio que viveu ou testemunhou. Sim, meu avô era a sociedade oral encarnada. Ali, do meu lado, estava parte da História da Comunicação resumida em 82 anos.
Os motivos pelos quais ele tanto me contava e recontava as histórias são vários. É certo que, em determinada idade e dependendo do temperamento da pessoa, ela vai falar apenas de fatos passados, pois a expectativa de realizar coisas novas é remota. Se viveu eventos além do normal, mais ainda. E meu avô, marinheiro sobrevivente de um incêndio em um navio e ex-combatente da 2ª Guerra Mundial, dentre outras coisas, ficava à vontade para falar de seu tempo. Diante de um ouvido atento e amoroso como o meu, imaginem.
Deixei para escrever este artigo hoje, dia 29, por fazer um ano que meu avô nos deixou. Mas se sua presença física já não é possível, o adjetivo inesquecível cabe aqui. Não só pela afeição saudosa como pelas narrações pessoais que perpassam o tempo. Como os guardiães da memória nas sociedades orais. Ironicamente, eu, leitor voraz e tentando realizar minha vocação para a escrita, agradeço a Deus por ter "viajado no tempo" e conhecido melhor do que ninguém as origens da comunicação entrecruzando-se com minhas próprias origens.
Por meio de meu avô sinto saudade de um tempo que, mesmo não tendo vivido, vivi. Uma "saudade misturada", sentindo falta de um ente querido e de um passado distante. Subitamente, as letras não fazem mais sentido. E nem me importo.
Quem teve a oportunidade de estudar História da Comunicação teve conhecimento das sociedades pré-escrita, ou sociedades orais. É tão difícil para nós hoje pensarmos que existiu uma sociedade assim, não é? Sem leitura ou anotações em papéis, coisa tão vital pra gente. Fiquei mais "encucado" foi com a questão da memória histórica. Se não havia registro, como os mais novos saberiam de suas origens, de seus ancestrais? E se assim era, como hoje sabemos que as sociedades orais existiram?
Os anciãos das tribos eram os responsáveis pela manutenção dessa memória. Por haverem presenciado os eventos - ou, ainda jovens, ouvido de outros anciãos da época - repetiam diariamente, várias vezes, a trajetória de seu clã para os mais novos. E isso era tão forte que em pleno começo de século XX tais sociedades ainda existiam, bem como sua prática. Assim, os antropólogos de nosso tempo tiveram contato com os pré-escrita e, em tempos de escrita consolidada, nos transmitiram o conhecimento que hoje acessamos em História da Comunicação.
Tudo isso me veio à mente ao ouvir um programa em homenagem ao centenário de Ary Barroso, no dia 7 desse mês. (Não é muito difícil concluirmos que o rádio, hoje, é o meio de comunicação mais próximo da prática de memória das sociedades orais). E naquele programa o jornalista Luiz Mendes (um ancião repórter de rádio) narrou vários episódios da vida do amigo e colega de trabalho Ary Barroso.
Falou que Ary era flamenguista doente, e não escondia isso nas narrações dos jogos; que, por não possuir voz potente como os demais radialistas, na hora do gol tocava uma gaita em vez de gritar; que, mesmo sendo mineiro de Ubá, foi o maior propagandista da Bahia e do carnaval brasileiro no mundo - vide "Aquarela do Brasil". E outras histórias.
Acontece que tudo o que Luiz Mendes disse, eu em meus singelos 23 anos já sabia. Isso porque meu avô, desde minha adolescência, encarregou-se de me contar, repetindo diariamente e várias vezes, as histórias de Ary Barroso. Ele fazia isso com diversos assuntos, desde que lesse ou visse algo que o lembraria de determinado episódio que viveu ou testemunhou. Sim, meu avô era a sociedade oral encarnada. Ali, do meu lado, estava parte da História da Comunicação resumida em 82 anos.
Os motivos pelos quais ele tanto me contava e recontava as histórias são vários. É certo que, em determinada idade e dependendo do temperamento da pessoa, ela vai falar apenas de fatos passados, pois a expectativa de realizar coisas novas é remota. Se viveu eventos além do normal, mais ainda. E meu avô, marinheiro sobrevivente de um incêndio em um navio e ex-combatente da 2ª Guerra Mundial, dentre outras coisas, ficava à vontade para falar de seu tempo. Diante de um ouvido atento e amoroso como o meu, imaginem.
Deixei para escrever este artigo hoje, dia 29, por fazer um ano que meu avô nos deixou. Mas se sua presença física já não é possível, o adjetivo inesquecível cabe aqui. Não só pela afeição saudosa como pelas narrações pessoais que perpassam o tempo. Como os guardiães da memória nas sociedades orais. Ironicamente, eu, leitor voraz e tentando realizar minha vocação para a escrita, agradeço a Deus por ter "viajado no tempo" e conhecido melhor do que ninguém as origens da comunicação entrecruzando-se com minhas próprias origens.
Por meio de meu avô sinto saudade de um tempo que, mesmo não tendo vivido, vivi. Uma "saudade misturada", sentindo falta de um ente querido e de um passado distante. Subitamente, as letras não fazem mais sentido. E nem me importo.
quinta-feira, 27 de novembro de 2003
O tumulto é do cinismo
A grita foi geral, e dessa vez não apenas na mídia. Tudo começou (de novo) numa batalha campal entre Guarda Municipal (GM) e camelôs no abarrotado Centro do Rio de Janeiro. A construção do discurso emburrecedor tem como agentes a cobertura jornalística e seu público-alvo (ativamente, incentivando e produzindo as reportagens) e as autoridades responsáveis - de forma omissa, coniventes e fomentando a discussão de acordo com suas conveniências.
Ok, dessa vez os camelôs é que se prepararam pra briga, e a começaram ao atacar um carro da fiscalização da Prefeitura (aquele flamejante embaixo do termômetro a 130 graus). O resto foi a reação da GM com todo o seu aparato de guerra - e finalmente ela chegou, não era pra isso que servia? Os camelôs com seus morteiros, côcos e cadeiras; a Guarda com capacetes, escudos de choque, cacetetes e bombas de gás lacrimogêneo. Dá pra imaginar que fim levou, né?
Só que o RJTV da noite inaugurou o discurso que iria predominar na mídia. Anunciando a guerra ocorrida no Centro, mostra as imagens dos guardas sendo atingidos pelos côcos; as cadeiras espalhadas em meio à Av. Pres. Vargas ao meio-dia, "trazendo transtornos". A imagem de um guarda com a mão à boca e o âncora narrando que "um guarda ficou ferido". Ao fim da matéria, um pronunciamento oficial de César Maia dizendo que o Estado é que não enviou reforços da PM ao local; outro de Garotinho, rebatendo as críticas do prefeito, dizendo que a truculência não deveria ser usada, mas sim responsabilidade no tratar com os camelôs.
As perguntas vão surgindo: quem envia a Guarda Municipal para "combater" os camelôs em pleno Centro da cidade durante o dia, com milhares de transeuntes pra lá e pra cá? A Prefeitura. Quem não envia a Guarda Municipal às 6 da manhã para impedir que os camelôs montem suas barracas (já que é essa a questão legal)? A Prefeitura. Quem é um dos principais responsáveis pela porradaria no Centro do Rio, independentemente da situação ilegal dos camelôs? A Prefeitura. Fato. E ainda queria o reforço da PM!
Questiona-se esse lado da questão nos jornais? Não.
Os camelôs sempre foram "soldados de guerra" com estratégias, como ontem? Não. Como todo mundo sabe, violência chama violência. E sua escalada no confronto GM x ambulantes foi gradativa - sendo que bate mais forte (e primeiro) quem está mais preparado pra isso. Quem trabalha no Centro acompanhou essa gradação de perto, desde o início.
Questiona-se esse histórico da questão nos jornais? Não.
O governador do Estado adverte que deve ser usada de responsabilidade para tratar da questão dos camelôs, mas sem truculência. Irônico, vindo de quem vem. Até parece que a carreira político-administrativa de Garotinho foi construída assim, com serenidade e pensando nas conseqüências de seus atos e palavras no calor da hora. Se fosse prefeito, nada leva a crer que Garotinho agiria diferente.
E as primeiras páginas de hoje mostram os prejuízos do comércio e da Prefeitura, exibe fotos dos Guardas Municipais com as "armas" dos camelôs (talvez um côco seja mais destruidor que uma bomba de gás lacrimogêneo, quem sabe?). O dia finda com a sensação que os camelôs merecem mesmo é a pena de morte por não nos deixar em paz, atrapalhar-nos na calçada e irritar as autoridades responsáveis.
Questiona-se o que está sendo feito para resolver a situação dos camelôs? Não. O porque de tantos permanecerem ilegais? Não. Além de fiscalizar e descer o cacete, o que mais a Prefeitura tem feito para RESOLVER essa situação e aí sim servir à população? Não sei, não se fala disso. Quem vai incomodar o nosso herói do Pan 2007 e das quase Olimpíadas-2012?
É muito cinismo de uma vez só. Da mídia, dos governantes, da classe média conivente com a violência na medida que lhe convém (no caso, expulsar camelôs mas sem maiores drasticidades). E é daí que surge o tumultuado desmando da segurança no Rio. Tratando a população como idiota.
A grita foi geral, e dessa vez não apenas na mídia. Tudo começou (de novo) numa batalha campal entre Guarda Municipal (GM) e camelôs no abarrotado Centro do Rio de Janeiro. A construção do discurso emburrecedor tem como agentes a cobertura jornalística e seu público-alvo (ativamente, incentivando e produzindo as reportagens) e as autoridades responsáveis - de forma omissa, coniventes e fomentando a discussão de acordo com suas conveniências.
Ok, dessa vez os camelôs é que se prepararam pra briga, e a começaram ao atacar um carro da fiscalização da Prefeitura (aquele flamejante embaixo do termômetro a 130 graus). O resto foi a reação da GM com todo o seu aparato de guerra - e finalmente ela chegou, não era pra isso que servia? Os camelôs com seus morteiros, côcos e cadeiras; a Guarda com capacetes, escudos de choque, cacetetes e bombas de gás lacrimogêneo. Dá pra imaginar que fim levou, né?
Só que o RJTV da noite inaugurou o discurso que iria predominar na mídia. Anunciando a guerra ocorrida no Centro, mostra as imagens dos guardas sendo atingidos pelos côcos; as cadeiras espalhadas em meio à Av. Pres. Vargas ao meio-dia, "trazendo transtornos". A imagem de um guarda com a mão à boca e o âncora narrando que "um guarda ficou ferido". Ao fim da matéria, um pronunciamento oficial de César Maia dizendo que o Estado é que não enviou reforços da PM ao local; outro de Garotinho, rebatendo as críticas do prefeito, dizendo que a truculência não deveria ser usada, mas sim responsabilidade no tratar com os camelôs.
As perguntas vão surgindo: quem envia a Guarda Municipal para "combater" os camelôs em pleno Centro da cidade durante o dia, com milhares de transeuntes pra lá e pra cá? A Prefeitura. Quem não envia a Guarda Municipal às 6 da manhã para impedir que os camelôs montem suas barracas (já que é essa a questão legal)? A Prefeitura. Quem é um dos principais responsáveis pela porradaria no Centro do Rio, independentemente da situação ilegal dos camelôs? A Prefeitura. Fato. E ainda queria o reforço da PM!
Questiona-se esse lado da questão nos jornais? Não.
Os camelôs sempre foram "soldados de guerra" com estratégias, como ontem? Não. Como todo mundo sabe, violência chama violência. E sua escalada no confronto GM x ambulantes foi gradativa - sendo que bate mais forte (e primeiro) quem está mais preparado pra isso. Quem trabalha no Centro acompanhou essa gradação de perto, desde o início.
Questiona-se esse histórico da questão nos jornais? Não.
O governador do Estado adverte que deve ser usada de responsabilidade para tratar da questão dos camelôs, mas sem truculência. Irônico, vindo de quem vem. Até parece que a carreira político-administrativa de Garotinho foi construída assim, com serenidade e pensando nas conseqüências de seus atos e palavras no calor da hora. Se fosse prefeito, nada leva a crer que Garotinho agiria diferente.
E as primeiras páginas de hoje mostram os prejuízos do comércio e da Prefeitura, exibe fotos dos Guardas Municipais com as "armas" dos camelôs (talvez um côco seja mais destruidor que uma bomba de gás lacrimogêneo, quem sabe?). O dia finda com a sensação que os camelôs merecem mesmo é a pena de morte por não nos deixar em paz, atrapalhar-nos na calçada e irritar as autoridades responsáveis.
Questiona-se o que está sendo feito para resolver a situação dos camelôs? Não. O porque de tantos permanecerem ilegais? Não. Além de fiscalizar e descer o cacete, o que mais a Prefeitura tem feito para RESOLVER essa situação e aí sim servir à população? Não sei, não se fala disso. Quem vai incomodar o nosso herói do Pan 2007 e das quase Olimpíadas-2012?
É muito cinismo de uma vez só. Da mídia, dos governantes, da classe média conivente com a violência na medida que lhe convém (no caso, expulsar camelôs mas sem maiores drasticidades). E é daí que surge o tumultuado desmando da segurança no Rio. Tratando a população como idiota.
quarta-feira, 15 de outubro de 2003
VEJA: a irônica revolução da linguagem
É mais forte do que eu: mais uma vez a banca de jornal me chamava a atenção por alguma matéria de capa, mais uma vez a VEJA. Um cartum em que uma gigantesca águia era "peitada" por um pintinho marrento verde e amarelo. A chamada: "Brasil peita os EUA na ALCA - CORAGEM OU ESTUPIDEZ?". Precisa dizer o quê?
Que a revista está se especializando em tratar os leitores de forma infantilóide já se sabe há muito. Não satisfeita em reportar os fatos com ótica visivelmente tendenciosa, a redação de VEJA sempre termina suas matérias ratificando uma solução única e derradeira para a questão abordada. Nunca permite que o leitor forme sua opinião por si só após avaliar o conteúdo da revista. E isso é um tique nervoso que vai desde a capa até as matérias mais banais, como se fosse uma regra de prática jornalística.
Mas a capa dessa semana, além de continuar seguindo à risca o acima citado, provoca uma revolução na linguagem (sem querer, e vocês já vão entender por que). Uma imagem valer mais que mil palavras é exagero - "diz isso sem palavras!", lembra Millôr. Mas a capacidade do cartum ou da charge em sintetizar idéias não deve ser subestimada. Muito menos seu potencial informativo. E de forma completa, já que por ele percebe-se o que querem dizer e com que intenções querem dizer. Nesse ponto as palavras podem confundir, prostituindo a retórica.
E a VEJA jogou pro alto a sutileza e a dissimulação: acrescenta logo a seguir que a situação ridícula do Brasil "peitar" os EUA na ALCA - afinal, o pintinho marrento pra cima da enfezada águia é uma cena ridícula, da qual já se sabe o desfecho - seria enquadrada em um dos extremos: CORAGEM ou ESTUPIDEZ. (Aliás, esse é o maior vício da mídia hoje: tudo é bem x mal, fulano vence x fulano perde etc. Não há análise complexa como são as situações reportadas. Simplifica-se o difícil pela lógica emburrecedora, não pelo pragmatismo).
Assim, percebe-se uma revolução da linguagem protagonizada pela revista, só que de forma irônica. Diante da capa, eu pergunto: preciso ler a matéria? Mesmo que eu concorde com a opinião da revista, por que me dar ao trabalho de comprar e folhear suas páginas para me explicar o que já está resumido e finalizado na capa? Até com o suspense marqueteiro a VEJA acabou. É o cúmulo da síntese! Não é necessário me aprofundar na reportagem para melhor compreender. Está dito, ponto final. Ironicamente, mesmo eu estando na banca, não preciso comprar a revista - e normalmente as capas colaboram para o contrário...
Logo, tal revolução é sem querer, visto que a revista não iria criar um "auto-boicote". Mas se os leitores notarem essa nova fase, será um castigo merecido para o mau jornalismo que a vedete da editora Abril comete faz tempo.
É mais forte do que eu: mais uma vez a banca de jornal me chamava a atenção por alguma matéria de capa, mais uma vez a VEJA. Um cartum em que uma gigantesca águia era "peitada" por um pintinho marrento verde e amarelo. A chamada: "Brasil peita os EUA na ALCA - CORAGEM OU ESTUPIDEZ?". Precisa dizer o quê?
Que a revista está se especializando em tratar os leitores de forma infantilóide já se sabe há muito. Não satisfeita em reportar os fatos com ótica visivelmente tendenciosa, a redação de VEJA sempre termina suas matérias ratificando uma solução única e derradeira para a questão abordada. Nunca permite que o leitor forme sua opinião por si só após avaliar o conteúdo da revista. E isso é um tique nervoso que vai desde a capa até as matérias mais banais, como se fosse uma regra de prática jornalística.
Mas a capa dessa semana, além de continuar seguindo à risca o acima citado, provoca uma revolução na linguagem (sem querer, e vocês já vão entender por que). Uma imagem valer mais que mil palavras é exagero - "diz isso sem palavras!", lembra Millôr. Mas a capacidade do cartum ou da charge em sintetizar idéias não deve ser subestimada. Muito menos seu potencial informativo. E de forma completa, já que por ele percebe-se o que querem dizer e com que intenções querem dizer. Nesse ponto as palavras podem confundir, prostituindo a retórica.
E a VEJA jogou pro alto a sutileza e a dissimulação: acrescenta logo a seguir que a situação ridícula do Brasil "peitar" os EUA na ALCA - afinal, o pintinho marrento pra cima da enfezada águia é uma cena ridícula, da qual já se sabe o desfecho - seria enquadrada em um dos extremos: CORAGEM ou ESTUPIDEZ. (Aliás, esse é o maior vício da mídia hoje: tudo é bem x mal, fulano vence x fulano perde etc. Não há análise complexa como são as situações reportadas. Simplifica-se o difícil pela lógica emburrecedora, não pelo pragmatismo).
Assim, percebe-se uma revolução da linguagem protagonizada pela revista, só que de forma irônica. Diante da capa, eu pergunto: preciso ler a matéria? Mesmo que eu concorde com a opinião da revista, por que me dar ao trabalho de comprar e folhear suas páginas para me explicar o que já está resumido e finalizado na capa? Até com o suspense marqueteiro a VEJA acabou. É o cúmulo da síntese! Não é necessário me aprofundar na reportagem para melhor compreender. Está dito, ponto final. Ironicamente, mesmo eu estando na banca, não preciso comprar a revista - e normalmente as capas colaboram para o contrário...
Logo, tal revolução é sem querer, visto que a revista não iria criar um "auto-boicote". Mas se os leitores notarem essa nova fase, será um castigo merecido para o mau jornalismo que a vedete da editora Abril comete faz tempo.
segunda-feira, 6 de outubro de 2003
Sabemos aonde estamos indo... como continuamos indo?
A ISTOÉ da semana passada (edição 1774) é digna de ser elogiada e criticada, levando-se em conta assunto, qualidade jornalística e tratamento de matéria. Com o título "Inimigo Oculto", a revista mostrou uma terrível realidade do nosso país: mais de 400 mil brasileiros são portadores do vírus HIV e não sabem.
Elogio a equipe de redação por fazer um trabalho digno da vocação jornalística de prestar serviço público informando com responsabilidade. A matéria traz dados oficiais da Organização Mundial de Saúde, mostrando que o Brasil é exemplar no tratamento da AIDS. Também colhe depoimentos de pessoas que se mostraram surpresas ao saber que eram soropositivas - até porque não levavam a "vida suja" geralmente correlacionada aos contaminados. Informa sobre a campanha "Fique Sabendo", que estimula os que transaram sem camisinha a fazer o exame e derruba crendices a respeito do contágio no contato social com aidéticos.
Minhas críticas à revista dizem respeito ao tratamento da matéria. Não foi de capa, o que permitiria um alcance maior de pessoas - e a importante urgência do assunto merecia esse destaque. Também acho válido que sejam enfatizadas vidas que convivem normalmente com o fato de serem soropositivas, o que foi feito por meio de depoimentos transcritos e fotos sorridentes. Mas o lado mais sombrio da doença também precisava estar ali, para não se correr o risco da banalização de um dos piores males da humanidade.
Aí é que está o principal. Aí é que desandei a chorar.
Porque a matéria mais importante do ano vai passar despercebida. Vai ser mais uma matéria de saúde pública sexual a ser engolida pela sociedade do consumo, do espetáculo, sem afeto, sensacionalista (idólatra das sensações), supérflua, hipócrita etc etc etc etc.
Haverá reflexão para os hábitos sexuais de hoje? Um dos depoimentos da matéria é de uma mulher com 4 filhos que nunca teve "aventuras" que dessem margem à suspeita da AIDS. Mas o marido a contaminou, fruto de infidelidade conjugal. E quer coisa mais folclórica hoje do que o "corno", o "triângulo amoroso", o "pular a cerca"? Fala-se disso como se o ato não produzisse conseqüências emocionais - e agora, físicas - desse romper de compromisso.
Os que preferem guardar-se pro casamento e levar a sério a fidelidade - sem impor essa decisão a nenhuma massa, é apenas uma decisão individual como tantas outras - são ridicularizados sem piedade. (Irônica sociedade em que tantos reivindicam o direito de assumir o que escolheram pra vida enquanto enquadram outros que possuem o mesmo objetivo).
Quem se importa com pessoas contaminadas com AIDS hoje? A indústria do sexo, ramificada desde as mais vulgares pornografias até as sutis/escancaradas propagações de valores questionáveis em horário nobre? Os orgulhosos conservadores certos de que sua lei e moral bastam para dominar facilmente os instintos humanos (que não precisam de muito pra perder as rédeas)? Os políticos que não sobrevivem sem o cabresto da ignorância, custe o que custar para os analfabetos de cidadania, sem educação básica - aquela que permite amadurecer para avaliar o melhor, e não ser engabelado pelos malandros oficiais (como dizia Chico Buarque)?
E agora é hora de me expor. Corro o risco de levar um implacável rótulo ao manifestar minha opinião, mas dane-se. Além de ser o meu blog, são minhas sinceras inquietações sobre os destinos do ser humano. A situação narrada pela revista é mais uma prova de que vivemos, como nunca, uma crise de valores. Quanto mais nossa vida se afasta do caráter de Deus, mais perdidos ficamos, menos sentido encontramos. Enquanto nos preocuparmos em buscá-lO apenas na hora da morte ou do sofrer, assim será nossa existência: sepulcral e masoquista, travestindo-se de hedonismo, esperteza egoísta, cinismo de idéias e insensibilidade contagiosa. Sem nunca nos preencher, e nos enganando com tanta perfeição até alcançar o alvo máximo: uma desconfiança geral em relação ao óbvio que salva.
Deus tá vendo. E chora.
A ISTOÉ da semana passada (edição 1774) é digna de ser elogiada e criticada, levando-se em conta assunto, qualidade jornalística e tratamento de matéria. Com o título "Inimigo Oculto", a revista mostrou uma terrível realidade do nosso país: mais de 400 mil brasileiros são portadores do vírus HIV e não sabem.
Elogio a equipe de redação por fazer um trabalho digno da vocação jornalística de prestar serviço público informando com responsabilidade. A matéria traz dados oficiais da Organização Mundial de Saúde, mostrando que o Brasil é exemplar no tratamento da AIDS. Também colhe depoimentos de pessoas que se mostraram surpresas ao saber que eram soropositivas - até porque não levavam a "vida suja" geralmente correlacionada aos contaminados. Informa sobre a campanha "Fique Sabendo", que estimula os que transaram sem camisinha a fazer o exame e derruba crendices a respeito do contágio no contato social com aidéticos.
Minhas críticas à revista dizem respeito ao tratamento da matéria. Não foi de capa, o que permitiria um alcance maior de pessoas - e a importante urgência do assunto merecia esse destaque. Também acho válido que sejam enfatizadas vidas que convivem normalmente com o fato de serem soropositivas, o que foi feito por meio de depoimentos transcritos e fotos sorridentes. Mas o lado mais sombrio da doença também precisava estar ali, para não se correr o risco da banalização de um dos piores males da humanidade.
Aí é que está o principal. Aí é que desandei a chorar.
Porque a matéria mais importante do ano vai passar despercebida. Vai ser mais uma matéria de saúde pública sexual a ser engolida pela sociedade do consumo, do espetáculo, sem afeto, sensacionalista (idólatra das sensações), supérflua, hipócrita etc etc etc etc.
Haverá reflexão para os hábitos sexuais de hoje? Um dos depoimentos da matéria é de uma mulher com 4 filhos que nunca teve "aventuras" que dessem margem à suspeita da AIDS. Mas o marido a contaminou, fruto de infidelidade conjugal. E quer coisa mais folclórica hoje do que o "corno", o "triângulo amoroso", o "pular a cerca"? Fala-se disso como se o ato não produzisse conseqüências emocionais - e agora, físicas - desse romper de compromisso.
Os que preferem guardar-se pro casamento e levar a sério a fidelidade - sem impor essa decisão a nenhuma massa, é apenas uma decisão individual como tantas outras - são ridicularizados sem piedade. (Irônica sociedade em que tantos reivindicam o direito de assumir o que escolheram pra vida enquanto enquadram outros que possuem o mesmo objetivo).
Quem se importa com pessoas contaminadas com AIDS hoje? A indústria do sexo, ramificada desde as mais vulgares pornografias até as sutis/escancaradas propagações de valores questionáveis em horário nobre? Os orgulhosos conservadores certos de que sua lei e moral bastam para dominar facilmente os instintos humanos (que não precisam de muito pra perder as rédeas)? Os políticos que não sobrevivem sem o cabresto da ignorância, custe o que custar para os analfabetos de cidadania, sem educação básica - aquela que permite amadurecer para avaliar o melhor, e não ser engabelado pelos malandros oficiais (como dizia Chico Buarque)?
E agora é hora de me expor. Corro o risco de levar um implacável rótulo ao manifestar minha opinião, mas dane-se. Além de ser o meu blog, são minhas sinceras inquietações sobre os destinos do ser humano. A situação narrada pela revista é mais uma prova de que vivemos, como nunca, uma crise de valores. Quanto mais nossa vida se afasta do caráter de Deus, mais perdidos ficamos, menos sentido encontramos. Enquanto nos preocuparmos em buscá-lO apenas na hora da morte ou do sofrer, assim será nossa existência: sepulcral e masoquista, travestindo-se de hedonismo, esperteza egoísta, cinismo de idéias e insensibilidade contagiosa. Sem nunca nos preencher, e nos enganando com tanta perfeição até alcançar o alvo máximo: uma desconfiança geral em relação ao óbvio que salva.
Deus tá vendo. E chora.
terça-feira, 16 de setembro de 2003
LESSA 23!
Woody Allen dirige, escreve e atua em seus filmes. resultado: já beijou mulheres lindas em muitos deles... São as benesses do controle do meio de comunicação! De igual forma, hoje usufruo desse blog para publicar minha lista de presentes de aniversário!!! De repente você tá sem idéia...
Será dia 27 de setembro - e para os engraçadinhos de plantão: nao gosto de doce de Cosme e Damião!!!!! Heheheh...
Se você hesitar pensando que outra pessoa pode dar o mesmo presente, uma dica: é só comprar em lojas que dão aquela etiqueta, que permite trocar em até 15 dias... Pretensioso eu, né?
CDs:
- Trilha sonora do filme "Alta Fidelidade"
- "Bloco do Eu Sozinho" e "Ventura", do Los Hermanos
- "Abbey Road" e "Let it be", dos Beatles
- Qualquer um do songbook de Chico Buarque
- Qualquer um do songbook de Tom Jobim
LIVROS:
- "Budapeste" - Chico Buarque
- "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa
- "Brejo das Almas", "Claro Enigma", "Caminhos de João Brandão", de Carlos Drummond de Andrade
- "Como ser legal", de Nick Hornby
- "eu@teamo.com.br", de Letícia Wierzchowski
- "Maravilhosa Graça", de Philip Yancey
- "Cristianismo e política", de Robinson Cavalcanti
- "Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal", de Milton Santos
- "Cartas na mesa", "Cartas a um jovem escritor" - Fernando Sabino
ROUPAS: apenas informo que camisa é tamanho P ou M; calça, 40; sapatos, 42/43.
Ou me surpreenda!!!
Woody Allen dirige, escreve e atua em seus filmes. resultado: já beijou mulheres lindas em muitos deles... São as benesses do controle do meio de comunicação! De igual forma, hoje usufruo desse blog para publicar minha lista de presentes de aniversário!!! De repente você tá sem idéia...
Será dia 27 de setembro - e para os engraçadinhos de plantão: nao gosto de doce de Cosme e Damião!!!!! Heheheh...
Se você hesitar pensando que outra pessoa pode dar o mesmo presente, uma dica: é só comprar em lojas que dão aquela etiqueta, que permite trocar em até 15 dias... Pretensioso eu, né?
CDs:
- Trilha sonora do filme "Alta Fidelidade"
- "Bloco do Eu Sozinho" e "Ventura", do Los Hermanos
- "Abbey Road" e "Let it be", dos Beatles
- Qualquer um do songbook de Chico Buarque
- Qualquer um do songbook de Tom Jobim
LIVROS:
- "Budapeste" - Chico Buarque
- "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa
- "Brejo das Almas", "Claro Enigma", "Caminhos de João Brandão", de Carlos Drummond de Andrade
- "Como ser legal", de Nick Hornby
- "eu@teamo.com.br", de Letícia Wierzchowski
- "Maravilhosa Graça", de Philip Yancey
- "Cristianismo e política", de Robinson Cavalcanti
- "Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal", de Milton Santos
- "Cartas na mesa", "Cartas a um jovem escritor" - Fernando Sabino
ROUPAS: apenas informo que camisa é tamanho P ou M; calça, 40; sapatos, 42/43.
Ou me surpreenda!!!
sábado, 13 de setembro de 2003
E agora, José do Patrocínio?
Depois de um longo tempo, vi algo de bom na primeira página do GLOBO: Conar proíbe jovens e cenas eróticas em anúncios de bebida. Essa medida pode trazer conseqüências mais inesperadas do que pensamos... Além disso, as reações dos publicitários a ela revela intenções e problemas que são sempre mascarados pela beleza dos anúncios. Quer ver só?
Primeiro, que uma classe social sui generis vai ser muito prejudicada: é a tal da "modelatriz". Você sabe, elas não são modelos nem atrizes, mas um mix dos dois sem desempenhar nenhuma das funções direito. Mão-de-obra principal dos anúncios de cerveja - são jovens e eróticas - como começarão a carreira tão sonhada? Como evoluir para a capa da Playboy e para o tórrido romance ovulatório com jogadores de futebol e demais celebridades, agora? Mostrar (ao lado do álcool que deixa os homens com aquela barriga sexy) suas carnes glúteas era o pontapé inicial. Curioso: a única carreira em que "pé na bunda" pode significar emprego...
A indústria da bebida também deve ter ficado surpresa com tal medida, que começa a vigorar no verão! Todo o estratagema montado por anos e anos (sem trocadilho, por favor) para as vendas subirem na sudorípara estação vai por Conar abaixo... A decisão também proíbe o uso de animais humanizados, bonecos ou animações, para que as crianças não sejam despertadas pro álcool (e o mercado futuro? O mercado futuro!). Só que pra fechar a conta desse possível prejuízo eles vão empurrar a responsabilidade para os... publicitários!
Aí é que a cobra fuma, a porca torce o rabo, a onça bebe água e demais slogans populares.
O discurso oficial da P&P é que "as agências terão que usar ainda mais de criatividade e vão conseguir". Hilário... AINDA MAIS? Acho que agora é que vão ter que provar que sabem criar. Atiçar o público-alvo em seus básicos instintos é muito mais fácil que convencê-lo a fazer uma escolha consciente e tomar decisão idem.
VÃO CONSEGUIR? Quem disse a frase acima é o sócio-diretor da Agência Total, responsável pela campanha da Schin (que por sinal, é um primor de criatividade: "Experimenta" até encher o saco!). Esse "vão conseguir" pode muito bem ser traduzido por "pelamordedeus, é a nossa única chance" ou "consigam ou muitos de nós estarão na rua em breve". A decisão do Conar pode ser o primeiro grande desafio para uma indústria publicitária acomodada na fórmula bunda-futebol pra vender outro prazer cheio de riscos pessoais e sociais.
A matéria informa que a decisão do Conar antecipa-se a uma possível legislação do Congresso, que prometia ainda mais rigor com as propagandas. Ou seja, dos males o menor. Mas, dependendo de como se virarem, esse menor torna-se relativo. Longe de mim duvidar do talento dos publicitários brasileiros, mas o Conar prestou um serviço público imenso - talvez sem querer. Nem a grande imprensa teve peito pra questionar essas campanhas que tratam o homem como bicho, nem os publicitários ousaram mudar a fórmula pensando no bem ou mal-estar que faziam ao público com suas campanhas. Na marra, o Conar obrigou a imprensa a se auto-flagrar e as agências a produzirem algo de menos inutilidade pública.
Agora eu quero ver a paixão nacional experimentar o argumento redondo dentro da lei, refrescando principalmente os pensamentos. Ah, mas com moderação e pegando táxi depois, porque também faz mal à saúde.
Depois de um longo tempo, vi algo de bom na primeira página do GLOBO: Conar proíbe jovens e cenas eróticas em anúncios de bebida. Essa medida pode trazer conseqüências mais inesperadas do que pensamos... Além disso, as reações dos publicitários a ela revela intenções e problemas que são sempre mascarados pela beleza dos anúncios. Quer ver só?
Primeiro, que uma classe social sui generis vai ser muito prejudicada: é a tal da "modelatriz". Você sabe, elas não são modelos nem atrizes, mas um mix dos dois sem desempenhar nenhuma das funções direito. Mão-de-obra principal dos anúncios de cerveja - são jovens e eróticas - como começarão a carreira tão sonhada? Como evoluir para a capa da Playboy e para o tórrido romance ovulatório com jogadores de futebol e demais celebridades, agora? Mostrar (ao lado do álcool que deixa os homens com aquela barriga sexy) suas carnes glúteas era o pontapé inicial. Curioso: a única carreira em que "pé na bunda" pode significar emprego...
A indústria da bebida também deve ter ficado surpresa com tal medida, que começa a vigorar no verão! Todo o estratagema montado por anos e anos (sem trocadilho, por favor) para as vendas subirem na sudorípara estação vai por Conar abaixo... A decisão também proíbe o uso de animais humanizados, bonecos ou animações, para que as crianças não sejam despertadas pro álcool (e o mercado futuro? O mercado futuro!). Só que pra fechar a conta desse possível prejuízo eles vão empurrar a responsabilidade para os... publicitários!
Aí é que a cobra fuma, a porca torce o rabo, a onça bebe água e demais slogans populares.
O discurso oficial da P&P é que "as agências terão que usar ainda mais de criatividade e vão conseguir". Hilário... AINDA MAIS? Acho que agora é que vão ter que provar que sabem criar. Atiçar o público-alvo em seus básicos instintos é muito mais fácil que convencê-lo a fazer uma escolha consciente e tomar decisão idem.
VÃO CONSEGUIR? Quem disse a frase acima é o sócio-diretor da Agência Total, responsável pela campanha da Schin (que por sinal, é um primor de criatividade: "Experimenta" até encher o saco!). Esse "vão conseguir" pode muito bem ser traduzido por "pelamordedeus, é a nossa única chance" ou "consigam ou muitos de nós estarão na rua em breve". A decisão do Conar pode ser o primeiro grande desafio para uma indústria publicitária acomodada na fórmula bunda-futebol pra vender outro prazer cheio de riscos pessoais e sociais.
A matéria informa que a decisão do Conar antecipa-se a uma possível legislação do Congresso, que prometia ainda mais rigor com as propagandas. Ou seja, dos males o menor. Mas, dependendo de como se virarem, esse menor torna-se relativo. Longe de mim duvidar do talento dos publicitários brasileiros, mas o Conar prestou um serviço público imenso - talvez sem querer. Nem a grande imprensa teve peito pra questionar essas campanhas que tratam o homem como bicho, nem os publicitários ousaram mudar a fórmula pensando no bem ou mal-estar que faziam ao público com suas campanhas. Na marra, o Conar obrigou a imprensa a se auto-flagrar e as agências a produzirem algo de menos inutilidade pública.
Agora eu quero ver a paixão nacional experimentar o argumento redondo dentro da lei, refrescando principalmente os pensamentos. Ah, mas com moderação e pegando táxi depois, porque também faz mal à saúde.
domingo, 7 de setembro de 2003
O cinema de Guel é a maior diversão
Como falei no último post, aqui vai uma crítica mais apurada do novo filme de Guel Arraes, Lisbela e o prisioneiro. Quem gostou do "Auto da Compadecida" e de "Caramuru" não vai se decepcionar com este. Direção, roteiro, produção, interpretações, figurinos, trilha - tá tudo bom demais. Com certeza verei pela quarta vez (no cinema).
Osman Lins é um autor pernambucano desconhecido, de onde Guel Arraes tirou a história do filme para primeiro transformá-la em peça. Foi um laboratório de sucesso para saberem o que fazer na tela grande. Alguns atores que estavam na peça estão no filme, ainda que em papéis trocados.
De fato, as interpretações de cada um já valem o ingresso, com sobras. Selton Mello vai se transformando no maior ator de sua geração, tamanha é a sua versatilidade. Além dos citados filmes de Guel, Selton também protagonizou com maestria o pesado "Lavoura Arcaica", além da peça "Zastrozzi". É impressionante sua capacidade de ser completamente diferente em cada papel que atua - coisa que o parceiro do "Auto", Matheus Natchergale, já tinha alcançado.
Marco Nanini, como o vilão, é algo de outro mundo. Sua experiência teatral e televisiva está dando conta da carreira cinematográfica, permitindo-lhe o bom senso de nunca parecer exagerado nos personagens que encarna. Sabe dosar o humor, a seriedade, o drama e o que vier na medida ideal. Suas caras, bocas e entonações chegam ao limite da perfeição nesse filme.
Débora Falabella surpreende como Lisbela, embora cresça somente durante o desenrolar do filme. O mesmo se diz de Bruno Garcia como o noivo carioca (que no teatro fez o papel do prisioneiro, que aqui é de Selton Mello). Tanto ele como Virgínia Cavendish - mulher do vilão - são dois atores não muito conhecidos do grande público que possuem talento fenomenal, acredite. Tadeu Mello é o cabo Citonho, num personagem para o qual parece ter nascido. Assim como André Marques, que conseguiu a proeza de sair da Escolinha do Professor Raimundo ("Meu querido!!!") e do papel de D.João VI para ser muito requisitado como ator, e com justiça.
O roteiro e seus argumentos são sensacionais. Destaque para o dinâmico jogo de palavras entre os personagens, já característico dos filmes de Guel. Em meio à comédia sem descanso, também há cenas de drama que provocam sinceras lágrimas na platéia. E principalmente para o enredo, que trata os clichês de Hollywood exatamente como são: clichês que não se comparam a um filme do nível de Lisbela e o prisioneiro. Fica aí o recado para que prestemos mais atenção à qualidade da produção nacional, em vez de apenas encher os cofres dos ianques sem imaginação.
A trilha sonora também é notável. Pela sua diversidade e bom gosto: depois de "Sozinho", Caetano Veloso transforma outra música considerada brega ("Você não me ensinou a te esquecer", de Fernando Mendes) em momento mágico da MPB; Elza Soares manda bem no tema do vilão (e olha que eu a odeio!), Los Hermanos mostram que sabem de forró; e uma inusitada parceria produz inimaginável entrosamento: Zé Ramalho e Sepultura. Fora a qualidade musical, cada letra e melodia encaixa-se nas cenas com perfeição - méritos para a produção.
Claudio Assis, diretor de "Amarelo Manga", trouxe ácida opinião sobre o tal "cinema social" do país: "O Brasil está fazendo um cinema com culpa (...) são burgueses filhos de sei lá quem, que têm peso na consciência por herdar riqueza e que querem se limpar fazendo um cinema com culpa. Daí dizem que pobre é bonzinho..." Certo ou errado, aproveito o depoimento de Claudio para inocentar Guel Arraes. Seu cinema não é com culpa, é com orgulho do país, com a pretensão de conscientizar no sentido da auto-estima cultural. Sabemos fazer bom cinema, e nossa terra e nossa miscigenação geral são matéria-prima suficiente para ótimos roteiros. Além disso, faço coro com o personagem de Selton Mello: "cinema nacional é bom porque o beijo já vem traduzido...".
Como falei no último post, aqui vai uma crítica mais apurada do novo filme de Guel Arraes, Lisbela e o prisioneiro. Quem gostou do "Auto da Compadecida" e de "Caramuru" não vai se decepcionar com este. Direção, roteiro, produção, interpretações, figurinos, trilha - tá tudo bom demais. Com certeza verei pela quarta vez (no cinema).
Osman Lins é um autor pernambucano desconhecido, de onde Guel Arraes tirou a história do filme para primeiro transformá-la em peça. Foi um laboratório de sucesso para saberem o que fazer na tela grande. Alguns atores que estavam na peça estão no filme, ainda que em papéis trocados.
De fato, as interpretações de cada um já valem o ingresso, com sobras. Selton Mello vai se transformando no maior ator de sua geração, tamanha é a sua versatilidade. Além dos citados filmes de Guel, Selton também protagonizou com maestria o pesado "Lavoura Arcaica", além da peça "Zastrozzi". É impressionante sua capacidade de ser completamente diferente em cada papel que atua - coisa que o parceiro do "Auto", Matheus Natchergale, já tinha alcançado.
Marco Nanini, como o vilão, é algo de outro mundo. Sua experiência teatral e televisiva está dando conta da carreira cinematográfica, permitindo-lhe o bom senso de nunca parecer exagerado nos personagens que encarna. Sabe dosar o humor, a seriedade, o drama e o que vier na medida ideal. Suas caras, bocas e entonações chegam ao limite da perfeição nesse filme.
Débora Falabella surpreende como Lisbela, embora cresça somente durante o desenrolar do filme. O mesmo se diz de Bruno Garcia como o noivo carioca (que no teatro fez o papel do prisioneiro, que aqui é de Selton Mello). Tanto ele como Virgínia Cavendish - mulher do vilão - são dois atores não muito conhecidos do grande público que possuem talento fenomenal, acredite. Tadeu Mello é o cabo Citonho, num personagem para o qual parece ter nascido. Assim como André Marques, que conseguiu a proeza de sair da Escolinha do Professor Raimundo ("Meu querido!!!") e do papel de D.João VI para ser muito requisitado como ator, e com justiça.
O roteiro e seus argumentos são sensacionais. Destaque para o dinâmico jogo de palavras entre os personagens, já característico dos filmes de Guel. Em meio à comédia sem descanso, também há cenas de drama que provocam sinceras lágrimas na platéia. E principalmente para o enredo, que trata os clichês de Hollywood exatamente como são: clichês que não se comparam a um filme do nível de Lisbela e o prisioneiro. Fica aí o recado para que prestemos mais atenção à qualidade da produção nacional, em vez de apenas encher os cofres dos ianques sem imaginação.
A trilha sonora também é notável. Pela sua diversidade e bom gosto: depois de "Sozinho", Caetano Veloso transforma outra música considerada brega ("Você não me ensinou a te esquecer", de Fernando Mendes) em momento mágico da MPB; Elza Soares manda bem no tema do vilão (e olha que eu a odeio!), Los Hermanos mostram que sabem de forró; e uma inusitada parceria produz inimaginável entrosamento: Zé Ramalho e Sepultura. Fora a qualidade musical, cada letra e melodia encaixa-se nas cenas com perfeição - méritos para a produção.
Claudio Assis, diretor de "Amarelo Manga", trouxe ácida opinião sobre o tal "cinema social" do país: "O Brasil está fazendo um cinema com culpa (...) são burgueses filhos de sei lá quem, que têm peso na consciência por herdar riqueza e que querem se limpar fazendo um cinema com culpa. Daí dizem que pobre é bonzinho..." Certo ou errado, aproveito o depoimento de Claudio para inocentar Guel Arraes. Seu cinema não é com culpa, é com orgulho do país, com a pretensão de conscientizar no sentido da auto-estima cultural. Sabemos fazer bom cinema, e nossa terra e nossa miscigenação geral são matéria-prima suficiente para ótimos roteiros. Além disso, faço coro com o personagem de Selton Mello: "cinema nacional é bom porque o beijo já vem traduzido...".
quarta-feira, 3 de setembro de 2003
Êxtase cultural: a Disney morreu, ao contrário do bom cinema nacional
A gente reclama de gastos extensos com nossas necessidades básicas, mas há momentos em que o dinheiro é muito bem gasto. Não apenas pra manter a saúde, a boa alimentação ou o sustento educacional como também o consumo, em doses cavalares, de alto nível cultural. "Procurando Nemo" e "Lisbela e o prisioneiro" estão nos meus receituários.
A história do peixinho Nemo é mais um sucesso da Pixar, a empresa responsável pela revolução gráfica nos desenhos animados do cinema. Desde "Toy Story" eles exploram a metáfora do mundo adulto por meio de outros universos conhecidos – como brinquedos, formigas etc. Embora as crianças sejam o público-alvo, a linguagem utilizada alcança qualquer idade. E não só a linguagem, como bons roteiros e cada personagem, dos divertidos aos mais tocantes.
A fórmula agora é a seguinte: a Pixar é mão-de-obra dos desenhos, enquanto a Disney fica com o marketing e a distribuição. Ou seja: mérito todinho pra Pixar, melhor ainda por suplantar qualquer filme anterior da Disney. Seja em originalidade, criatividade ou até mesmo bom senso. Claro que cada filme a seu tempo, mas compare os antigos essencialmente produzidos e feitos pela Disney com os de hoje, nos quais ela apenas paga pra botar a marca. É covardia.
Um trailer de 1989 feito pela Pixar coloca o "Rei Leão" no chinelo. Cada vez menos clichês e cada vez mais valorização da inteligência da criança. Afinal, elas entendem (e riem de) todas as referências contemporâneas, como não? Ao contrário dos contos de fada politicamente corretos ao extremo, usam o mundo real para exercer suas qualidades gráfico-narrativas.
"Lisbela e o prisioneiro" é mais uma pérola de Guel Arraes, que tem no currículo "O Auto da Compadecida" e "Caramuru", além dos conceituados "Comédias da Vida Privada" e "TV Pirata". Dessa vez a mulher do Caetano bancou a produção e quis fazer um blockbuster brasileiro. Em entrevista, Paula Lavigne diz ficar feliz se conseguir "pelo menos dois milhões de espectadores"...
Ao contrário do que parece, isso não atrapalhou em nada a qualidade do filme. Os atores estão excepcionais, todos eles. Os argumentos, a uma velocidade já característica dos filmes de Guel. Figurinos e trilha sonora feitos sob medida completam a obra-prima. Já vi 3 vezes! (O próximo post será exclusivo sobre Lisbela, quando me alongarei mais sobre o filme)
Logo, é ótimo perceber que o bom cinema nacional ressurgiu de vez, e sem precisar apelar. É disso que o povo gosta, e não das baixarias justificadas por argumento semelhante no horário nobre. O mesmo vale pra Pixar, a verdadeira rainha dos baixinhos. Dêem-nos opções e saberemos escolher a boa parte. Quem tem medo (no caso, de perder audiência) é quem não se garante – e olha que isso a gente aprende no primário...
A gente reclama de gastos extensos com nossas necessidades básicas, mas há momentos em que o dinheiro é muito bem gasto. Não apenas pra manter a saúde, a boa alimentação ou o sustento educacional como também o consumo, em doses cavalares, de alto nível cultural. "Procurando Nemo" e "Lisbela e o prisioneiro" estão nos meus receituários.
A história do peixinho Nemo é mais um sucesso da Pixar, a empresa responsável pela revolução gráfica nos desenhos animados do cinema. Desde "Toy Story" eles exploram a metáfora do mundo adulto por meio de outros universos conhecidos – como brinquedos, formigas etc. Embora as crianças sejam o público-alvo, a linguagem utilizada alcança qualquer idade. E não só a linguagem, como bons roteiros e cada personagem, dos divertidos aos mais tocantes.
A fórmula agora é a seguinte: a Pixar é mão-de-obra dos desenhos, enquanto a Disney fica com o marketing e a distribuição. Ou seja: mérito todinho pra Pixar, melhor ainda por suplantar qualquer filme anterior da Disney. Seja em originalidade, criatividade ou até mesmo bom senso. Claro que cada filme a seu tempo, mas compare os antigos essencialmente produzidos e feitos pela Disney com os de hoje, nos quais ela apenas paga pra botar a marca. É covardia.
Um trailer de 1989 feito pela Pixar coloca o "Rei Leão" no chinelo. Cada vez menos clichês e cada vez mais valorização da inteligência da criança. Afinal, elas entendem (e riem de) todas as referências contemporâneas, como não? Ao contrário dos contos de fada politicamente corretos ao extremo, usam o mundo real para exercer suas qualidades gráfico-narrativas.
"Lisbela e o prisioneiro" é mais uma pérola de Guel Arraes, que tem no currículo "O Auto da Compadecida" e "Caramuru", além dos conceituados "Comédias da Vida Privada" e "TV Pirata". Dessa vez a mulher do Caetano bancou a produção e quis fazer um blockbuster brasileiro. Em entrevista, Paula Lavigne diz ficar feliz se conseguir "pelo menos dois milhões de espectadores"...
Ao contrário do que parece, isso não atrapalhou em nada a qualidade do filme. Os atores estão excepcionais, todos eles. Os argumentos, a uma velocidade já característica dos filmes de Guel. Figurinos e trilha sonora feitos sob medida completam a obra-prima. Já vi 3 vezes! (O próximo post será exclusivo sobre Lisbela, quando me alongarei mais sobre o filme)
Logo, é ótimo perceber que o bom cinema nacional ressurgiu de vez, e sem precisar apelar. É disso que o povo gosta, e não das baixarias justificadas por argumento semelhante no horário nobre. O mesmo vale pra Pixar, a verdadeira rainha dos baixinhos. Dêem-nos opções e saberemos escolher a boa parte. Quem tem medo (no caso, de perder audiência) é quem não se garante – e olha que isso a gente aprende no primário...
domingo, 31 de agosto de 2003
Banalizaram o beijo na boca
E o Caetano é um dos culpados. Quando o Tropicalismo já tinha passado do ponto no quesito escândalo, ele e Gil começaram com os hoje famosos "selinhos". Daí não pararam mais, e a especialidade que esse gesto representava esvai-se a cada dia. O interessante é notar que isso é o sintoma de algo mais profundo.
Britney Spears e Madonna são as protagonistas de agora do beijo na boca em público, buscando chocar - mas principalmente buscando manter-se em evidência e produzir factóides que o povo do Rio já conhece muito bem, escolados por Cesar Maia e Garotinho. Não que as ícones pop stars precisem de audiência para além do que fazem na música, mas elas colaboraram para a banalização do beijo na boca da qual estou falando.
Fora a polêmica (premeditada, é óbvio, sabendo que seria extenuamente coberta pela mídia), o que significa aquele beijo das duas? Há pouco Madonna havia esculachado Britney quando esta queria ser uma Madonna um dia. As duas não têm um relacionamento afetivo, não são militantes de nada... Pra que aquele beijo senão pra reafirmar a sociedade do espetáculo na qual estamos inseridos, onde qualquer babaquice produzida por famosos merece divulgação como se fosse utilidade pública?
E banalizam um gesto que - ao menos em nossa cultura ocidental - representa o enlace de amor, a ratificação de que o que existe ali é um namoro e não só amizade. Hoje vivemos assim: o que era especial e reservado para um momento certo é antecipado, banalizado, explorado e, se possível, descartado após o cansaço da ultra-exposição. O beijo na boca é uma das metáforas de nosso contexto. Os sentimentos só ganham valor se a eles forem agregados alguma utilidade ou vantagem a se adquirir.
E assim temos a "indústria romântica", que segue transformando as nobrezas do interior do nosso coração em linha de montagem estúpida. Filmes, literatura, modos de pensar, opiniões formadas... todo o senso comum envolto nessa nova situação.
Contra a banalização do único. Contra o usufruto indevido de gestos significativos demais para serem usados pelos arautos da superficialidade. Chegou a hora de chocar com a simplicidade.
E o Caetano é um dos culpados. Quando o Tropicalismo já tinha passado do ponto no quesito escândalo, ele e Gil começaram com os hoje famosos "selinhos". Daí não pararam mais, e a especialidade que esse gesto representava esvai-se a cada dia. O interessante é notar que isso é o sintoma de algo mais profundo.
Britney Spears e Madonna são as protagonistas de agora do beijo na boca em público, buscando chocar - mas principalmente buscando manter-se em evidência e produzir factóides que o povo do Rio já conhece muito bem, escolados por Cesar Maia e Garotinho. Não que as ícones pop stars precisem de audiência para além do que fazem na música, mas elas colaboraram para a banalização do beijo na boca da qual estou falando.
Fora a polêmica (premeditada, é óbvio, sabendo que seria extenuamente coberta pela mídia), o que significa aquele beijo das duas? Há pouco Madonna havia esculachado Britney quando esta queria ser uma Madonna um dia. As duas não têm um relacionamento afetivo, não são militantes de nada... Pra que aquele beijo senão pra reafirmar a sociedade do espetáculo na qual estamos inseridos, onde qualquer babaquice produzida por famosos merece divulgação como se fosse utilidade pública?
E banalizam um gesto que - ao menos em nossa cultura ocidental - representa o enlace de amor, a ratificação de que o que existe ali é um namoro e não só amizade. Hoje vivemos assim: o que era especial e reservado para um momento certo é antecipado, banalizado, explorado e, se possível, descartado após o cansaço da ultra-exposição. O beijo na boca é uma das metáforas de nosso contexto. Os sentimentos só ganham valor se a eles forem agregados alguma utilidade ou vantagem a se adquirir.
E assim temos a "indústria romântica", que segue transformando as nobrezas do interior do nosso coração em linha de montagem estúpida. Filmes, literatura, modos de pensar, opiniões formadas... todo o senso comum envolto nessa nova situação.
Contra a banalização do único. Contra o usufruto indevido de gestos significativos demais para serem usados pelos arautos da superficialidade. Chegou a hora de chocar com a simplicidade.
sábado, 23 de agosto de 2003
Mídia pubiana
PRIMEIRO PERDÃO: queridos leitores, peço que me desculpem se por vezes este blog possui acidez com freqüência - uma constante raiva expressa por meio do desabafo. Creio que posso parecer um "chato de plantão" se falar sempre no mesmo tom. Peço que compreendam que quase sempre o objetivo destes artigos é que sejam atuais e anti-alienantes. Isso exige que se fale do que está em notícia e que se tente "sacudir" a acomodação que sempre nos ronda. Logo, o contexto é que às vezes não ajuda... Além disso, quando o "sangue sobe" creio que a escrita sai mais fiel.
SEGUNDO PERDÃO: gostaria de falar de algo de mais alto nível, mas a mídia brasileira não me deixa em paz! Clique no GLOBO de hoje: A depilação 'brasileira' que foi parar na Oxford. Como a versão on line não traz a mesma disposição gráfica da impressa, descrevo: mais de 2/4 da página falavam dessa matéria, com uma foto de Gwyneth Paltrow ao centro (vestida, claro!), mais dois boxes (um maior, outro menor) com depoimentos.
Quase como rodapé da página, uma coluninha em que D. Mauro Morelli (recuperando-se de um grave acidente) alerta para a responsabilidade de cada um sobre a fome. Ao lado, em uma coluna menor, a informação sobre o reforço de 5 bi no orçamento da saúde. Mais adiante, em coluna do mesmo tamanho, cinco vereadores de Porto Ferreira (SP), acusados de corrupção, licenciaram-se a fim de não haver quórum para serem cassados.
Como eu posso ficar quieto no meu canto ao me deparar com um crime desses? A mídia, essa empresa privada que presta serviço público (e nos trata como consumidores), investiga mais sobre os pêlos pubianos femininos do que sobre a miséria social e política do Brasil!
Fala-se na "matéria púbica" que o dicionário Oxford classificou um certo tipo de depilação como tipicamente brasileira ("Brazilian wax"). E as partes são ouvidas: uma editora da BBC Brasil, um mestre em lingüística da UFRJ, uma passista, as depiladoras brasileiras de NY, uma escritora norte-americana. Com detalhes físicos e culturais, vão destrinchando (ôpa!) o assunto e informando leitores e leitoras.
Agora, por que um enorme destaque a essa notícia no primeiro caderno, na seção nacional "País"? E por que os demais temas (fome, saúde, corrupção) ficaram subordinados aos diálogos da vagina? E isso no órgão (ôpa!) de informação do Dr. Roberto, o graaaaaaaande jornalista recém-empacotado.
Mais um retrato de a quantas anda a nossa mídia. O pior é que os jornalistas acabam entrando nessas furadas por não terem escolha. São mão-de-obra apenas. Quem decide a ênfase, a tônica, a maneira de abordar, diagramar e publicar são os editores, e daí pra cima.
É essa mídia que tem a oportunidade de mostrar ao brasileiro a realidade social da fome, e ressaltar a luta de um de seus principais combatentes - D. Mauro Morelli, cujo grave acidente não foi capaz de amainar sua mobilização. Mas em uma coluninha?
É essa mídia que tem a oportunidade de esclarecer ao brasileiro se a prioridade a um direito básico - a Saúde - está sendo cumprida pelo Governo. Mas em uma coluninha?
É essa mídia que tem a oportunidade de despertar o brasileiro do "coma político" em que ele adentra depois das eleições, para não dar descanso à classe política no cumprir de seu serviço público. Mas em uma coluninha?
Porém as cercanias do ponto G merecem quase página inteira. E não é na Playboy, e sim num dos maiores jornais do Brasil!
Nunca foi tão ruim ser estudante de jornalismo.
PRIMEIRO PERDÃO: queridos leitores, peço que me desculpem se por vezes este blog possui acidez com freqüência - uma constante raiva expressa por meio do desabafo. Creio que posso parecer um "chato de plantão" se falar sempre no mesmo tom. Peço que compreendam que quase sempre o objetivo destes artigos é que sejam atuais e anti-alienantes. Isso exige que se fale do que está em notícia e que se tente "sacudir" a acomodação que sempre nos ronda. Logo, o contexto é que às vezes não ajuda... Além disso, quando o "sangue sobe" creio que a escrita sai mais fiel.
SEGUNDO PERDÃO: gostaria de falar de algo de mais alto nível, mas a mídia brasileira não me deixa em paz! Clique no GLOBO de hoje: A depilação 'brasileira' que foi parar na Oxford. Como a versão on line não traz a mesma disposição gráfica da impressa, descrevo: mais de 2/4 da página falavam dessa matéria, com uma foto de Gwyneth Paltrow ao centro (vestida, claro!), mais dois boxes (um maior, outro menor) com depoimentos.
Quase como rodapé da página, uma coluninha em que D. Mauro Morelli (recuperando-se de um grave acidente) alerta para a responsabilidade de cada um sobre a fome. Ao lado, em uma coluna menor, a informação sobre o reforço de 5 bi no orçamento da saúde. Mais adiante, em coluna do mesmo tamanho, cinco vereadores de Porto Ferreira (SP), acusados de corrupção, licenciaram-se a fim de não haver quórum para serem cassados.
Como eu posso ficar quieto no meu canto ao me deparar com um crime desses? A mídia, essa empresa privada que presta serviço público (e nos trata como consumidores), investiga mais sobre os pêlos pubianos femininos do que sobre a miséria social e política do Brasil!
Fala-se na "matéria púbica" que o dicionário Oxford classificou um certo tipo de depilação como tipicamente brasileira ("Brazilian wax"). E as partes são ouvidas: uma editora da BBC Brasil, um mestre em lingüística da UFRJ, uma passista, as depiladoras brasileiras de NY, uma escritora norte-americana. Com detalhes físicos e culturais, vão destrinchando (ôpa!) o assunto e informando leitores e leitoras.
Agora, por que um enorme destaque a essa notícia no primeiro caderno, na seção nacional "País"? E por que os demais temas (fome, saúde, corrupção) ficaram subordinados aos diálogos da vagina? E isso no órgão (ôpa!) de informação do Dr. Roberto, o graaaaaaaande jornalista recém-empacotado.
Mais um retrato de a quantas anda a nossa mídia. O pior é que os jornalistas acabam entrando nessas furadas por não terem escolha. São mão-de-obra apenas. Quem decide a ênfase, a tônica, a maneira de abordar, diagramar e publicar são os editores, e daí pra cima.
É essa mídia que tem a oportunidade de mostrar ao brasileiro a realidade social da fome, e ressaltar a luta de um de seus principais combatentes - D. Mauro Morelli, cujo grave acidente não foi capaz de amainar sua mobilização. Mas em uma coluninha?
É essa mídia que tem a oportunidade de esclarecer ao brasileiro se a prioridade a um direito básico - a Saúde - está sendo cumprida pelo Governo. Mas em uma coluninha?
É essa mídia que tem a oportunidade de despertar o brasileiro do "coma político" em que ele adentra depois das eleições, para não dar descanso à classe política no cumprir de seu serviço público. Mas em uma coluninha?
Porém as cercanias do ponto G merecem quase página inteira. E não é na Playboy, e sim num dos maiores jornais do Brasil!
Nunca foi tão ruim ser estudante de jornalismo.
sexta-feira, 22 de agosto de 2003
Preguiça de pensar: o suicídio da democracia
Acompanho a trajetória política do deputado Chico Alencar desde sua gestão à frente da Secretaria Municipal de Educação, no Rio. De lá pra cá, todos os seus mandatos - como vereador, deputado estadual, e agora federal - caracterizaram-se por algo raro na política brasileira: a constante prestação de contas. Malas diretas, informativos, reuniões semanais, encontros em praça pública... Chico Alencar sempre esteve perto de quem o elegeu, sendo inquirido e cobrado, explicando passo a passo seus atos políticos em nome do povo. Sempre, e não apenas em vésperas de eleição.
Há uma semana, Chico foi hostilizado por "manifestantes dos trabalhadores" no Largo de São José, onde presta contas de seu mandato federal. Não teve sequer a chance de discursar, embora tenha feito questão de que os que protestavam falassem. Eles xingaram, gritaram chavões de ordem dignos do século XV. Conversar, discutir idéias? Nada disso. Foram premeditados e decididos à bagunça anti-cidadã. Exerceram a sua "ditadura pessoal" em cima de quem era o menos indicado para ser alvo disso.
(Aliás, parece que a ditadura deixou saudades mesmo. Adoramos um autoritarismo, é venerável puxar saco de algum chefe, buscar "salvadores da pátria" pra nação e assim ter um "homem-forte" pra responder por nós e a quem culpar, pro individual desencargo de consciência. Já dizia Bussunda em 94: "Nesta eleição, os brasileiros vão eleger aquele de quem vão falar mal nos próximos 4 anos!". A ladoreira de Brasília virou folclore, rimos do que nos violenta, num estranho sadomasoquismo autista.)
Chico Alencar está longe disso. Sempre se esforçou, na sua vocação de professor, em ensinar aos eleitores brasileiros o exercício pleno da cidadania por vias democráticas, o voto consciente, a fiscalização dos eleitos. Exige coerência dos eleitores. Exige que lhe exijam coerência, no que faz com prazer e transparência.
Enquanto isso, os verdadeiros obstáculos da democracia riem, sabendo que eles não são incomodados. Afinal, gasta-se energia jogando pedra em vidraças erradas. E os estilhaços vão atingir cada analfabeto político, cada idiota que não se importa com o destino de seu voto ou com o que os eleitos estão fazendo com o dinheiro público, com os destinos do país. Atingirá cada imbecil que pensa que a política é um joguinho de equações reduzidas, e não o lidar com a miscigenada cultura brasileira.
Abaixo, o texto de Chico Alencar sobre o infeliz episódio:
INTOLERÂNCIA DEZ
Nossa prestação de contas semanal no Buraco do Lume - que será feita até o fim do Mandato - ganhou um tom diferente na última sexta feira (15/08). Dirigentes de sindicatos de servidores e militantes do PSTU fizeram lá um protesto contra as mudanças na Previdência. Até aí tudo bem: sempre fomos muito críticos em relação a essa "Reforma" e, por isso, estamos arcando com as conseqüências políticas e disciplinares da nossa posição. Chico e mais dez deputados petistas não deram seu voto ao projeto do nosso Governo - três NÃO, oito ABSTENÇÕES -, descumprindo decisão partidária (o que é sempre sofrido para nós, do PT).
O que causou espanto e alguma indignação foi a forma agressiva como os manifestantes agiram. Muitos não queriam ouvir, e sim gritar e xingar. Revelando desconhecimento do Regimento da Câmara, insistiam em dizer que o voto de Abstenção é o mesmo que Sim, fingindo ignorar que, em Emenda Constitucional, o que conta são 308 votos favoráveis (3/5 do total), sendo qualquer outra atitude contrária à proposta, como destacou o Presidente Genoíno, tentando nos enquadrar no SIM.
Imaginem se no Lume estivesse, por exemplo, o grande Luís Fernando Veríssimo, que em sua coluna do O GLOBO (17/08) disse que a Reforma da Previdência tem "erros e acertos". Provavelmente seria linchado! Quem não distingue os verdadeiros adversários parece querer fazer disputa política menor: faturar com as reais contradições do PT e desgastar a esquerda partidária, "para tomar suas bases". É inadmissível que pessoas da trajetória de um Milton Temer sejam ofendidas. "Botar no poste os traidores", que são todos os que não votaram exatamente do jeito que alguns determinaram, alardeado como o único correto, no velho estilo do dogmatismo medieval ou do stalinismo, só serve para quem é sectário. Enquanto isso o PFL aplaude, a direita sorri. Tomara que os sindicatos não entrem nessa rota estreita e infantil.
Acompanho a trajetória política do deputado Chico Alencar desde sua gestão à frente da Secretaria Municipal de Educação, no Rio. De lá pra cá, todos os seus mandatos - como vereador, deputado estadual, e agora federal - caracterizaram-se por algo raro na política brasileira: a constante prestação de contas. Malas diretas, informativos, reuniões semanais, encontros em praça pública... Chico Alencar sempre esteve perto de quem o elegeu, sendo inquirido e cobrado, explicando passo a passo seus atos políticos em nome do povo. Sempre, e não apenas em vésperas de eleição.
Há uma semana, Chico foi hostilizado por "manifestantes dos trabalhadores" no Largo de São José, onde presta contas de seu mandato federal. Não teve sequer a chance de discursar, embora tenha feito questão de que os que protestavam falassem. Eles xingaram, gritaram chavões de ordem dignos do século XV. Conversar, discutir idéias? Nada disso. Foram premeditados e decididos à bagunça anti-cidadã. Exerceram a sua "ditadura pessoal" em cima de quem era o menos indicado para ser alvo disso.
(Aliás, parece que a ditadura deixou saudades mesmo. Adoramos um autoritarismo, é venerável puxar saco de algum chefe, buscar "salvadores da pátria" pra nação e assim ter um "homem-forte" pra responder por nós e a quem culpar, pro individual desencargo de consciência. Já dizia Bussunda em 94: "Nesta eleição, os brasileiros vão eleger aquele de quem vão falar mal nos próximos 4 anos!". A ladoreira de Brasília virou folclore, rimos do que nos violenta, num estranho sadomasoquismo autista.)
Chico Alencar está longe disso. Sempre se esforçou, na sua vocação de professor, em ensinar aos eleitores brasileiros o exercício pleno da cidadania por vias democráticas, o voto consciente, a fiscalização dos eleitos. Exige coerência dos eleitores. Exige que lhe exijam coerência, no que faz com prazer e transparência.
Enquanto isso, os verdadeiros obstáculos da democracia riem, sabendo que eles não são incomodados. Afinal, gasta-se energia jogando pedra em vidraças erradas. E os estilhaços vão atingir cada analfabeto político, cada idiota que não se importa com o destino de seu voto ou com o que os eleitos estão fazendo com o dinheiro público, com os destinos do país. Atingirá cada imbecil que pensa que a política é um joguinho de equações reduzidas, e não o lidar com a miscigenada cultura brasileira.
Abaixo, o texto de Chico Alencar sobre o infeliz episódio:
INTOLERÂNCIA DEZ
Nossa prestação de contas semanal no Buraco do Lume - que será feita até o fim do Mandato - ganhou um tom diferente na última sexta feira (15/08). Dirigentes de sindicatos de servidores e militantes do PSTU fizeram lá um protesto contra as mudanças na Previdência. Até aí tudo bem: sempre fomos muito críticos em relação a essa "Reforma" e, por isso, estamos arcando com as conseqüências políticas e disciplinares da nossa posição. Chico e mais dez deputados petistas não deram seu voto ao projeto do nosso Governo - três NÃO, oito ABSTENÇÕES -, descumprindo decisão partidária (o que é sempre sofrido para nós, do PT).
O que causou espanto e alguma indignação foi a forma agressiva como os manifestantes agiram. Muitos não queriam ouvir, e sim gritar e xingar. Revelando desconhecimento do Regimento da Câmara, insistiam em dizer que o voto de Abstenção é o mesmo que Sim, fingindo ignorar que, em Emenda Constitucional, o que conta são 308 votos favoráveis (3/5 do total), sendo qualquer outra atitude contrária à proposta, como destacou o Presidente Genoíno, tentando nos enquadrar no SIM.
Imaginem se no Lume estivesse, por exemplo, o grande Luís Fernando Veríssimo, que em sua coluna do O GLOBO (17/08) disse que a Reforma da Previdência tem "erros e acertos". Provavelmente seria linchado! Quem não distingue os verdadeiros adversários parece querer fazer disputa política menor: faturar com as reais contradições do PT e desgastar a esquerda partidária, "para tomar suas bases". É inadmissível que pessoas da trajetória de um Milton Temer sejam ofendidas. "Botar no poste os traidores", que são todos os que não votaram exatamente do jeito que alguns determinaram, alardeado como o único correto, no velho estilo do dogmatismo medieval ou do stalinismo, só serve para quem é sectário. Enquanto isso o PFL aplaude, a direita sorri. Tomara que os sindicatos não entrem nessa rota estreita e infantil.
sábado, 16 de agosto de 2003
Assim eles vivem
Na última quinta-feira pude conferir outra ótima mostra de cinema no CCBB. Era o festival alemão "Assim Vivemos", uma série de documentários, animações e até filmes de ficção sobre o mundo dos portadores de deficiência. Para minha alegria, só documentários foram exibidos nesse dia. Quem assistiu às três produções da tarde saiu de lá enriquecido humanamente.
Criaturas que nascem em segredo é um filme brasileiro sobre nanismo, com vários depoimentos. Um casal de anões no qual a esposa nunca quis namorar um deles, até conhecer o marido - com o qual vive até hoje e teve duas filhas sem a disfunção. Suas falas são hilárias, como a do pai agradecendo a Deus pelas meninas nunca pedirem colo; ou ambos explicando que as filhas, ao crescerem, usavam os móveis e apetrechos dos pais para brincar de casinha. Outros anões contam sua experiência de vida, relatando problemas e preconceitos a serem vencidos até hoje, como: rejeição ou vergonha dos pais (a ponto de, quando crianças, não poderem sair de casa); gozações diárias, a dificuldade em serem aceitos pelo sexo oposto ou no mercado de trabalho. O filme ainda informa que, antigamente, não restava aos anões opções senão o circo ou uma assumida condição de exclusão pública, social, emocional, familiar. Apenas porque nasceram menores que a média.
Minha solidão, sua solidão mostra um dia na vida de um polonês que provavelmente tem paralisia cerebral (isso não é explicado, mas o cara parece o personagem do filme "Meu Pé Esquerdo", com Daniel Day-Lewis). Sempre na cadeira de rodas, membros atrofiados e dificuldade para falar, ele se desloca para o trabalho e demais atividades externas com determinação. Só aceita ajuda em situações que não lhe deixam opção, como ser colocado na cadeira ou vestir-se. No mais, o cara é um jornalista que entrevista as pessoas sabe como? Leva o gravador no colo e uma lista de perguntas para a pessoa. Depois, ouve pausadamente as partes da entrevista e as digita... com o nariz! (Estou digitando essa frase com o meu só pra sentir como é.) E são artigos imensos, a ponto dos editores pedirem para que ele seja mais breve. Ainda são mostradas, quase sem cortes, cenas de suas conversas com uma amiga, sua alimentação e a hora de ir dormir. Um ritmo lento que faz com que nós, espectadores, nos cansemos. Até lembrarmos que o cara enfrenta isso 24 horas por dia...
Minha mãe é uma rainha, graças a Deus, é um documentário. Se fosse ficção, dúvidas iriam pairar sobre sua veracidade, ainda que cravassem o bordão "baseado em fatos reais". Talvez até forjasse maldosas opiniões sobre os escrúpulos do roteirista. É a história de um casal onde a mulher é deficiente física. No que pude perceber, não possui movimentos da cintura pra baixo e tem as mãos atrofiadas. Pois um homem sem nenhum tipo de deficiência se apaixonou por ela, no que foi correspondido. Os dois "abrem o jogo", falando até dos assuntos mais íntimos do casal, como sexo e perguntas sobre a origem dos sentimentos de um pelo outro. Eles têm uma filha, e a mãe deficiente faz desenhos artísticos a lápis... com a boca, que são vendidos para ajudar na renda familiar.
Creio que um dos objetivos de tais filmes é demonstrar que qualquer deficiente, por mais difícil que seja seu problema, pode levar uma vida "normal" (usar essa definição até perde o sentido). É claro que todos eles (à exceção dos anões) possuíam apoio de entidades e condições financeiras para seus equipamentos e estilos de vida. Ainda assim, é deslumbrante acompanhar seus relatos, perceber que eles se aceitam como são. E uma questão à qual estou sendo levado mais uma vez: como preconceitos podem ser tão subjetivos em nós, a ponto de não percebermos que temos opinião formada e tendência comportamental em relação a pessoas que já sofrem por ser diferentes. Isso é cruel.
Ao mesmo tempo, é inevitável sentir-se bem por não ser deficiente. Mas ainda assim, questionar por que somos tão insatisfeitos com o que somos, às vezes inquiridores demais da Providência Divina com os rumos de nossa vida. Ou com a qualidade de nossos contornos em um mundo consumista e descartável, publicista da vaidade como virtude inquestionável, formando adoradores do corpo perfeito nunca atingível, criadores de culpas e terrores emocionais. Assim vivemos.
Na última quinta-feira pude conferir outra ótima mostra de cinema no CCBB. Era o festival alemão "Assim Vivemos", uma série de documentários, animações e até filmes de ficção sobre o mundo dos portadores de deficiência. Para minha alegria, só documentários foram exibidos nesse dia. Quem assistiu às três produções da tarde saiu de lá enriquecido humanamente.
Criaturas que nascem em segredo é um filme brasileiro sobre nanismo, com vários depoimentos. Um casal de anões no qual a esposa nunca quis namorar um deles, até conhecer o marido - com o qual vive até hoje e teve duas filhas sem a disfunção. Suas falas são hilárias, como a do pai agradecendo a Deus pelas meninas nunca pedirem colo; ou ambos explicando que as filhas, ao crescerem, usavam os móveis e apetrechos dos pais para brincar de casinha. Outros anões contam sua experiência de vida, relatando problemas e preconceitos a serem vencidos até hoje, como: rejeição ou vergonha dos pais (a ponto de, quando crianças, não poderem sair de casa); gozações diárias, a dificuldade em serem aceitos pelo sexo oposto ou no mercado de trabalho. O filme ainda informa que, antigamente, não restava aos anões opções senão o circo ou uma assumida condição de exclusão pública, social, emocional, familiar. Apenas porque nasceram menores que a média.
Minha solidão, sua solidão mostra um dia na vida de um polonês que provavelmente tem paralisia cerebral (isso não é explicado, mas o cara parece o personagem do filme "Meu Pé Esquerdo", com Daniel Day-Lewis). Sempre na cadeira de rodas, membros atrofiados e dificuldade para falar, ele se desloca para o trabalho e demais atividades externas com determinação. Só aceita ajuda em situações que não lhe deixam opção, como ser colocado na cadeira ou vestir-se. No mais, o cara é um jornalista que entrevista as pessoas sabe como? Leva o gravador no colo e uma lista de perguntas para a pessoa. Depois, ouve pausadamente as partes da entrevista e as digita... com o nariz! (Estou digitando essa frase com o meu só pra sentir como é.) E são artigos imensos, a ponto dos editores pedirem para que ele seja mais breve. Ainda são mostradas, quase sem cortes, cenas de suas conversas com uma amiga, sua alimentação e a hora de ir dormir. Um ritmo lento que faz com que nós, espectadores, nos cansemos. Até lembrarmos que o cara enfrenta isso 24 horas por dia...
Minha mãe é uma rainha, graças a Deus, é um documentário. Se fosse ficção, dúvidas iriam pairar sobre sua veracidade, ainda que cravassem o bordão "baseado em fatos reais". Talvez até forjasse maldosas opiniões sobre os escrúpulos do roteirista. É a história de um casal onde a mulher é deficiente física. No que pude perceber, não possui movimentos da cintura pra baixo e tem as mãos atrofiadas. Pois um homem sem nenhum tipo de deficiência se apaixonou por ela, no que foi correspondido. Os dois "abrem o jogo", falando até dos assuntos mais íntimos do casal, como sexo e perguntas sobre a origem dos sentimentos de um pelo outro. Eles têm uma filha, e a mãe deficiente faz desenhos artísticos a lápis... com a boca, que são vendidos para ajudar na renda familiar.
Creio que um dos objetivos de tais filmes é demonstrar que qualquer deficiente, por mais difícil que seja seu problema, pode levar uma vida "normal" (usar essa definição até perde o sentido). É claro que todos eles (à exceção dos anões) possuíam apoio de entidades e condições financeiras para seus equipamentos e estilos de vida. Ainda assim, é deslumbrante acompanhar seus relatos, perceber que eles se aceitam como são. E uma questão à qual estou sendo levado mais uma vez: como preconceitos podem ser tão subjetivos em nós, a ponto de não percebermos que temos opinião formada e tendência comportamental em relação a pessoas que já sofrem por ser diferentes. Isso é cruel.
Ao mesmo tempo, é inevitável sentir-se bem por não ser deficiente. Mas ainda assim, questionar por que somos tão insatisfeitos com o que somos, às vezes inquiridores demais da Providência Divina com os rumos de nossa vida. Ou com a qualidade de nossos contornos em um mundo consumista e descartável, publicista da vaidade como virtude inquestionável, formando adoradores do corpo perfeito nunca atingível, criadores de culpas e terrores emocionais. Assim vivemos.
terça-feira, 12 de agosto de 2003
Não sabe brincar... não brinca?
Mais um acontecimento ridículo a ganhar primeira página, manchete garrafal e ampla cobertura de nossa mídia: Estudante joga galinha preta em Marta Suplicy. Ela discursava no Centro Acadêmico XI de agosto, na faculdade de direito da USP - um santuário das manifestações democráticas estudantis desde o Estado Novo. Em meio ao discurso, a fêmea galinácea foi aos pés da mãe do Supla.
A prefeita permitiu que o "atirador" fizesse seu protesto ali do palanque, como que dizendo que democracia era o que ela fazia, não ele. Uma moça (provavelmente sua assessora) arrancou o microfone do rapaz depois de algumas palavras e virou-se com ar sério para Marta, como se dissesse: "Assim já e demais, né, chefe?". Os detalhes da cena eu não li, assisti no Jornal da Band.
Mais um acontecimento ridículo que traz sérias observações sobre nossa democracia e senso de cidadania.
Tanto da parte do jovem como da experiente política Marta Suplicy foi demonstrado que nós, brasileiros (e os políticos que elegemos), ainda não sabemos lidar com preciosidades como democracia e liberdade de expressão. E por não sabermos lidar, não temos paciência pra aprender. Acabamos achando que o erro está nas preciosidades, não nos seus manuseadores pseudo-garimpeiros.
Não sei qual era a real intenção do rapaz, mas quem iria levar a sério aquele protesto? Quando que atirar uma galinha contra a prefeita pode ser encarado como "oposição construtiva"? O que ele quis dizer, afinal? O próprio fez questão de nos esclarecer: "A Marta é um caso que se resolve só com despacho". Puxa, que resposta original! Que sacada genial! Além disso, que mais? Mais nada. Só um "faz-me rir" pro pão e circo cotidiano-midiático.
E Marta Suplicy? Que necessidade havia de dar voz, audiência e visibilidade a um protesto digno do Programa do Ratinho? E ainda ficar ali do lado, agüentando (e fazendo os demais presentes agüentarem junto) as "propostas" do atirador de aves? A ponto de uma assessora ter que cortar o clima constrangedor e, pelo que a TV mostrou, passar um pito na prefeita.
A liberdade de expressão é uma faca de dois gumes que requer técnica apurada para utilizá-la, se quisermos utilizá-la de maneira a contribuir para a democracia. O jovem desperdiçou a oportunidade do protesto, tacou a galinha e ficou surpreso ao ser recompensado por isso. Marta desperdiçou a oportunidade de valorizar protestos legítimos e feitos por gente que leva esse direito a sério - que não era o caso do jovem.
E a mídia dá destaque, a gente acha ridículo (com razão, embora mais ridículo seja o destaque da mídia) e acha que política é isso aí: um bando de malucos tentando sempre garantir o seu, com o bom senso mandando lembrança. Eu vou lá me importar com isso? Eu vou lá me importar com voto, eleição, fiscalização dos eleitos? Pra ver prefeita x galinha? E tem mais: pra mim, liberdade de expressão, só pra ver mulher pelada na telinha!
E aí não nos preocupamos com a qualidade da cobertura dos jornais, com a responsabilidade dos políticos, com as sutis manipulações da opinião pública. Ou pior: chegamos a nos preocupar, mas não estamos nem aí pra mudar a situação, pra perceber no que somos responsáveis (a começar pelo voto). Deixa rolar, não é comigo mesmo. Ô individualismo anestésico e suicida...
Se não tivermos disposição em nos aperfeiçoarmos no exercício democrático e no devido uso da liberdade de expressão - sendo críticos na avaliação dos meios de comunicação e da classe política - vale o ditado: não sabe brincar, não brinca. Mas e se brincarem pela gente?
Mais um acontecimento ridículo a ganhar primeira página, manchete garrafal e ampla cobertura de nossa mídia: Estudante joga galinha preta em Marta Suplicy. Ela discursava no Centro Acadêmico XI de agosto, na faculdade de direito da USP - um santuário das manifestações democráticas estudantis desde o Estado Novo. Em meio ao discurso, a fêmea galinácea foi aos pés da mãe do Supla.
A prefeita permitiu que o "atirador" fizesse seu protesto ali do palanque, como que dizendo que democracia era o que ela fazia, não ele. Uma moça (provavelmente sua assessora) arrancou o microfone do rapaz depois de algumas palavras e virou-se com ar sério para Marta, como se dissesse: "Assim já e demais, né, chefe?". Os detalhes da cena eu não li, assisti no Jornal da Band.
Mais um acontecimento ridículo que traz sérias observações sobre nossa democracia e senso de cidadania.
Tanto da parte do jovem como da experiente política Marta Suplicy foi demonstrado que nós, brasileiros (e os políticos que elegemos), ainda não sabemos lidar com preciosidades como democracia e liberdade de expressão. E por não sabermos lidar, não temos paciência pra aprender. Acabamos achando que o erro está nas preciosidades, não nos seus manuseadores pseudo-garimpeiros.
Não sei qual era a real intenção do rapaz, mas quem iria levar a sério aquele protesto? Quando que atirar uma galinha contra a prefeita pode ser encarado como "oposição construtiva"? O que ele quis dizer, afinal? O próprio fez questão de nos esclarecer: "A Marta é um caso que se resolve só com despacho". Puxa, que resposta original! Que sacada genial! Além disso, que mais? Mais nada. Só um "faz-me rir" pro pão e circo cotidiano-midiático.
E Marta Suplicy? Que necessidade havia de dar voz, audiência e visibilidade a um protesto digno do Programa do Ratinho? E ainda ficar ali do lado, agüentando (e fazendo os demais presentes agüentarem junto) as "propostas" do atirador de aves? A ponto de uma assessora ter que cortar o clima constrangedor e, pelo que a TV mostrou, passar um pito na prefeita.
A liberdade de expressão é uma faca de dois gumes que requer técnica apurada para utilizá-la, se quisermos utilizá-la de maneira a contribuir para a democracia. O jovem desperdiçou a oportunidade do protesto, tacou a galinha e ficou surpreso ao ser recompensado por isso. Marta desperdiçou a oportunidade de valorizar protestos legítimos e feitos por gente que leva esse direito a sério - que não era o caso do jovem.
E a mídia dá destaque, a gente acha ridículo (com razão, embora mais ridículo seja o destaque da mídia) e acha que política é isso aí: um bando de malucos tentando sempre garantir o seu, com o bom senso mandando lembrança. Eu vou lá me importar com isso? Eu vou lá me importar com voto, eleição, fiscalização dos eleitos? Pra ver prefeita x galinha? E tem mais: pra mim, liberdade de expressão, só pra ver mulher pelada na telinha!
E aí não nos preocupamos com a qualidade da cobertura dos jornais, com a responsabilidade dos políticos, com as sutis manipulações da opinião pública. Ou pior: chegamos a nos preocupar, mas não estamos nem aí pra mudar a situação, pra perceber no que somos responsáveis (a começar pelo voto). Deixa rolar, não é comigo mesmo. Ô individualismo anestésico e suicida...
Se não tivermos disposição em nos aperfeiçoarmos no exercício democrático e no devido uso da liberdade de expressão - sendo críticos na avaliação dos meios de comunicação e da classe política - vale o ditado: não sabe brincar, não brinca. Mas e se brincarem pela gente?
domingo, 10 de agosto de 2003
A morte absolve
Vão me chamar de insensível ou de politicamente incorreto por abordar este assunto logo após a morte de Roberto Marinho. Mas como este blog será um dos poucos (senão o único) veículos de comunicação a falar disso, vou em frente. Impressiona a capacidade da morte em absolver as pessoas, ou ao menos atenuar seu histórico.
O patriarca das Organizações Globo é tratado como jornalista, não empresário; como alguém que apostou no Brasil, que amou o país; alguém que sempre valorizou a cultura; que achava que o jornal deveria tomar posições políticas; etc e tal. E isso não apenas nas palavras de seu conglomerado, mas de concorrentes históricos e até mesmo de desafetos correntes (Brizola chamando Marinho de "adversário cortês" é um insulto a minha inteligência).
As homenagens a Roberto Marinho são capitalizadas ao extremo pela Globo (talvez saia do ameaçador abismo do "vermelho" em suas contas por um tempo). E, com a competência de sempre, inculcam nas mentes de milhões de brasileiros a magnânima figura do patriarca. Parece um herói que conta apenas com virtudes, que colaborou apenas para o bom serviço do país.
Será apagada da nossa memória a conivência da Globo com a ditadura; a teimosia em não cobrir o movimento "Diretas Já", até o povo gritar nas imagens de outros canais "O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo". Também esqueceremos da edição do debate final entre Collor e Lula, decisivo para as urnas (mais a edição que o debate) para isso, aceitaremos a desculpa de Dr. Roberto, dizendo que "se equivocou" ao apoiar Jânio e Collor. Pequenos equívocos daquele que pouco poder possuía, do tipo que recebia candidatos a presidência em época de eleições para "conversas amenas".
Esqueceremos do monopólio da Rede Globo (99% do território nacional em transmissão), suprimindo as produções regionais e praticando "canibalismo" com os demais canais, tirando seus expoentes para "domesticá-los" no Jardim Botânico. Esqueceremos da censura ao documentário Muito Além do Cidadão Kane, da BBC de Londres, que tratava dos escândalos escondidos da Globo, bem como seus prejuízos para a sociedade. Um vídeo que contribuiria para o esclarecimento dos cidadãos, um princípio sempre apregoado pela ilibada carreira do Dr. Roberto.
O que vai ficar é o lema da Fundação Roberto Marinho: Educação é tudo. A mesma fonte que professa tal lema é a que nos traz loiras alienantes de crianças; que produz o raso e sempre tendencioso jornalismo na hora do jantar; que pela teledramaturgia explorou a situação difícil em que artistas perseguidos pela ditadura se encontravam na década de 70 (sem emprego) para dali sedimentar sua ideologia, sutilmente manipuladora de consciências. (Boni diz que a TV não tem a capacidade de mudar comportamentos. Outro insulto a minha inteligência)
A história, em nossa "Idade Mídia", como diz Ramonet, será contada com a cômoda comoção que a morte proporciona para tal objetivo. É preciso respeito ao luto, à família, ao protocolo, à memória. Agora não é hora para questionamentos sobre o legado. Nunca vai ser a hora para pensar se Dr. Roberto apostou tanto ou amou tanto o país como se diz. Se não amou mais seu poder consolidado em influenciar os destinos desse país em questão.
O luto oficial é de três dias. O luto de se enxergar os meios de comunicação como espaços democráticos e transparentes, esse, paradoxalmente, está mais vivo do que nunca. Parabéns, Dr. Roberto.
Vão me chamar de insensível ou de politicamente incorreto por abordar este assunto logo após a morte de Roberto Marinho. Mas como este blog será um dos poucos (senão o único) veículos de comunicação a falar disso, vou em frente. Impressiona a capacidade da morte em absolver as pessoas, ou ao menos atenuar seu histórico.
O patriarca das Organizações Globo é tratado como jornalista, não empresário; como alguém que apostou no Brasil, que amou o país; alguém que sempre valorizou a cultura; que achava que o jornal deveria tomar posições políticas; etc e tal. E isso não apenas nas palavras de seu conglomerado, mas de concorrentes históricos e até mesmo de desafetos correntes (Brizola chamando Marinho de "adversário cortês" é um insulto a minha inteligência).
As homenagens a Roberto Marinho são capitalizadas ao extremo pela Globo (talvez saia do ameaçador abismo do "vermelho" em suas contas por um tempo). E, com a competência de sempre, inculcam nas mentes de milhões de brasileiros a magnânima figura do patriarca. Parece um herói que conta apenas com virtudes, que colaborou apenas para o bom serviço do país.
Será apagada da nossa memória a conivência da Globo com a ditadura; a teimosia em não cobrir o movimento "Diretas Já", até o povo gritar nas imagens de outros canais "O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo". Também esqueceremos da edição do debate final entre Collor e Lula, decisivo para as urnas (mais a edição que o debate) para isso, aceitaremos a desculpa de Dr. Roberto, dizendo que "se equivocou" ao apoiar Jânio e Collor. Pequenos equívocos daquele que pouco poder possuía, do tipo que recebia candidatos a presidência em época de eleições para "conversas amenas".
Esqueceremos do monopólio da Rede Globo (99% do território nacional em transmissão), suprimindo as produções regionais e praticando "canibalismo" com os demais canais, tirando seus expoentes para "domesticá-los" no Jardim Botânico. Esqueceremos da censura ao documentário Muito Além do Cidadão Kane, da BBC de Londres, que tratava dos escândalos escondidos da Globo, bem como seus prejuízos para a sociedade. Um vídeo que contribuiria para o esclarecimento dos cidadãos, um princípio sempre apregoado pela ilibada carreira do Dr. Roberto.
O que vai ficar é o lema da Fundação Roberto Marinho: Educação é tudo. A mesma fonte que professa tal lema é a que nos traz loiras alienantes de crianças; que produz o raso e sempre tendencioso jornalismo na hora do jantar; que pela teledramaturgia explorou a situação difícil em que artistas perseguidos pela ditadura se encontravam na década de 70 (sem emprego) para dali sedimentar sua ideologia, sutilmente manipuladora de consciências. (Boni diz que a TV não tem a capacidade de mudar comportamentos. Outro insulto a minha inteligência)
A história, em nossa "Idade Mídia", como diz Ramonet, será contada com a cômoda comoção que a morte proporciona para tal objetivo. É preciso respeito ao luto, à família, ao protocolo, à memória. Agora não é hora para questionamentos sobre o legado. Nunca vai ser a hora para pensar se Dr. Roberto apostou tanto ou amou tanto o país como se diz. Se não amou mais seu poder consolidado em influenciar os destinos desse país em questão.
O luto oficial é de três dias. O luto de se enxergar os meios de comunicação como espaços democráticos e transparentes, esse, paradoxalmente, está mais vivo do que nunca. Parabéns, Dr. Roberto.
quinta-feira, 7 de agosto de 2003
Um justo reconhecimento
É hora de falar de alguns links que coloquei aí do lado... A começar pelos mais importantes: MEUS AMIGOS BLOGUEIROS. Se você nunca se aventurou pelo mundo deles, talvez mude de idéia depois das opiniões abaixo:
INFINITAMENTE MAIOR QUE EU é o blog da minha queridíssima amiga Isabelle, futura formanda de jornalismo e cinema na UFF. A PoetIsa é escritora por vocação e sempre publica ali seus poemas e/ou crônicas. Mas o que gosto mesmo é a capacidade da autora em descrever seu dia e demais situações vividas em textos que não se enquadram em nenhum estilo literário - saindo-se originais - e cheios de sensibilidade, metáforas sobre a vida e o sinuoso caminho do escritor. Em breve, Isa vai publicar trechos de seu romance no blog. É isso mesmo: ela já escreveu um romance! Além de tudo, é precoce.
LANCHES é um blog que já agrada pelo diferente nome e pelo visual: uma clássica toalha de mesa quadriculada (como nas cantinas italianas, ou: a que parece a camisa da seleção da Croácia), um cardápio com demais opções blogueiras logo ao lado e criatividade nos posts e demais gráficos. Feito por Ivan Franklin e Adriano, que é meu colega de UFF e filho do Robertinho do Recife! O cara tem cultura no sangue. Pode estar certo que assuntos do dia ou da semana serão "cozinhados" por eles. E você pode "cozinhar" também!
ACROSS MY UNIVERSE é feito por uma boa parcela da inteligência brasileira: Louise Araújo. Eclética e polivalente, ela aborda com ótimas sacadas todo tipo de assunto, sempre linkando seus posts para que a fonte das discussões seja consultada. (Exemplo: se vai falar a partir de uma matéria ou notícia, no próprio post podemos ler a tal matéria ou notícia) Acho ótimo, é formadora de opinião que ajuda a formar formadores de opinião. Mérito da beatlemaníaca!
(IN)TENSO é o blog de um marcante amigo, Henrique Blecher. Outro escritor por vocação, que só agora descobriu que o blog é um "jardim" ideal para desabafar, publicar e compartilhar seu talento literário e suas idéias e ideais. Sente-se à vontade na poesia, deixando os leitores com a mesma sensação. E ainda comenta o que vem lendo e assistindo, o cinéfilo. Externamente e internamente, só alta qualidade produzida diariamente. Imperdível!
Que qui tu tá esperando?????
É hora de falar de alguns links que coloquei aí do lado... A começar pelos mais importantes: MEUS AMIGOS BLOGUEIROS. Se você nunca se aventurou pelo mundo deles, talvez mude de idéia depois das opiniões abaixo:
INFINITAMENTE MAIOR QUE EU é o blog da minha queridíssima amiga Isabelle, futura formanda de jornalismo e cinema na UFF. A PoetIsa é escritora por vocação e sempre publica ali seus poemas e/ou crônicas. Mas o que gosto mesmo é a capacidade da autora em descrever seu dia e demais situações vividas em textos que não se enquadram em nenhum estilo literário - saindo-se originais - e cheios de sensibilidade, metáforas sobre a vida e o sinuoso caminho do escritor. Em breve, Isa vai publicar trechos de seu romance no blog. É isso mesmo: ela já escreveu um romance! Além de tudo, é precoce.
LANCHES é um blog que já agrada pelo diferente nome e pelo visual: uma clássica toalha de mesa quadriculada (como nas cantinas italianas, ou: a que parece a camisa da seleção da Croácia), um cardápio com demais opções blogueiras logo ao lado e criatividade nos posts e demais gráficos. Feito por Ivan Franklin e Adriano, que é meu colega de UFF e filho do Robertinho do Recife! O cara tem cultura no sangue. Pode estar certo que assuntos do dia ou da semana serão "cozinhados" por eles. E você pode "cozinhar" também!
ACROSS MY UNIVERSE é feito por uma boa parcela da inteligência brasileira: Louise Araújo. Eclética e polivalente, ela aborda com ótimas sacadas todo tipo de assunto, sempre linkando seus posts para que a fonte das discussões seja consultada. (Exemplo: se vai falar a partir de uma matéria ou notícia, no próprio post podemos ler a tal matéria ou notícia) Acho ótimo, é formadora de opinião que ajuda a formar formadores de opinião. Mérito da beatlemaníaca!
(IN)TENSO é o blog de um marcante amigo, Henrique Blecher. Outro escritor por vocação, que só agora descobriu que o blog é um "jardim" ideal para desabafar, publicar e compartilhar seu talento literário e suas idéias e ideais. Sente-se à vontade na poesia, deixando os leitores com a mesma sensação. E ainda comenta o que vem lendo e assistindo, o cinéfilo. Externamente e internamente, só alta qualidade produzida diariamente. Imperdível!
Que qui tu tá esperando?????
domingo, 3 de agosto de 2003
A esperança morre se não tiver boca-a-boca da iniciativa
Chegou. Olhou. Criou expectativa. Com ela, a esperança. O processo de mudança interna pelo qual passava parecia dar seus primeiros frutos. Tomar a iniciativa parecia ser uma tarefa mais fácil, mesmo que fosse apenas por um olhar. Para sua surpresa, um olhar que encontrou reciprocidade, amabilidade. Uma boa noite à vista.
O lugar enchendo de gente e a direção do olhar garantida entre ele e ela. Os amigos à volta de cada um, mesas diferentes. Os risos, as piadas, os parabéns, a boa noite enriquecendo sua promessa. Outro olhar, dessa vez mais longo. Contudo, ele sem saber direito o que fazer, por um motivo terrível: medo.
Medo de que alguém perceba o flerte à distância e atrapalhe seus discretos planos. Primeiro esse contato visual, depois puxar assunto. Mas o medo da audiência o petrificava. Após um terceiro olhar, não sabia mais o que fazer. Até sabia, poderia chegar mais perto, mas tinha medo. Medo de o "zoarem", medo da opinião dos outros.
Sentia-se ridículo por perceber que se importava tanto com o que os outros poderiam dizer ou fazer a respeito. Parecia não ter personalidade para ignorar os que nada tinham a ver com isso e ir direto à resposta de seus anseios naquela noite. Tal inércia o fazia sentir-se ainda pior.
O tempo foi passando e as expectativas se resumiram a um contato posterior, mascarado talvez pela capa da internet - o que com certeza lhe daria mais segurança nas palavras, no agir. E o melhor: sem audiência.
As mesas esvaziaram-se, chegou mais perto, sentou em frente. Ela virada de costas, falando com alguém. Inexplicavelmente, todo o seu jeito extrovertido, seu amplo vocabulário e sua habilidade com as palavras o boicotavam. Completamente mudo, sabendo que precisava (e podia) dizer alguma coisa. Qualquer coisa! Fale! Fale!
Nada. Medo.
Sentiu vergonha de ter medo.
(A internet. Ali é mais fácil. O pouco contato pessoal aprofundado pela rede. É isso. Só isso. Tem que ser isso.)
Outro chegou e sentou junto. Ela imediatamente virou-se. O outro era tudo o que ele tinha que ser até então. Mas agora era tarde. Foi-se a chance, dissiparam-se os olhares. A boa noite havia acabado sem ter nascido. Aborto espontâneo.
De sobra, o martírio de presenciar a chance perdida, as expectativas agonizando sofregamente, a esperança morrendo. A internet não conseguiria dar conta de tantos reveses.
Sentiu-se derrotado. Fracassado. Perdeu feio pro medo, perdeu feio pra si mesmo. A iniciativa não aparecera conforme tudo levava a crer. Perdeu, momentaneamente, a capacidade de crer.
Ao final, um "tchau" simples, seco, sóbrio. Nada a ver com os primeiros olhares.
É difícil levantar a cabeça após o quase.
Chegou. Olhou. Criou expectativa. Com ela, a esperança. O processo de mudança interna pelo qual passava parecia dar seus primeiros frutos. Tomar a iniciativa parecia ser uma tarefa mais fácil, mesmo que fosse apenas por um olhar. Para sua surpresa, um olhar que encontrou reciprocidade, amabilidade. Uma boa noite à vista.
O lugar enchendo de gente e a direção do olhar garantida entre ele e ela. Os amigos à volta de cada um, mesas diferentes. Os risos, as piadas, os parabéns, a boa noite enriquecendo sua promessa. Outro olhar, dessa vez mais longo. Contudo, ele sem saber direito o que fazer, por um motivo terrível: medo.
Medo de que alguém perceba o flerte à distância e atrapalhe seus discretos planos. Primeiro esse contato visual, depois puxar assunto. Mas o medo da audiência o petrificava. Após um terceiro olhar, não sabia mais o que fazer. Até sabia, poderia chegar mais perto, mas tinha medo. Medo de o "zoarem", medo da opinião dos outros.
Sentia-se ridículo por perceber que se importava tanto com o que os outros poderiam dizer ou fazer a respeito. Parecia não ter personalidade para ignorar os que nada tinham a ver com isso e ir direto à resposta de seus anseios naquela noite. Tal inércia o fazia sentir-se ainda pior.
O tempo foi passando e as expectativas se resumiram a um contato posterior, mascarado talvez pela capa da internet - o que com certeza lhe daria mais segurança nas palavras, no agir. E o melhor: sem audiência.
As mesas esvaziaram-se, chegou mais perto, sentou em frente. Ela virada de costas, falando com alguém. Inexplicavelmente, todo o seu jeito extrovertido, seu amplo vocabulário e sua habilidade com as palavras o boicotavam. Completamente mudo, sabendo que precisava (e podia) dizer alguma coisa. Qualquer coisa! Fale! Fale!
Nada. Medo.
Sentiu vergonha de ter medo.
(A internet. Ali é mais fácil. O pouco contato pessoal aprofundado pela rede. É isso. Só isso. Tem que ser isso.)
Outro chegou e sentou junto. Ela imediatamente virou-se. O outro era tudo o que ele tinha que ser até então. Mas agora era tarde. Foi-se a chance, dissiparam-se os olhares. A boa noite havia acabado sem ter nascido. Aborto espontâneo.
De sobra, o martírio de presenciar a chance perdida, as expectativas agonizando sofregamente, a esperança morrendo. A internet não conseguiria dar conta de tantos reveses.
Sentiu-se derrotado. Fracassado. Perdeu feio pro medo, perdeu feio pra si mesmo. A iniciativa não aparecera conforme tudo levava a crer. Perdeu, momentaneamente, a capacidade de crer.
Ao final, um "tchau" simples, seco, sóbrio. Nada a ver com os primeiros olhares.
É difícil levantar a cabeça após o quase.
quinta-feira, 31 de julho de 2003
Ô raça branca!
Que é o porta-voz? Alguém escolhido previamente por determinada figura ou instituição pública para que manifeste publicamente a opinião da pessoa ou órgão. Principalmente para serem jogados às feras da imprensa em entrevistas coletivas. O porta-voz não emite a própria opinião, mas é de se esperar que tenha o pensamento parecido com o de seus chefes. Assim, a fidelidade e credibilidade da informação apresentada são mais garantidas.
Uma das grandes surpresas da atualidade é que os porta-vozes estão se tornando uma classe cada vez mais independente, mas sem perceberem. Ao terem oportunidade pública de manifestarem determinada opinião de determinado estrato social/cultural etc, estão mais desprendidos para essa missão. Mesmo que não sejam porta-vozes oficiais, escalados para tal.
Exemplo: hoje um desses programas de fofoca da tarde (não, eu não vejo, mas minha avó estava vendo e eu prestei atenção em um trecho. Pode zoar, dizendo que é conversa fiada, que eu critico mas assisto. Sei que minha consciência está tranqüila!) informava que a bala perdida que matará a personagem da novela das oito virá de um assalto. E que os atores escolhidos para interpretarem os marginais são os mesmos de "Cidade de Deus". No que ASTRID FONTENELLE (faço questão de dizer quem é) dispara:
"Mas tinha que ser mesmo! Não vai ser o playboy branquinho que vai atirar bala perdida, mas aqueles pretos da favela!"
Astrid enterrou de vez sua carreira. De promissora VJ dos embriões da MTV, ex-apresentadora de um ótimo programa de entrevistas ("Pé na Cozinha", na emissora musical mesmo), ela assume o que de fato é: porta-voz informal. A cretina entonação de sua voz era a mesma de quando respondemos a uma pergunta imbecil. Manoel Carlos agradece, boa parte da Zona Sul cercada de morros agradece, todos os que concordam plenamente com a tresloucada Astrid agradecem a prestação de seu serviço. Preto favelado é marginal. Playboy branquinho não é.
Sim, você pode pensar que a maioria dos marginais (ou seja, que estão à margem da cidadania, da sociedade, dos direitos) são de cor negra, e que poderia ficar inverossímil para o público de massa de "Mulheres Apaixonadas" algo diferente. Mas a ação dos porta-vozes é eficaz, não se iludam. O cientista político Hélio Santos afirma: "Ninguém nasce racista". E como difundir o racismo? Em doses certeiras que despertam o (in)consciente coletivo, que torce baixinho para que um porta-voz apareça de vez em quando para estereotipar, descer a lenha na auto-estima de quem já passou por 350 anos de escravidão e até hoje sofre as conseqüências disso.
Os frutos dessas irresponsabilidades não-assumidas (ou responsabilizadas como devem ser)? Obstáculos para o negro ter a chance de se afirmar, de vencer preconceitos e barreiras veladas apenas porque é de cor diferente. APENAS PORQUE É DE COR DIFERENTE! DE PELE DIFERENTE, DE SUPERFÍCIE DIFERENTE! Todo mundo sabe que acontece, e todo mundo se cala! Quem tem amigos negros: pense neles. Pense no que passam e no que você e eu, brancos, nunca vamos passar. Além disso tudo, ter que ouvir porta-vozes escrotos reforçando a violência e a raiva da qual tanto se protegem.
Emocionalmente, acabei gastando linhas com esse descarado desserviço de um lixo cultural da pior qualidade. Mas as sutilezas são mais nocivas. Tanto que eu e você, que concorda com o descrito neste artigo, podemos estar encampando sem saber. Afinal, a Cidade de Deus é o lugar mais perigoso do Rio, não é? Aquele neguinho do outro lado da rua é o favorito para bater nossa carteira, não é? Ação afirmativa é dizer sim ao negro quando o emprego é de jogador de futebol, porteiro, empregada doméstica, zelador, faxineiro, não é? Ainda que sejam todas profissões dignas. Você as acha dignas, não é?
Somos todos criação de Deus, componentes da raça humana.
Que é o porta-voz? Alguém escolhido previamente por determinada figura ou instituição pública para que manifeste publicamente a opinião da pessoa ou órgão. Principalmente para serem jogados às feras da imprensa em entrevistas coletivas. O porta-voz não emite a própria opinião, mas é de se esperar que tenha o pensamento parecido com o de seus chefes. Assim, a fidelidade e credibilidade da informação apresentada são mais garantidas.
Uma das grandes surpresas da atualidade é que os porta-vozes estão se tornando uma classe cada vez mais independente, mas sem perceberem. Ao terem oportunidade pública de manifestarem determinada opinião de determinado estrato social/cultural etc, estão mais desprendidos para essa missão. Mesmo que não sejam porta-vozes oficiais, escalados para tal.
Exemplo: hoje um desses programas de fofoca da tarde (não, eu não vejo, mas minha avó estava vendo e eu prestei atenção em um trecho. Pode zoar, dizendo que é conversa fiada, que eu critico mas assisto. Sei que minha consciência está tranqüila!) informava que a bala perdida que matará a personagem da novela das oito virá de um assalto. E que os atores escolhidos para interpretarem os marginais são os mesmos de "Cidade de Deus". No que ASTRID FONTENELLE (faço questão de dizer quem é) dispara:
"Mas tinha que ser mesmo! Não vai ser o playboy branquinho que vai atirar bala perdida, mas aqueles pretos da favela!"
Astrid enterrou de vez sua carreira. De promissora VJ dos embriões da MTV, ex-apresentadora de um ótimo programa de entrevistas ("Pé na Cozinha", na emissora musical mesmo), ela assume o que de fato é: porta-voz informal. A cretina entonação de sua voz era a mesma de quando respondemos a uma pergunta imbecil. Manoel Carlos agradece, boa parte da Zona Sul cercada de morros agradece, todos os que concordam plenamente com a tresloucada Astrid agradecem a prestação de seu serviço. Preto favelado é marginal. Playboy branquinho não é.
Sim, você pode pensar que a maioria dos marginais (ou seja, que estão à margem da cidadania, da sociedade, dos direitos) são de cor negra, e que poderia ficar inverossímil para o público de massa de "Mulheres Apaixonadas" algo diferente. Mas a ação dos porta-vozes é eficaz, não se iludam. O cientista político Hélio Santos afirma: "Ninguém nasce racista". E como difundir o racismo? Em doses certeiras que despertam o (in)consciente coletivo, que torce baixinho para que um porta-voz apareça de vez em quando para estereotipar, descer a lenha na auto-estima de quem já passou por 350 anos de escravidão e até hoje sofre as conseqüências disso.
Os frutos dessas irresponsabilidades não-assumidas (ou responsabilizadas como devem ser)? Obstáculos para o negro ter a chance de se afirmar, de vencer preconceitos e barreiras veladas apenas porque é de cor diferente. APENAS PORQUE É DE COR DIFERENTE! DE PELE DIFERENTE, DE SUPERFÍCIE DIFERENTE! Todo mundo sabe que acontece, e todo mundo se cala! Quem tem amigos negros: pense neles. Pense no que passam e no que você e eu, brancos, nunca vamos passar. Além disso tudo, ter que ouvir porta-vozes escrotos reforçando a violência e a raiva da qual tanto se protegem.
Emocionalmente, acabei gastando linhas com esse descarado desserviço de um lixo cultural da pior qualidade. Mas as sutilezas são mais nocivas. Tanto que eu e você, que concorda com o descrito neste artigo, podemos estar encampando sem saber. Afinal, a Cidade de Deus é o lugar mais perigoso do Rio, não é? Aquele neguinho do outro lado da rua é o favorito para bater nossa carteira, não é? Ação afirmativa é dizer sim ao negro quando o emprego é de jogador de futebol, porteiro, empregada doméstica, zelador, faxineiro, não é? Ainda que sejam todas profissões dignas. Você as acha dignas, não é?
Somos todos criação de Deus, componentes da raça humana.
segunda-feira, 28 de julho de 2003
ADIANTA?
No Globo de hoje uma notícia curiosa: "Justiça dirá se filhos de fiscal mudam de nome". Sabe do que se trata? Os filhos do Silveirinha estão sendo tão zoados na escola que só lhes restou trocar de sobrenome. Detalhe: trata-se de um guri de 8 anos e dois gêmeos de 4 anos. O pedido para a troca do sobrenome veio do pai. Uma coluninha espremida ao lado do Ancelmo Gois que diz muito.
Primeiro, é que eu tento me colocar no lugar das crianças. Será que entendem o que está acontecendo? Entendem por que seu pai causa tanto desaforo e é fonte para que sejam insultados e zoados todos os dias? Ao ver a foto do pai nos jornais, acompanhado da polícia e percebendo que agora ele mora na prisão, como se sentem?
Segundo, o que se passa na cabeça de Silveirinha diante disso? Talvez ele estivesse preparado para suportar a pressão pública, os depoimentos, o processo (o Super-Sahione pensou em tudo, até no "pingo-borrachinha"), o "não sabia de nada" do ex-chefe e da atual chefa, quem sabe até a prisão. Mas ele teria previsto a humilhação de seus filhos devido ao que praticou nesses anos todos? Ao especular sobre uma possível descoberta de seus atos, pensou no legado que deixaria a seus herdeiros?
Terceiro, teria Silveirinha pensado que a única solução à vista seria trocar a identidade de seus filhos? Ele, que os fez e criou, pensou que poderia ter que apagar parte da história das crianças por algo feito exclusivamente por ele próprio? É claro que, se entrevistado, dirá que a imprensa fomenta essas reações etc... Mas o que se passa na sua cabeça, de fato, a gente não sabe. A culpa teria chegado com o prejuízo dos filhos? Através do sofrimento deles, Silveirinha poderia perceber o mal que fez à sociedade, ao Rio, à política, ao serviço público?
Quarto, os filhos de Silveirinha são insultados na escola. Presumo que esses insultos venham de colegas de turma. Crianças de 8 e 4 anos insultando outras em virtude dos acontecimentos políticos do Estado? Elas acompanham o noticiário da corrupção para associar colegas de escola como igualmente corruptos em relação ao pai??? Tem algo estranho aí. Podem me chamar de cruel, mas até que ponto os pais estão ingerindo nisso? Um pai que seja funcionário do estado, que ficou sem o 13º e descobre que seu filho estuda com os filhos do Silveirinha... Continuo acreditando que crianças podem ser mais ingênuas do que maldosas.
Quinto e último, a moral da história: você pode ter uma vida limpa e ficar com o nome sujo; ou uma vida suja recém-transparente no qual o nome é o primeiro a cair de podre.
No Globo de hoje uma notícia curiosa: "Justiça dirá se filhos de fiscal mudam de nome". Sabe do que se trata? Os filhos do Silveirinha estão sendo tão zoados na escola que só lhes restou trocar de sobrenome. Detalhe: trata-se de um guri de 8 anos e dois gêmeos de 4 anos. O pedido para a troca do sobrenome veio do pai. Uma coluninha espremida ao lado do Ancelmo Gois que diz muito.
Primeiro, é que eu tento me colocar no lugar das crianças. Será que entendem o que está acontecendo? Entendem por que seu pai causa tanto desaforo e é fonte para que sejam insultados e zoados todos os dias? Ao ver a foto do pai nos jornais, acompanhado da polícia e percebendo que agora ele mora na prisão, como se sentem?
Segundo, o que se passa na cabeça de Silveirinha diante disso? Talvez ele estivesse preparado para suportar a pressão pública, os depoimentos, o processo (o Super-Sahione pensou em tudo, até no "pingo-borrachinha"), o "não sabia de nada" do ex-chefe e da atual chefa, quem sabe até a prisão. Mas ele teria previsto a humilhação de seus filhos devido ao que praticou nesses anos todos? Ao especular sobre uma possível descoberta de seus atos, pensou no legado que deixaria a seus herdeiros?
Terceiro, teria Silveirinha pensado que a única solução à vista seria trocar a identidade de seus filhos? Ele, que os fez e criou, pensou que poderia ter que apagar parte da história das crianças por algo feito exclusivamente por ele próprio? É claro que, se entrevistado, dirá que a imprensa fomenta essas reações etc... Mas o que se passa na sua cabeça, de fato, a gente não sabe. A culpa teria chegado com o prejuízo dos filhos? Através do sofrimento deles, Silveirinha poderia perceber o mal que fez à sociedade, ao Rio, à política, ao serviço público?
Quarto, os filhos de Silveirinha são insultados na escola. Presumo que esses insultos venham de colegas de turma. Crianças de 8 e 4 anos insultando outras em virtude dos acontecimentos políticos do Estado? Elas acompanham o noticiário da corrupção para associar colegas de escola como igualmente corruptos em relação ao pai??? Tem algo estranho aí. Podem me chamar de cruel, mas até que ponto os pais estão ingerindo nisso? Um pai que seja funcionário do estado, que ficou sem o 13º e descobre que seu filho estuda com os filhos do Silveirinha... Continuo acreditando que crianças podem ser mais ingênuas do que maldosas.
Quinto e último, a moral da história: você pode ter uma vida limpa e ficar com o nome sujo; ou uma vida suja recém-transparente no qual o nome é o primeiro a cair de podre.
quinta-feira, 17 de julho de 2003
Marta Suplicy 2012 manda no jornalismo carioca
AH, SOU CARIOCA! Como é bom dar esse grito agora que o Rio foi escolhido pra ser a sede das Olimpíadas 2012! Perdão, ele é candidato a candidato ainda. É que com essa cobertura da mídia, eu me empolguei... Mas comemoremos! O melhor de tudo é que, num passe de mágica, de uma hora pra outra, por um fenômeno sociológico ainda não detectado e devidamente estudado, a “onda de violência” 2003 quebrou nas praias da orla olímpica.
Onde está a “Guerra do Rio” que o GLOBO alardeava em primeira página? E a taxativa “Guerra Perdida” que o JB teimava em botar em caixa alta? Acabou, acreditem. O crime no Rio reduziu tanto que só ocupa a primeira metade da penúltima página do primeiro caderno. Quem lê a primeira metade da penúltima página do primeiro caderno??
Em compensação, o Rio tornou-se a cidade ideal para os Jogos Olímpicos. A capital de um estado quase falido, por meio do “gênio do mal” Cesar Maia, possui verbas, verbas e mais verbas para construir estádios, reformar complexos esportivos. De onde sai tanto dinheiro? Como há tanto dinheiro? E olha que o povinho “desculturado” do Rio esnobou o Guggenheim...
Segue o processo de elitizar ainda mais a Barra. Afinal, lá vai ser a Vila Olímpica, por ali as favelas não ameaçam tanto, e todo o reforço de segurança vai pra lá – tudo pelas Olimpíadas! É o apartheid social agravado, dessa vez de forma oficial, escancarada e utilitarista – tudo pelas Olimpíadas!
Mas o que eu estou abismado é que a violência no Rio diminuiu tanto... Agora eu já posso ir ao cinema à noite, já posso passar pela Av. Brasil sem medo. Medo? Isso é coisa que colocaram na nossa cabeça, pelo visto. Pelos mesmos órgãos de imprensa que hoje dizem o contrário, mesmo que para isso não precisem dizer nada – é só tirar das primeiras páginas, deixar de associar crimes isolados com uma “onda” tão ocasional e previsível nas coberturas de mídia quanto a SP Fashion Week.
Esse flagrante de mídia deve ser creditado a quem de direito: Marta Suplicy. Foi ela que, num desespero em defender a candidatura de Sampa 2012, disse que o Rio era mais violento. Foi o suficiente para que o bairrismo da mídia carioca vencesse a necessidade de atemorizar os leitores além da conta. Hoje, ao lado da matéria de página inteira do Globo com o prefeito e a pseudo-governadora unindo esforços para 2012, uma comparação de que Ipanema teria um índice de desenvolvimento humano (IDH) maior que a Noruega. E um bairro rico da Noruega, também perderia pra vizinha do Leblon?
Enquanto isso, vou ficar torcendo pro Rio pois, como disse o Casseta e Planeta (o campeão de citações desse blog), “conquistamos o direito de sonhar com uma possibilidade de, talvez, um dia, quem sabe, ter uma chance de sediar os Jogos Olímpicos de 2012”. Ah, também vou procurar uma imprensa alternativa.
AH, SOU CARIOCA! Como é bom dar esse grito agora que o Rio foi escolhido pra ser a sede das Olimpíadas 2012! Perdão, ele é candidato a candidato ainda. É que com essa cobertura da mídia, eu me empolguei... Mas comemoremos! O melhor de tudo é que, num passe de mágica, de uma hora pra outra, por um fenômeno sociológico ainda não detectado e devidamente estudado, a “onda de violência” 2003 quebrou nas praias da orla olímpica.
Onde está a “Guerra do Rio” que o GLOBO alardeava em primeira página? E a taxativa “Guerra Perdida” que o JB teimava em botar em caixa alta? Acabou, acreditem. O crime no Rio reduziu tanto que só ocupa a primeira metade da penúltima página do primeiro caderno. Quem lê a primeira metade da penúltima página do primeiro caderno??
Em compensação, o Rio tornou-se a cidade ideal para os Jogos Olímpicos. A capital de um estado quase falido, por meio do “gênio do mal” Cesar Maia, possui verbas, verbas e mais verbas para construir estádios, reformar complexos esportivos. De onde sai tanto dinheiro? Como há tanto dinheiro? E olha que o povinho “desculturado” do Rio esnobou o Guggenheim...
Segue o processo de elitizar ainda mais a Barra. Afinal, lá vai ser a Vila Olímpica, por ali as favelas não ameaçam tanto, e todo o reforço de segurança vai pra lá – tudo pelas Olimpíadas! É o apartheid social agravado, dessa vez de forma oficial, escancarada e utilitarista – tudo pelas Olimpíadas!
Mas o que eu estou abismado é que a violência no Rio diminuiu tanto... Agora eu já posso ir ao cinema à noite, já posso passar pela Av. Brasil sem medo. Medo? Isso é coisa que colocaram na nossa cabeça, pelo visto. Pelos mesmos órgãos de imprensa que hoje dizem o contrário, mesmo que para isso não precisem dizer nada – é só tirar das primeiras páginas, deixar de associar crimes isolados com uma “onda” tão ocasional e previsível nas coberturas de mídia quanto a SP Fashion Week.
Esse flagrante de mídia deve ser creditado a quem de direito: Marta Suplicy. Foi ela que, num desespero em defender a candidatura de Sampa 2012, disse que o Rio era mais violento. Foi o suficiente para que o bairrismo da mídia carioca vencesse a necessidade de atemorizar os leitores além da conta. Hoje, ao lado da matéria de página inteira do Globo com o prefeito e a pseudo-governadora unindo esforços para 2012, uma comparação de que Ipanema teria um índice de desenvolvimento humano (IDH) maior que a Noruega. E um bairro rico da Noruega, também perderia pra vizinha do Leblon?
Enquanto isso, vou ficar torcendo pro Rio pois, como disse o Casseta e Planeta (o campeão de citações desse blog), “conquistamos o direito de sonhar com uma possibilidade de, talvez, um dia, quem sabe, ter uma chance de sediar os Jogos Olímpicos de 2012”. Ah, também vou procurar uma imprensa alternativa.
quinta-feira, 10 de julho de 2003
Legitimando o (meu) discurso
Transcrevo aqui um texto do site www.caiofabio.com que tem a ver com o artigo da semana passada sobre o preconceito para com os garis. Ainda tinha uma entrevista com o sociólogo, mas aí esse post ia ficar muito grande.
Afinal somos rótulos, objetos, funções sociais, papéis na sociedade, papéis na organização ou seres humanos em nossa plenitude?
"Psicólogo varreu as ruas da USP para concluir sua tese de mestrado da "INVISIBILIDADE PÚBLICA". Ele comprovou que, em geral, as pessoas enxergam apenas a FUNÇÃO SOCIAL do outro. Quem não está bem posicionado sob esse critério, vira mera sombra social. O psicólogo social Fernando Braga da Costa vestiu uniforme e trabalhou oito anos como gari, varrendo ruas da Universidade de São Paulo. Ali, constatou que, ao olhar da maioria, os trabalhadores braçais são "seres invisíveis, sem nome".
Em sua tese de mestrado, pela USP, conseguiu comprovar a existência da "invisibilidade pública", ou seja, uma percepção humana totalmente prejudicada e condicionada à divisão social do trabalho, onde enxerga-se somente a função e não a pessoa.
Braga trabalhava apenas meio período como gari, não recebia o salário de R$400 como os colegas de vassoura, mas garante que teve a maior lição de sua vida: "Descobri que um SIMPLES BOM DIA, que nunca recebi como gari, pode significar um SOPRO DE VIDA, um sinal da própria existência", explica o pesquisador.
O psicólogo sentiu na pele o que é ser tratado como um OBJETO e não como um SER HUMANO. "Professores que me abraçavam nos corredores da USP passavam por mim, não me reconheciam por causa do uniforme. Às vezes, esbarravam no meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam me ignorando, como se tivessem encostado-se em um poste, ou em um orelhão", diz. Apesar do castigo do sol forte, do trabalho pesado e das humilhações diárias, segundo o psicólogo são acolhedores com quem os enxerga. E encontram no silêncio a defesa contra quem os ignora.
Transcrevo aqui um texto do site www.caiofabio.com que tem a ver com o artigo da semana passada sobre o preconceito para com os garis. Ainda tinha uma entrevista com o sociólogo, mas aí esse post ia ficar muito grande.
Afinal somos rótulos, objetos, funções sociais, papéis na sociedade, papéis na organização ou seres humanos em nossa plenitude?
"Psicólogo varreu as ruas da USP para concluir sua tese de mestrado da "INVISIBILIDADE PÚBLICA". Ele comprovou que, em geral, as pessoas enxergam apenas a FUNÇÃO SOCIAL do outro. Quem não está bem posicionado sob esse critério, vira mera sombra social. O psicólogo social Fernando Braga da Costa vestiu uniforme e trabalhou oito anos como gari, varrendo ruas da Universidade de São Paulo. Ali, constatou que, ao olhar da maioria, os trabalhadores braçais são "seres invisíveis, sem nome".
Em sua tese de mestrado, pela USP, conseguiu comprovar a existência da "invisibilidade pública", ou seja, uma percepção humana totalmente prejudicada e condicionada à divisão social do trabalho, onde enxerga-se somente a função e não a pessoa.
Braga trabalhava apenas meio período como gari, não recebia o salário de R$400 como os colegas de vassoura, mas garante que teve a maior lição de sua vida: "Descobri que um SIMPLES BOM DIA, que nunca recebi como gari, pode significar um SOPRO DE VIDA, um sinal da própria existência", explica o pesquisador.
O psicólogo sentiu na pele o que é ser tratado como um OBJETO e não como um SER HUMANO. "Professores que me abraçavam nos corredores da USP passavam por mim, não me reconheciam por causa do uniforme. Às vezes, esbarravam no meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam me ignorando, como se tivessem encostado-se em um poste, ou em um orelhão", diz. Apesar do castigo do sol forte, do trabalho pesado e das humilhações diárias, segundo o psicólogo são acolhedores com quem os enxerga. E encontram no silêncio a defesa contra quem os ignora.
terça-feira, 8 de julho de 2003
Mais Jovens Poetas
Dessa vez é um colaborador amigo que preferiu assinar com pseudônimo...
Ratimbum de coniforme som
Ratimbum de coniforme som
de vida sem tom, se não tiver saudades.
De vida sem cor se não existir amor,
mesmo o amor dos que são traídos.
Mesmo o amor dos escravos,
dos escárnios, dos que trabalham e não têm tempo para nada.
Dos santos, que choram por não servirem melhor ao seu senhor.
santos homens e mulheres e crianças e avós...
Santa humanidade, que de tanta passividade dá desejo de surrá-la.
De vida sem cor se não tiver verdade,
nem que seja as rasas, aquelas que nos confundem,
que nos aliviam ou maltrata-nos até nos arrancar uma lágrima...
Essas verdades que nos contam os senhores,
os latifundiários da informação, da ação do mal e do engano.
De vida sem cor se não existir o pão,
dos pobres e miseráveis,
dos ricos e intragáveis,
de nós... Pobres vertentes da incompreensão mais tola,
incompreensão vista no olhar do outro irmão... O que morre de fome.
de vida sem cor se não existir as matizes,
as matrizes da mistura, das raças, dos credos,
dos sexos, da arte, dos movimentos populares...
Dos bois nos pastos, dos homens castos,
dos filhos da repressão e dos herdeiros da liberdade enganosa.
De vida sem cor se não existir Deus...
Deus para criar, para inovar,
salvar as baleias, mas também o ser-humano que não mais quer sê-lo,
os escravos da senhoria consciência,
os pecadores entorpecidos pela certeza e pela razão."
(Fidel Filho)
Dessa vez é um colaborador amigo que preferiu assinar com pseudônimo...
Ratimbum de coniforme som
Ratimbum de coniforme som
de vida sem tom, se não tiver saudades.
De vida sem cor se não existir amor,
mesmo o amor dos que são traídos.
Mesmo o amor dos escravos,
dos escárnios, dos que trabalham e não têm tempo para nada.
Dos santos, que choram por não servirem melhor ao seu senhor.
santos homens e mulheres e crianças e avós...
Santa humanidade, que de tanta passividade dá desejo de surrá-la.
De vida sem cor se não tiver verdade,
nem que seja as rasas, aquelas que nos confundem,
que nos aliviam ou maltrata-nos até nos arrancar uma lágrima...
Essas verdades que nos contam os senhores,
os latifundiários da informação, da ação do mal e do engano.
De vida sem cor se não existir o pão,
dos pobres e miseráveis,
dos ricos e intragáveis,
de nós... Pobres vertentes da incompreensão mais tola,
incompreensão vista no olhar do outro irmão... O que morre de fome.
de vida sem cor se não existir as matizes,
as matrizes da mistura, das raças, dos credos,
dos sexos, da arte, dos movimentos populares...
Dos bois nos pastos, dos homens castos,
dos filhos da repressão e dos herdeiros da liberdade enganosa.
De vida sem cor se não existir Deus...
Deus para criar, para inovar,
salvar as baleias, mas também o ser-humano que não mais quer sê-lo,
os escravos da senhoria consciência,
os pecadores entorpecidos pela certeza e pela razão."
(Fidel Filho)
sábado, 5 de julho de 2003
Poucos pequenos pitacos
- A frase da semana: “Peixe morre pelo Boca”.
- Já disse nesse blog que Gisele Bündchen foi uma de minhas musas – até eu descobrir um novo conceito de musa (em 06/04/2003, tá no Túnel do Tempo aí do lado). Contudo, a “cabeça-de-vento com classe” parece estar mudando. Hoje ela disse, diante de uma tiete-repórter, que não tem nada a ver esse negócio dela ser considerada a mulher mais bonita do mundo, que se dá valor demais à aparência, que a badalação em torno dela é exagerada. Ok, em matéria de conteúdo não chega aos pés de Paloma Duarte, mas já melhorou. A prova: Gisele Bündchen esnobou convite de Xuxa pra aparecer em seu programa. Cara, qualquer pessoa que esnobe a Xuxa em público cresce no conceito comigo. Será que Gisele está lendo o Lessog?
- Demorou mas finalmente uma polêmica social nas “Mulheres Apaixonadas”: a personagem Fernanda vai morrer de bala perdida nas ruas do paradisíaco Leblon. A gritaria das empresas de turismo e da rede de hotéis gerou matéria no Globo. Por carta, chegaram a pedir a D. Manoel Carlos que, já que é pra matar a coadjuvante, mata envenenada (sério!). Mas que não piorasse a imagem do Rio. O príncipe-regente da Zona Sul não deu muita bola, reivindicando seu direito de fazer a “denúncia social” como bem entender. Se fosse alguma autoridade reclamando (governador, secretário de turismo etc), tudo bem: são responsáveis para que bala perdida não aconteça e, nesse caso, censurar a novela é tapar o sol com a peneira e tirar da reta. Mas a indústria do turismo vive da imagem e da fama da cidade, em qualquer lugar do mundo. Acho que ELES têm o direito de reclamar. De qualquer forma, daqui a pouco a Susana “Galvão Bueno” Vieira faz um discursinho justificando o beicinho do principezinho...
- A frase da semana: “Peixe morre pelo Boca”.
- Já disse nesse blog que Gisele Bündchen foi uma de minhas musas – até eu descobrir um novo conceito de musa (em 06/04/2003, tá no Túnel do Tempo aí do lado). Contudo, a “cabeça-de-vento com classe” parece estar mudando. Hoje ela disse, diante de uma tiete-repórter, que não tem nada a ver esse negócio dela ser considerada a mulher mais bonita do mundo, que se dá valor demais à aparência, que a badalação em torno dela é exagerada. Ok, em matéria de conteúdo não chega aos pés de Paloma Duarte, mas já melhorou. A prova: Gisele Bündchen esnobou convite de Xuxa pra aparecer em seu programa. Cara, qualquer pessoa que esnobe a Xuxa em público cresce no conceito comigo. Será que Gisele está lendo o Lessog?
- Demorou mas finalmente uma polêmica social nas “Mulheres Apaixonadas”: a personagem Fernanda vai morrer de bala perdida nas ruas do paradisíaco Leblon. A gritaria das empresas de turismo e da rede de hotéis gerou matéria no Globo. Por carta, chegaram a pedir a D. Manoel Carlos que, já que é pra matar a coadjuvante, mata envenenada (sério!). Mas que não piorasse a imagem do Rio. O príncipe-regente da Zona Sul não deu muita bola, reivindicando seu direito de fazer a “denúncia social” como bem entender. Se fosse alguma autoridade reclamando (governador, secretário de turismo etc), tudo bem: são responsáveis para que bala perdida não aconteça e, nesse caso, censurar a novela é tapar o sol com a peneira e tirar da reta. Mas a indústria do turismo vive da imagem e da fama da cidade, em qualquer lugar do mundo. Acho que ELES têm o direito de reclamar. De qualquer forma, daqui a pouco a Susana “Galvão Bueno” Vieira faz um discursinho justificando o beicinho do principezinho...
sábado, 28 de junho de 2003
Varre, vassourinha...
Imagine que você tire uma semana de férias. Ao voltar pra casa, as ruas da cidade e a calçada de sua casa sumiram! Você nao consegue enxerga-las, e para pisar ao chao é preciso coragem e uma greve ao nojo. O lixo cobre cada centimetro do asfalto. Ao se informar, você descobre que os garis fizeram greve exatamente nessa semana que você viajou.
Nao sei quanto a você, mas so ha pouco tempo percebi a importância dos garis para o bem-estar da nossa sociedade. Sao eles que recolhem tudo o que nao queremos mais, limpam diariamente as ruas, convivendo com o mau cheiro caracteristico dos dejetos. Nao fossem eles, seria possivel agüentar a situaçao descrita no primeiro paragrafo?
Além disso tudo, os garis s?o os profissionais mais democraticos e sem preconceito que existem: recolhem o lixo dos bem-educados (que comportam tudo em sacos plasticos à beira da rua) e dos mal-educados (que tratam o espaço publico pior, bem pior que a sua casa. Talvez sabendo que os garis ali estar?o para fazer o trabalho sujo).
A maior das injustiças foi flagrada nessa semana, na cobertura ou nos comentarios sobre as inscriçoes para o emprego de gari no Rio de Janeiro. A tônica das reportagens era abordar o problema do desemprego no pais. Para uma vaga em que o 1o. grau completo bastava, encontrava-se nas filas (imensas!) varios candidatos com ensino superior completo, que nao tinham conseguido emprego em suas areas.
Onde esta a injustiça? O fato das matérias serem pagina inteira, estarem no jornal local ou no nacional refletem um pouco do preconceito em relaçao à profissao que nao tem preconceitos. O choque, respaldado pela entonaçao dos locutores ou pelos depoimentos coletados, nao era por aquela massa de gente estar desempregada. Mas pela massa querer um emprego... de gari?????
Era nitida a reaçao de cada pessoa – de nojo, de nervoso, de preconceito mesmo – em nao aceitar que as pessoas procurassem um emprego “como aquele”. Por quê? Por mexer com lixo? Isso so da mais dignidade à profissao, que coragem a dos garis!
Mas o preconceito trata de querer intimidar os garis. Quem aqui fala, com o mesmo desprendimento, que procura emprego de lixeiro ou que tem um parente nessa profissao? Sempre nos sentimos constrangidos a tal. Ora, que me perdoem os frescos de plantao, mas os garis sao profissionais dos mais essenciais para o bom andamento desse mundo. Alguém discorda?
Portanto, ao avistar um gari na rua, dê um sorriso como se estivesse dizendo: “precisamos de você, soldado. Nao deserte!”. Ele merece o nosso reconhecimento. E façamos a nossa parte no maior exemplo do “façamos a nossa parte”: nao jogue lixo no chao...
Imagine que você tire uma semana de férias. Ao voltar pra casa, as ruas da cidade e a calçada de sua casa sumiram! Você nao consegue enxerga-las, e para pisar ao chao é preciso coragem e uma greve ao nojo. O lixo cobre cada centimetro do asfalto. Ao se informar, você descobre que os garis fizeram greve exatamente nessa semana que você viajou.
Nao sei quanto a você, mas so ha pouco tempo percebi a importância dos garis para o bem-estar da nossa sociedade. Sao eles que recolhem tudo o que nao queremos mais, limpam diariamente as ruas, convivendo com o mau cheiro caracteristico dos dejetos. Nao fossem eles, seria possivel agüentar a situaçao descrita no primeiro paragrafo?
Além disso tudo, os garis s?o os profissionais mais democraticos e sem preconceito que existem: recolhem o lixo dos bem-educados (que comportam tudo em sacos plasticos à beira da rua) e dos mal-educados (que tratam o espaço publico pior, bem pior que a sua casa. Talvez sabendo que os garis ali estar?o para fazer o trabalho sujo).
A maior das injustiças foi flagrada nessa semana, na cobertura ou nos comentarios sobre as inscriçoes para o emprego de gari no Rio de Janeiro. A tônica das reportagens era abordar o problema do desemprego no pais. Para uma vaga em que o 1o. grau completo bastava, encontrava-se nas filas (imensas!) varios candidatos com ensino superior completo, que nao tinham conseguido emprego em suas areas.
Onde esta a injustiça? O fato das matérias serem pagina inteira, estarem no jornal local ou no nacional refletem um pouco do preconceito em relaçao à profissao que nao tem preconceitos. O choque, respaldado pela entonaçao dos locutores ou pelos depoimentos coletados, nao era por aquela massa de gente estar desempregada. Mas pela massa querer um emprego... de gari?????
Era nitida a reaçao de cada pessoa – de nojo, de nervoso, de preconceito mesmo – em nao aceitar que as pessoas procurassem um emprego “como aquele”. Por quê? Por mexer com lixo? Isso so da mais dignidade à profissao, que coragem a dos garis!
Mas o preconceito trata de querer intimidar os garis. Quem aqui fala, com o mesmo desprendimento, que procura emprego de lixeiro ou que tem um parente nessa profissao? Sempre nos sentimos constrangidos a tal. Ora, que me perdoem os frescos de plantao, mas os garis sao profissionais dos mais essenciais para o bom andamento desse mundo. Alguém discorda?
Portanto, ao avistar um gari na rua, dê um sorriso como se estivesse dizendo: “precisamos de você, soldado. Nao deserte!”. Ele merece o nosso reconhecimento. E façamos a nossa parte no maior exemplo do “façamos a nossa parte”: nao jogue lixo no chao...
domingo, 22 de junho de 2003
Cosangüinidade
Minha irmã, em suas recém-completadas 17 primaveras, escreveu um texto que achei demais. Transcrevo aqui, pois vale e muito:
Sonhos...... Difícil!!!
Pra ser ter sonhos, tem q ser ter fé! Fé de que um dia eles poderão se realizar... Pra se ter fé, tem que ter paciência, pra esperar o tempo certo; e esperança, pra não desanimar e sempre esperar q eles aconteçam!!
Sabe o q é mais difícil nisso tudo? Ter convicção de um sonho e ele não ser realizado. Aceitar o fato de que às vezes não é esse sonho q deveria ter sonhado! Ou até que ele pode vir a se realizar no futuro, mas não do jeito que você imaginava, esperava, desejava, almejava... sonhava!
Aceitar isso é muito sinistro! Eu acho que estou indo por um caminho aonde vou, a cada dia, encontrando a paciência para esperar o tempo de Deus e a esperança para crer que um dia ele irá se realizar (graças a Deus). O sinistro é que, no momento, não estou impaciente ou desacreditada, pelo contrário, estou inconformada... Engraçado que, ao mesmo tempo em que estou inconformada, estou conformada... Vamos começar pelo mais fácil (eu acho):
conformada é prova de que estou no caminho da paciência e da esperança. Se não deu certo agora, com certeza Deus tem algo melhor pra mim, no tempo dEle, que é o melhor!!!
Inconformada pelo fato de... sei lá! Tudo aconteceu de uma forma, não aleatória, mas com tanta certeza de cada passo que foi dado e, do nada, não é mais da vontade de Deus!
Eu sei que não deveria estar pensando nisso, mas tem dias que é inevitável... Na maioria dos meus dias eu estou conformada, que bom! Mas tem vezes que...
Quem disse q sonhar não custa nada, não sonhava... Alguns sonhos custam, e muito... Mas quando eles se realizam, acho que vale a pena tudo que foi “pago” por ele, né? Isso que eu chamo de provação! Aceitar a não-realização de um sonho, o qual você tinha convicção, tendo FÉ de que dias melhores virão, e com eles, sonhos melhores virão, e com eles realizações melhores virão, e com eles lições melhores virão, e com eles amadurecimento virá!
Duro ter q passar por isso sem poder ouvir uma palavra de consolo, porque eu já sei tudo que eu poderia ouvir... Mas é bom saber que tem alguém lendo isso... Às vezes um desabafo pra mim, é um consolo pra quem lê... quem sabe?! - Raquel Lessa
Minha irmã, em suas recém-completadas 17 primaveras, escreveu um texto que achei demais. Transcrevo aqui, pois vale e muito:
Sonhos...... Difícil!!!
Pra ser ter sonhos, tem q ser ter fé! Fé de que um dia eles poderão se realizar... Pra se ter fé, tem que ter paciência, pra esperar o tempo certo; e esperança, pra não desanimar e sempre esperar q eles aconteçam!!
Sabe o q é mais difícil nisso tudo? Ter convicção de um sonho e ele não ser realizado. Aceitar o fato de que às vezes não é esse sonho q deveria ter sonhado! Ou até que ele pode vir a se realizar no futuro, mas não do jeito que você imaginava, esperava, desejava, almejava... sonhava!
Aceitar isso é muito sinistro! Eu acho que estou indo por um caminho aonde vou, a cada dia, encontrando a paciência para esperar o tempo de Deus e a esperança para crer que um dia ele irá se realizar (graças a Deus). O sinistro é que, no momento, não estou impaciente ou desacreditada, pelo contrário, estou inconformada... Engraçado que, ao mesmo tempo em que estou inconformada, estou conformada... Vamos começar pelo mais fácil (eu acho):
conformada é prova de que estou no caminho da paciência e da esperança. Se não deu certo agora, com certeza Deus tem algo melhor pra mim, no tempo dEle, que é o melhor!!!
Inconformada pelo fato de... sei lá! Tudo aconteceu de uma forma, não aleatória, mas com tanta certeza de cada passo que foi dado e, do nada, não é mais da vontade de Deus!
Eu sei que não deveria estar pensando nisso, mas tem dias que é inevitável... Na maioria dos meus dias eu estou conformada, que bom! Mas tem vezes que...
Quem disse q sonhar não custa nada, não sonhava... Alguns sonhos custam, e muito... Mas quando eles se realizam, acho que vale a pena tudo que foi “pago” por ele, né? Isso que eu chamo de provação! Aceitar a não-realização de um sonho, o qual você tinha convicção, tendo FÉ de que dias melhores virão, e com eles, sonhos melhores virão, e com eles realizações melhores virão, e com eles lições melhores virão, e com eles amadurecimento virá!
Duro ter q passar por isso sem poder ouvir uma palavra de consolo, porque eu já sei tudo que eu poderia ouvir... Mas é bom saber que tem alguém lendo isso... Às vezes um desabafo pra mim, é um consolo pra quem lê... quem sabe?! - Raquel Lessa
terça-feira, 17 de junho de 2003
Dom Manoel Carlos, Príncipe-Regente da Zona Sul
A emancipação da Zona Sul enfim chegou. Se não deu à força ou por vias democráticas, aconteceu via novela das oito. O Governo do Estado anunciou o programa Tolerância Zero, que vai resolver prioritários problemas da Zona Sul: recolher mendigos e menores e enxotar os camelôs.
A presidente da Associação de Moradores de Copacabana, Myrian de Pinho, comemorou. Afinal, mais um passo foi dado na restauração da Zona Sul como o Rio essencialmente cartão postal, sem realidade de desigualdade social para ofuscar a vista grossa.
De todo modo, a honra ao mérito deve ser apontada. Uma vez que a TV parece ser a única forma de mobilizar os cidadãos (?) para causas sociais, as Mulheres Apaixonadas deram conta do recado. Manoel Carlos, convocado às pressas por seus súditos do Leblon e adjacências, mostrou-se mestre de uma original arte: as mensagens subliminares escancaradas, sem sutileza.
Senão, vejamos: não são poucas as cenas em que um grupo de personagens está reunido (à mesa, à beira da piscina, nas festas), com uma pseudo-bossa nova ao fundo, debatendo assuntos tão relevantes a ponto de não me lembrar de nenhum agora. De súbito, vem à baila a “terrível onda de violência do Rio de Janeiro”, com cada personagem relatando casos e mais casos que aconteceram com algum conhecido, ou que leram no jornal, todos dignos de Linha Direta. Outros encampam discursos moralistas quase-indignados – geralmente Susana Vieira, o Galvão Bueno da teledramaturgia brasileira.
Após o registro público do incômodo privado, os mesmos personagens voltam a suas mesas fartas, carros importados, coquetéis e banquetes de dar inveja e raiva a quem deles nunca pode participar. Para a Zona Sul da novela, exclusão social nada tem a ver com violência urbana. Portanto... Tolerância Zero com os que teimam em ocupar as ruas do feudo carioca!
Feito o escancaramento do que antes era discreto, D. Manoel sorri satisfeito, sendo chamado de gênio e “apaixonando o Brasil”(As mulheres também devem estar satisfeitas com a novela em que marido bate na esposa, homem é amante da patroa e da empregada, um casal de belas lésbicas germina expectativas e uma mulher nega-se e faz de tudo para que o amado demais não fique longe demais. Os homens nem passam perto da TV, acredito).
O Príncipe-Regente prossegue em sua missão de emancipar aquela área do Rio, para que sua harmonia elitizada não sofra maiores dissabores. Abusando do plim-plim, D. Manoel, de forma redundante como sempre, se apropria do hábito de todo brasileiro (assistir à novela das oito) para reforçar o hábito de uns poucos por cento do país: tirar a gentalha do raio da orla. É isso que importa. O resto é o resto. E a Zona Sul apaixonada não tem nada a ver com isso.
A emancipação da Zona Sul enfim chegou. Se não deu à força ou por vias democráticas, aconteceu via novela das oito. O Governo do Estado anunciou o programa Tolerância Zero, que vai resolver prioritários problemas da Zona Sul: recolher mendigos e menores e enxotar os camelôs.
A presidente da Associação de Moradores de Copacabana, Myrian de Pinho, comemorou. Afinal, mais um passo foi dado na restauração da Zona Sul como o Rio essencialmente cartão postal, sem realidade de desigualdade social para ofuscar a vista grossa.
De todo modo, a honra ao mérito deve ser apontada. Uma vez que a TV parece ser a única forma de mobilizar os cidadãos (?) para causas sociais, as Mulheres Apaixonadas deram conta do recado. Manoel Carlos, convocado às pressas por seus súditos do Leblon e adjacências, mostrou-se mestre de uma original arte: as mensagens subliminares escancaradas, sem sutileza.
Senão, vejamos: não são poucas as cenas em que um grupo de personagens está reunido (à mesa, à beira da piscina, nas festas), com uma pseudo-bossa nova ao fundo, debatendo assuntos tão relevantes a ponto de não me lembrar de nenhum agora. De súbito, vem à baila a “terrível onda de violência do Rio de Janeiro”, com cada personagem relatando casos e mais casos que aconteceram com algum conhecido, ou que leram no jornal, todos dignos de Linha Direta. Outros encampam discursos moralistas quase-indignados – geralmente Susana Vieira, o Galvão Bueno da teledramaturgia brasileira.
Após o registro público do incômodo privado, os mesmos personagens voltam a suas mesas fartas, carros importados, coquetéis e banquetes de dar inveja e raiva a quem deles nunca pode participar. Para a Zona Sul da novela, exclusão social nada tem a ver com violência urbana. Portanto... Tolerância Zero com os que teimam em ocupar as ruas do feudo carioca!
Feito o escancaramento do que antes era discreto, D. Manoel sorri satisfeito, sendo chamado de gênio e “apaixonando o Brasil”(As mulheres também devem estar satisfeitas com a novela em que marido bate na esposa, homem é amante da patroa e da empregada, um casal de belas lésbicas germina expectativas e uma mulher nega-se e faz de tudo para que o amado demais não fique longe demais. Os homens nem passam perto da TV, acredito).
O Príncipe-Regente prossegue em sua missão de emancipar aquela área do Rio, para que sua harmonia elitizada não sofra maiores dissabores. Abusando do plim-plim, D. Manoel, de forma redundante como sempre, se apropria do hábito de todo brasileiro (assistir à novela das oito) para reforçar o hábito de uns poucos por cento do país: tirar a gentalha do raio da orla. É isso que importa. O resto é o resto. E a Zona Sul apaixonada não tem nada a ver com isso.
quinta-feira, 12 de junho de 2003
Nostalgiazinha...
Esse é da época em que eu fazia poemas... VELHOS tempos! Porém bons.
Entendimentos – 30/11/98
O que leva as pessoas
A desprezarem o amor?
Como podem
Numa inversão de prioridades,
Cuspir num sentimento
Que compete com a perfeição
E produz carinho e afeição
A todos em redor?
Como podem,
Num brusco momento,
Pegar o amor pela gola da camisa
Jogá-lo na poça de lama
Pisar em sua nuca
Quase afogando-o
Naquele centímetro de espessura
De um lodo nada afetivo?
E pôr em seu lugar
Sentimentos reprovados
Na alfabetização da vida
Sentimentos que nada produzem de bom
Apenas uma boa quantidade
De amargura e azedice
E matérias-primas
Para uma tinta chorosa
E o amor fica lá, sujo
E quem o levanta e insiste
Na sua recuperação absoluta
É absolutamente ferido
Açoitado por uma realidade imposta
Nem aí por ser questionada
Mas que segue empurrando o amor
Ladeira abaixo
O egoísmo, em sua solitária assistência
A vingança, um acerto de contas
A dever sempre
E a cobrar de quem tem ficha limpa
Amor, declare-se vencedor!
A vantagem é sua, não percebe?
Eu percebo
Claramente
Tais sentimentos chafurdam para seu sujo fim
Possuem colaboradores e situações idem
Mas o amor jamais acaba
Mesmo com todos contra ele
(Quase todos)
Ele segue sempre sabendo-se são
O desprezo do amor
É pisar conscientemente em brasa viva.
Esse é da época em que eu fazia poemas... VELHOS tempos! Porém bons.
Entendimentos – 30/11/98
O que leva as pessoas
A desprezarem o amor?
Como podem
Numa inversão de prioridades,
Cuspir num sentimento
Que compete com a perfeição
E produz carinho e afeição
A todos em redor?
Como podem,
Num brusco momento,
Pegar o amor pela gola da camisa
Jogá-lo na poça de lama
Pisar em sua nuca
Quase afogando-o
Naquele centímetro de espessura
De um lodo nada afetivo?
E pôr em seu lugar
Sentimentos reprovados
Na alfabetização da vida
Sentimentos que nada produzem de bom
Apenas uma boa quantidade
De amargura e azedice
E matérias-primas
Para uma tinta chorosa
E o amor fica lá, sujo
E quem o levanta e insiste
Na sua recuperação absoluta
É absolutamente ferido
Açoitado por uma realidade imposta
Nem aí por ser questionada
Mas que segue empurrando o amor
Ladeira abaixo
O egoísmo, em sua solitária assistência
A vingança, um acerto de contas
A dever sempre
E a cobrar de quem tem ficha limpa
Amor, declare-se vencedor!
A vantagem é sua, não percebe?
Eu percebo
Claramente
Tais sentimentos chafurdam para seu sujo fim
Possuem colaboradores e situações idem
Mas o amor jamais acaba
Mesmo com todos contra ele
(Quase todos)
Ele segue sempre sabendo-se são
O desprezo do amor
É pisar conscientemente em brasa viva.
domingo, 8 de junho de 2003
Pra você, que mistérios tem Clarice?
O processo de amadurecimento é um dos mais fascinantes na raça humana. Perceber esse processo em nós é uma experiência enriquecedora, pela qual eu espero sempre passar. Nesse fim de semana lembrei de um precioso texto de Clarice Lispector, ao achar em casa uma agenda de 1999 (onde anotei o texto):
"Quando eu aprendi a ler e a escrever eu DEVORAVA os livros! Eu pensava, olha que coisa! Eu pensava que livro é como árvore, é como bicho: coisa que nasce! Não descobria que era um autor! Lá pelas tantas descobri que era um autor. Aí disse: 'Eu também quero'".
Lembro que nesse ano eu começava a levar mais a sério esse negócio de escrever, as crônicas nasciam a torto e a direito... E vem uma das maiores escritoras brasileiras e me diz, humildemente, como foi que ela resolveu ser autora. Foi a minha vez de dizer: eu também quero!!!
E o que tudo isso tem a ver com amadurecimento? O lance é que eu DETESTAVA ler Clarice Lispector. Suas epifanias e profundidades psicológicas enchiam o saco... Meu sentimento era o de não chegar perto de nenhum livro dela. Mas o detalhe é que eu li Clarice pela primeira vez aos 15 anos... Antes mesmo de Machado de Assis, com seu "Dom Casmurro", me despertar de vez pra literatura. Hoje, ler Clarice Lispector é um renovo pra mim. Todas as características de sua literatura que antes eu tanto desprezava agora me completam, me entendem e eu as entendo também.
Gosto não necessariamente muda à medida que amadurecemos. Mas em certos casos, é só o que explica. Eu prefiro fazer como o velho Raul, preferindo ser uma metamorfose sincera do que ter aquela velha opinião formada e soberbamente orgulhosa de continuar na mesma. Quando penso que poderia me encontrar hoje sem aproveitar as delícias que Clarice Lispector me oferece...
De fato, o bom mesmo é reconhecer seu amadurecimento. Olhar pra trás e perceber o que rolou pra que hoje você seja desse jeito, goste dessas coisas, se relacione com essas pessoas. Perceber que nada foi em vão, nem mesmo o que na época tenhamos pensado que fosse em vão. O vão abriu espaço, então tá tranqüilo. Enfim, algo que encontra até mesmo respaldo bíblico, em palavras de Jesus aos discípulos: "o que eu faço, não compreendes agora. Compreendê-lo-ás depois." Em certos casos, ainda bem.
O processo de amadurecimento é um dos mais fascinantes na raça humana. Perceber esse processo em nós é uma experiência enriquecedora, pela qual eu espero sempre passar. Nesse fim de semana lembrei de um precioso texto de Clarice Lispector, ao achar em casa uma agenda de 1999 (onde anotei o texto):
"Quando eu aprendi a ler e a escrever eu DEVORAVA os livros! Eu pensava, olha que coisa! Eu pensava que livro é como árvore, é como bicho: coisa que nasce! Não descobria que era um autor! Lá pelas tantas descobri que era um autor. Aí disse: 'Eu também quero'".
Lembro que nesse ano eu começava a levar mais a sério esse negócio de escrever, as crônicas nasciam a torto e a direito... E vem uma das maiores escritoras brasileiras e me diz, humildemente, como foi que ela resolveu ser autora. Foi a minha vez de dizer: eu também quero!!!
E o que tudo isso tem a ver com amadurecimento? O lance é que eu DETESTAVA ler Clarice Lispector. Suas epifanias e profundidades psicológicas enchiam o saco... Meu sentimento era o de não chegar perto de nenhum livro dela. Mas o detalhe é que eu li Clarice pela primeira vez aos 15 anos... Antes mesmo de Machado de Assis, com seu "Dom Casmurro", me despertar de vez pra literatura. Hoje, ler Clarice Lispector é um renovo pra mim. Todas as características de sua literatura que antes eu tanto desprezava agora me completam, me entendem e eu as entendo também.
Gosto não necessariamente muda à medida que amadurecemos. Mas em certos casos, é só o que explica. Eu prefiro fazer como o velho Raul, preferindo ser uma metamorfose sincera do que ter aquela velha opinião formada e soberbamente orgulhosa de continuar na mesma. Quando penso que poderia me encontrar hoje sem aproveitar as delícias que Clarice Lispector me oferece...
De fato, o bom mesmo é reconhecer seu amadurecimento. Olhar pra trás e perceber o que rolou pra que hoje você seja desse jeito, goste dessas coisas, se relacione com essas pessoas. Perceber que nada foi em vão, nem mesmo o que na época tenhamos pensado que fosse em vão. O vão abriu espaço, então tá tranqüilo. Enfim, algo que encontra até mesmo respaldo bíblico, em palavras de Jesus aos discípulos: "o que eu faço, não compreendes agora. Compreendê-lo-ás depois." Em certos casos, ainda bem.
quinta-feira, 29 de maio de 2003
Outra morte, outro desperdício jornalístico
Morreu Almir Chediak, o autor daqueles songbooks maravilhosos da MPB. Foi ele quem facilitou bastante aos músicos (principiantes ou profissionais) o acesso às obras-primas da nossa cultura em todas as suas cifras e partituras. Uma perda lastimável de um produtor cultural que possivelmente iria acalentar novas gerações de artistas musicais com seu melhor produto.
Os assassinos de Almir confessaram o crime. O plano era assaltar a casa do produtor, roubar o carro e matá-lo, junto com sua namorada (que escapou). Afinal, ambos reconheceram o autor dos disparos, que era o velho caseiro do sítio de Almir.
Eis que o Jornal Nacional noticia a o crime e o funeral de Almir Chediak e, claro, ouve depoimentos de artistas presentes ao enterro. Francis Hime diz: “É uma grande perda para a nossa música. E a pessoa morrer assim... Onde vamos parar?”. João Bosco: “É um absurdo. Como duas pessoas podem matar outra, assim, com essa facilidade? Alguma coisa tem que ser feita”. Lembrando que era uma matéria editada.
Editada e direcionada por completo. Era pra noticiar a morte do produtor cultural carioca e de repente, não mais que de repente, vira um novo parâmetro-protesto classificando o Rio como o mundo maravilhoso da violência, a cidade-pária de nossas mazelas urbanas. Cidade calamitosa, reverberando o Casseta e Planeta.
Aos navegantes de primeiro artigo, esclareço (outra vez) que não sou um insensível que acha que tudo o que falam do Rio é “exagero”. Mas não posso compactuar com uma imprensa que, se já não bastasse ser sensacionalista, também é oportunista. Em vez de respeitar o luto da família e amigos de Chediak e simplesmente noticiar o que aconteceu (que por si só já choca a todos), acaba “aproveitando o ensejo” pra incitar a cultura do medo no carioca e no resto do Brasil em relação ao Rio. E usando das falas de artistas para legitimar essa postura. Sendo que eles eram os menos isentos para isso, uma vez que estavam emocionalmente envolvidos com a questão e eram artistas, não especialistas da área de segurança.
Não é meu intuito banalizar a violência, mas esse tipo de crime só acontece no Rio? Só acontece no Brasil? Acho que não. Também não acredito na imprensa “imparcial, neutra e objetiva” que “apenas noticie” sem qualquer interferência ou partidarismo. Mas e o bom senso, e o respeito à inteligência dos espectadores? Será que João Bosco e Francis Hime opinaram apenas sobre a violência na nossa cidade, justo na morte de um importante personagem da cena cultural brasileira? Quem não enxerga a Globo “forçando a barra” pra ligar o crime isolado ao clima de medo que já vem impondo faz tempo? E não só a Globo, claro.
Uma cidade superpopulosa, com contrastes sociais gritantes dos quais a violência é um de seus frutos. Essa é a descrição de qualquer uma das grandes capitais brasileiras. Por que o Rio tem que ser o “penico violento” do Brasil? E pior, pior: por que espalhar a cultura do medo?
Repito, “tripito”, “quadripito”: os fatos violentos falam por si só. Não é necessário exagerar, nem forçar a barra. Desculpem estar voltando ao tema, mas o sensacionalismo não descansa, por que eu vou descansar?
Morreu Almir Chediak, o autor daqueles songbooks maravilhosos da MPB. Foi ele quem facilitou bastante aos músicos (principiantes ou profissionais) o acesso às obras-primas da nossa cultura em todas as suas cifras e partituras. Uma perda lastimável de um produtor cultural que possivelmente iria acalentar novas gerações de artistas musicais com seu melhor produto.
Os assassinos de Almir confessaram o crime. O plano era assaltar a casa do produtor, roubar o carro e matá-lo, junto com sua namorada (que escapou). Afinal, ambos reconheceram o autor dos disparos, que era o velho caseiro do sítio de Almir.
Eis que o Jornal Nacional noticia a o crime e o funeral de Almir Chediak e, claro, ouve depoimentos de artistas presentes ao enterro. Francis Hime diz: “É uma grande perda para a nossa música. E a pessoa morrer assim... Onde vamos parar?”. João Bosco: “É um absurdo. Como duas pessoas podem matar outra, assim, com essa facilidade? Alguma coisa tem que ser feita”. Lembrando que era uma matéria editada.
Editada e direcionada por completo. Era pra noticiar a morte do produtor cultural carioca e de repente, não mais que de repente, vira um novo parâmetro-protesto classificando o Rio como o mundo maravilhoso da violência, a cidade-pária de nossas mazelas urbanas. Cidade calamitosa, reverberando o Casseta e Planeta.
Aos navegantes de primeiro artigo, esclareço (outra vez) que não sou um insensível que acha que tudo o que falam do Rio é “exagero”. Mas não posso compactuar com uma imprensa que, se já não bastasse ser sensacionalista, também é oportunista. Em vez de respeitar o luto da família e amigos de Chediak e simplesmente noticiar o que aconteceu (que por si só já choca a todos), acaba “aproveitando o ensejo” pra incitar a cultura do medo no carioca e no resto do Brasil em relação ao Rio. E usando das falas de artistas para legitimar essa postura. Sendo que eles eram os menos isentos para isso, uma vez que estavam emocionalmente envolvidos com a questão e eram artistas, não especialistas da área de segurança.
Não é meu intuito banalizar a violência, mas esse tipo de crime só acontece no Rio? Só acontece no Brasil? Acho que não. Também não acredito na imprensa “imparcial, neutra e objetiva” que “apenas noticie” sem qualquer interferência ou partidarismo. Mas e o bom senso, e o respeito à inteligência dos espectadores? Será que João Bosco e Francis Hime opinaram apenas sobre a violência na nossa cidade, justo na morte de um importante personagem da cena cultural brasileira? Quem não enxerga a Globo “forçando a barra” pra ligar o crime isolado ao clima de medo que já vem impondo faz tempo? E não só a Globo, claro.
Uma cidade superpopulosa, com contrastes sociais gritantes dos quais a violência é um de seus frutos. Essa é a descrição de qualquer uma das grandes capitais brasileiras. Por que o Rio tem que ser o “penico violento” do Brasil? E pior, pior: por que espalhar a cultura do medo?
Repito, “tripito”, “quadripito”: os fatos violentos falam por si só. Não é necessário exagerar, nem forçar a barra. Desculpem estar voltando ao tema, mas o sensacionalismo não descansa, por que eu vou descansar?
quinta-feira, 22 de maio de 2003
O cerejão
Frases minhas – semana passada: “eu vou”. Hoje: “eu fui”. Não é Rock in Rio, é a clássica Bienal do Livro 2003. Minha angústia de não poder visitá-la em um fim de semana inteiro (como era meu objetivo) foi suprida por uma ida na quarta-feira mesmo, depois do trabalho. Preparei-me: levei uma roupa mais leve e um tênis pra lá me trocar e aproveitar a feirona do livro mais à vontade.
Assim que cheguei, pensei em dar uma olhada na superlotada Arena Jovem. Desisti. O tema era TV e realidade, com Pedro Bial. Blergh! Guardei os volumes no guarda-volumes e comecei a jornada pelas editoras universitárias. De cara, 2 livros em menos de 10 minutos! Cheguei a me assustar com o que parecia ser um comportamento de comprador compulsivo...
A seguir, o Café Literário, no qual pude apreciar Armando Nogueira palestrando sobre Otto Lara Resende, no tema “Amigos para sempre”. Ótimas histórias, ótimos escritores. Mas um destaque necessário vai para a menina que distribuía as senhas. Ela era linda, linda... Vale a pena ir ao outro lado da face da Terra – o Riocentro – para encontrá-la. Cheguei a inventar uma nova dúvida só pra poder olhar para seu rosto outra vez e ouvir suas belas informações, com muito mais atenção na forma que no conteúdo. Atrasar-me-ei na próxima vez, para ser obrigado a assistir a palestra na TV – que fica ao lado dela...
Mas o meu destaque principal vai mesmo para o stand do Ministério da Educação, que cada vez mais tem a cara do Cristovam Buarque, meu novo super-herói. Como não podia deixar de ser, o tema principal era a campanha para erradicar o analfabetismo em 4 anos (sem pensar em reeleição), capitaneado por um obcecado pela educação de um povo necessitando disso, às vezes sem saber.
Ao lado do stand, uma câmara escura decorada por fora com cartas estilizadas em tamanho gigante. O conteúdo delas era o mesmo: pessoas recém-alfabetizadas escreviam seu primeiro texto na vida, e diziam isso ao destinatário. Comovente, mas há mais. Ao adentrar a câmara escura, um breu e uma narração em voz firme anunciando que, por cinco minutos, viveríamos como 20 milhões de brasileiros. Somos então “levados” a sair de nossa casa, ir até o centro da cidade, procurar emprego e fazer as coisas mais simples do cotidiano, com luzes iluminando fotos de cada ação do tipo. Com a diferença de que todas as indicações (placas, classificados, marcas em geral) estarem escritas ao contrário e adulteradas, impedindo sua leitura. Ao final, somos convidados a deixar nossa assinatura – que não seria outra senão uma impressão digital.
Por cinco minutos fomos levados a perceber que 20 milhões de analfabetos não podem fazer sozinhos coisas simples da vida, como pegar um ônibus ou comprar um remédio. São muito dependentes e, conseqüentemente, explorados. De uma forma ou de outra, humilhados. Ao final recebemos cartilhas e folders sobre o plano para erradicar o analfabetismo no Brasil. Plano que não é apenas para um Governo se virar, tomar os louros pra si e créditos pra eleição. Mas que convoca cada brasileiro leitor, fazendo despertar sua sensibilidade para que a massa de iletrados excluídos possa ao menos ter chance de enxergar um sentido na dura vida que leva. Um sentimento de libertação é urgente para essas pessoas, e cada um de nós é responsável. Não há espaço para desculpas do tipo “nem sabia a que ponto estava”. Como diz o programa do Ministro, são 20 milhões que não sabem ler a própria bandeira (Que Ordem? Que Progresso?).
Por tudo isso, o stand foi o cerejão do bolo da Bienal. E fica a proposta: Cristovam Buarque Ministro da Educação vitalício!
Frases minhas – semana passada: “eu vou”. Hoje: “eu fui”. Não é Rock in Rio, é a clássica Bienal do Livro 2003. Minha angústia de não poder visitá-la em um fim de semana inteiro (como era meu objetivo) foi suprida por uma ida na quarta-feira mesmo, depois do trabalho. Preparei-me: levei uma roupa mais leve e um tênis pra lá me trocar e aproveitar a feirona do livro mais à vontade.
Assim que cheguei, pensei em dar uma olhada na superlotada Arena Jovem. Desisti. O tema era TV e realidade, com Pedro Bial. Blergh! Guardei os volumes no guarda-volumes e comecei a jornada pelas editoras universitárias. De cara, 2 livros em menos de 10 minutos! Cheguei a me assustar com o que parecia ser um comportamento de comprador compulsivo...
A seguir, o Café Literário, no qual pude apreciar Armando Nogueira palestrando sobre Otto Lara Resende, no tema “Amigos para sempre”. Ótimas histórias, ótimos escritores. Mas um destaque necessário vai para a menina que distribuía as senhas. Ela era linda, linda... Vale a pena ir ao outro lado da face da Terra – o Riocentro – para encontrá-la. Cheguei a inventar uma nova dúvida só pra poder olhar para seu rosto outra vez e ouvir suas belas informações, com muito mais atenção na forma que no conteúdo. Atrasar-me-ei na próxima vez, para ser obrigado a assistir a palestra na TV – que fica ao lado dela...
Mas o meu destaque principal vai mesmo para o stand do Ministério da Educação, que cada vez mais tem a cara do Cristovam Buarque, meu novo super-herói. Como não podia deixar de ser, o tema principal era a campanha para erradicar o analfabetismo em 4 anos (sem pensar em reeleição), capitaneado por um obcecado pela educação de um povo necessitando disso, às vezes sem saber.
Ao lado do stand, uma câmara escura decorada por fora com cartas estilizadas em tamanho gigante. O conteúdo delas era o mesmo: pessoas recém-alfabetizadas escreviam seu primeiro texto na vida, e diziam isso ao destinatário. Comovente, mas há mais. Ao adentrar a câmara escura, um breu e uma narração em voz firme anunciando que, por cinco minutos, viveríamos como 20 milhões de brasileiros. Somos então “levados” a sair de nossa casa, ir até o centro da cidade, procurar emprego e fazer as coisas mais simples do cotidiano, com luzes iluminando fotos de cada ação do tipo. Com a diferença de que todas as indicações (placas, classificados, marcas em geral) estarem escritas ao contrário e adulteradas, impedindo sua leitura. Ao final, somos convidados a deixar nossa assinatura – que não seria outra senão uma impressão digital.
Por cinco minutos fomos levados a perceber que 20 milhões de analfabetos não podem fazer sozinhos coisas simples da vida, como pegar um ônibus ou comprar um remédio. São muito dependentes e, conseqüentemente, explorados. De uma forma ou de outra, humilhados. Ao final recebemos cartilhas e folders sobre o plano para erradicar o analfabetismo no Brasil. Plano que não é apenas para um Governo se virar, tomar os louros pra si e créditos pra eleição. Mas que convoca cada brasileiro leitor, fazendo despertar sua sensibilidade para que a massa de iletrados excluídos possa ao menos ter chance de enxergar um sentido na dura vida que leva. Um sentimento de libertação é urgente para essas pessoas, e cada um de nós é responsável. Não há espaço para desculpas do tipo “nem sabia a que ponto estava”. Como diz o programa do Ministro, são 20 milhões que não sabem ler a própria bandeira (Que Ordem? Que Progresso?).
Por tudo isso, o stand foi o cerejão do bolo da Bienal. E fica a proposta: Cristovam Buarque Ministro da Educação vitalício!
sábado, 17 de maio de 2003
Procurando os tiros
Há filmes que não consigo explicar por que, mas afirmo com certeza que precisam ser vistos por cada habitante do planeta. Filmes que, não sei descrever exatamente como, mexem comigo e invocam – às vezes à força – nossa sensibilidade para que saiamos de nosso mundinho pessoal e percebamos que há uma realidade pulsando a nossa volta. E que estar esclarecido sobre essa realidade faz com que desejemos ser melhores seres humanos.
Tiros em Columbine é um filme assim. Para quem ainda não sabe ou não lembra, foi o documentário que ganhou o Oscar no qual o diretor, Michael Moore fez um ousado discurso contra Bush e os senhores da guerra americanos - sejam eles políticos, militares, artistas ou cidadãos.
O tema principal do filme é a mania de armas dos cidadãos norte-americanos, suas possíveis causas e terríveis conseqüências. Mas aborda a questão em diversos níveis, usando do humor. O melhor é ver pessoas cínicas admitindo seu cinismo diante das câmeras, admitindo o mal que fazem para a sociedade da qual são parte: o produtor do programa “Cops”, uma espécie de “Linha Direta” de muito sucesso nos EUA; Charlton Heston, presidente de honra da Associação Nacional do Rifle que discursa, um dia depois, nas cidades onde crianças e adolescentes mataram colegas e professores de escola. Defendendo as armas! E é encurralado por Michael Moore numa entrevista sensacional. Os políticos que promovem a cultura do medo através da mídia totalmente cooptada e sem o menor compromisso com o que noticiam. Um procedimento bem familiar aos cariocas e brasileiros que ouvem as notícias do Rio.
Não dá pra traduzir o que o filme proporciona. Eu vi há 2 horas e ainda não consigo colocar em palavras o impacto que ele causa. Talvez verbalmente, mas não na escrita. O que gostaria de deixar registrado aqui é a necessidade urgente de dizer aos leitores: vejam esse filme. Vejam, façam um grande favor à sensibilidade e à construção da personalidade de vocês, para que percebam no que podemos nos tornar, o quão responsáveis podemos ser pelos monstros que surgem aqui e acolá. O quão maléfico pode ser a preguiça de pensar. Ou o desprezo pelo papel de cada um como cidadão, eleitor, espectador crítico, leitor atento.
Tiros em Columbine não é apenas um filme. Desculpe o artigo aquém do esperado, mas é preciso que você vá ao cinema para eu poder me comunicar melhor.
Há filmes que não consigo explicar por que, mas afirmo com certeza que precisam ser vistos por cada habitante do planeta. Filmes que, não sei descrever exatamente como, mexem comigo e invocam – às vezes à força – nossa sensibilidade para que saiamos de nosso mundinho pessoal e percebamos que há uma realidade pulsando a nossa volta. E que estar esclarecido sobre essa realidade faz com que desejemos ser melhores seres humanos.
Tiros em Columbine é um filme assim. Para quem ainda não sabe ou não lembra, foi o documentário que ganhou o Oscar no qual o diretor, Michael Moore fez um ousado discurso contra Bush e os senhores da guerra americanos - sejam eles políticos, militares, artistas ou cidadãos.
O tema principal do filme é a mania de armas dos cidadãos norte-americanos, suas possíveis causas e terríveis conseqüências. Mas aborda a questão em diversos níveis, usando do humor. O melhor é ver pessoas cínicas admitindo seu cinismo diante das câmeras, admitindo o mal que fazem para a sociedade da qual são parte: o produtor do programa “Cops”, uma espécie de “Linha Direta” de muito sucesso nos EUA; Charlton Heston, presidente de honra da Associação Nacional do Rifle que discursa, um dia depois, nas cidades onde crianças e adolescentes mataram colegas e professores de escola. Defendendo as armas! E é encurralado por Michael Moore numa entrevista sensacional. Os políticos que promovem a cultura do medo através da mídia totalmente cooptada e sem o menor compromisso com o que noticiam. Um procedimento bem familiar aos cariocas e brasileiros que ouvem as notícias do Rio.
Não dá pra traduzir o que o filme proporciona. Eu vi há 2 horas e ainda não consigo colocar em palavras o impacto que ele causa. Talvez verbalmente, mas não na escrita. O que gostaria de deixar registrado aqui é a necessidade urgente de dizer aos leitores: vejam esse filme. Vejam, façam um grande favor à sensibilidade e à construção da personalidade de vocês, para que percebam no que podemos nos tornar, o quão responsáveis podemos ser pelos monstros que surgem aqui e acolá. O quão maléfico pode ser a preguiça de pensar. Ou o desprezo pelo papel de cada um como cidadão, eleitor, espectador crítico, leitor atento.
Tiros em Columbine não é apenas um filme. Desculpe o artigo aquém do esperado, mas é preciso que você vá ao cinema para eu poder me comunicar melhor.
quinta-feira, 15 de maio de 2003
A carapuça que nunca serve
Ok, vivemos no Rio, uma cidade cuja fama violenta propaga-se com velocidade crescente aqui e lá fora. Até aí nada de novo que a mídia não esteja proclamando repetidas vezes. Entretanto uma matéria me chamou a atenção na semana passada. Foi a primeira página do Globo em 09/05: Cultura do medo se espalha no Rio. Logo abaixo, a chamada: Escolas e universidade suspendem atividades; acidente banal gera pânico na Linha Vermelha.
Sim, a violência vem aumentando, fruto de uma desigualdade social cada vez maior e da força do tráfico. Sim, policiais corruptos impedem que a corrupção diminua. Sim, autoridades da área de segurança que se revezam ano após ano não conseguem sequer lidar com o problema. Mas a pergunta que me surgiu é: como uma cultura do medo se espalha?
Lembrei de uma conversa que tive há pouco com meu chefe. Comentava o fato de um amigo não sair de casa à noite com medo da violência. No que ele respondeu ao amigo: “do jeito que as coisas estão, se tomarmos essa atitude a gente não sai de casa pra nada, pra lugar nenhum, em hora nenhuma”. E me toquei que, não importa como esteja o Rio, preciso todos os dias sair de casa, trabalhar, ir pra faculdade e voltar pra casa.
Longe de mim ser frio e insensível dizer que precisamos fingir que a violência não existe no Rio, ou que não sou um “possível alvo”. Mas a paranóia... Como somos induzidos a encarar a questão da violência sempre em um nível maior do que já está? Essa chamada “cultura do medo” é algo a mais, um extra do qual não necessitamos que a imprensa nos forneça. Os fatos por si só já bastam, não é necessário exagerar o exagero.
Mas o sensacionalismo não se contenta com os fatos em si, mesmo quando procura (e acha) os mais terríveis. Precisa “aculturar” o público consumidor das notícias de maneira que o clima seja mantido, mesmo que, no momento, o que menos se precise é de adrenalina além da conta. (Curioso é que em Copa do Mundo e Carnaval nem bala perdida aparece... A violência “acaba” pelo tempo que convém.)
Até que ponto um alarde do tipo “acidente banal na Linha Vermelha” na primeira página pode colaborar para que uma histeria não nos domine? Por que o RJTV precisa colocar, enquanto o apresentador se dirige a nós, um logo vermelho escrito “A NOSSA GUERRA”, assim, em caixa alta e tudo? Até que ponto o vocábulo “guerra” aparecer fácil em conversa de boteco não prejudica a nossa apreensão dos fatos como eles são e a conscientização para que se saiba cobrar soluções para a situação do Rio?
Diante disso tudo, a matéria do Casseta e Planeta (de 1993!) sobre a “Cidade Calamitosa” continua atual e, abusando da ironia, corre o risco de nos fazer pensar melhor sobre a que ponto chegamos. E olha que o slogan deles é “humorismo verdade, jornalismo mentira”...
Ok, vivemos no Rio, uma cidade cuja fama violenta propaga-se com velocidade crescente aqui e lá fora. Até aí nada de novo que a mídia não esteja proclamando repetidas vezes. Entretanto uma matéria me chamou a atenção na semana passada. Foi a primeira página do Globo em 09/05: Cultura do medo se espalha no Rio. Logo abaixo, a chamada: Escolas e universidade suspendem atividades; acidente banal gera pânico na Linha Vermelha.
Sim, a violência vem aumentando, fruto de uma desigualdade social cada vez maior e da força do tráfico. Sim, policiais corruptos impedem que a corrupção diminua. Sim, autoridades da área de segurança que se revezam ano após ano não conseguem sequer lidar com o problema. Mas a pergunta que me surgiu é: como uma cultura do medo se espalha?
Lembrei de uma conversa que tive há pouco com meu chefe. Comentava o fato de um amigo não sair de casa à noite com medo da violência. No que ele respondeu ao amigo: “do jeito que as coisas estão, se tomarmos essa atitude a gente não sai de casa pra nada, pra lugar nenhum, em hora nenhuma”. E me toquei que, não importa como esteja o Rio, preciso todos os dias sair de casa, trabalhar, ir pra faculdade e voltar pra casa.
Longe de mim ser frio e insensível dizer que precisamos fingir que a violência não existe no Rio, ou que não sou um “possível alvo”. Mas a paranóia... Como somos induzidos a encarar a questão da violência sempre em um nível maior do que já está? Essa chamada “cultura do medo” é algo a mais, um extra do qual não necessitamos que a imprensa nos forneça. Os fatos por si só já bastam, não é necessário exagerar o exagero.
Mas o sensacionalismo não se contenta com os fatos em si, mesmo quando procura (e acha) os mais terríveis. Precisa “aculturar” o público consumidor das notícias de maneira que o clima seja mantido, mesmo que, no momento, o que menos se precise é de adrenalina além da conta. (Curioso é que em Copa do Mundo e Carnaval nem bala perdida aparece... A violência “acaba” pelo tempo que convém.)
Até que ponto um alarde do tipo “acidente banal na Linha Vermelha” na primeira página pode colaborar para que uma histeria não nos domine? Por que o RJTV precisa colocar, enquanto o apresentador se dirige a nós, um logo vermelho escrito “A NOSSA GUERRA”, assim, em caixa alta e tudo? Até que ponto o vocábulo “guerra” aparecer fácil em conversa de boteco não prejudica a nossa apreensão dos fatos como eles são e a conscientização para que se saiba cobrar soluções para a situação do Rio?
Diante disso tudo, a matéria do Casseta e Planeta (de 1993!) sobre a “Cidade Calamitosa” continua atual e, abusando da ironia, corre o risco de nos fazer pensar melhor sobre a que ponto chegamos. E olha que o slogan deles é “humorismo verdade, jornalismo mentira”...
sexta-feira, 9 de maio de 2003
E os pimpolhos? - parte 2
Transcrevo abaixo o ótimo comentário da amiga Louise Araujo, formada em jornalismo pela UFF (eu chego lá!) e leitora assídua deste blog:
"Bom, TV nunca educou. A programação era tão ruim antes (com raras exceções) quanto o é hoje (com raras exceções). Mas antes, pela dificuldade de acesso ao aparelho, menos crianças eram deixadas aos cuidados da telinha. Atualmente, quando a banalização da aquisição tornou possível ter uma babá eletrônica em cada cômodo (e ainda equipada com canais mil, cheios de atrativos), tornou-se lógico para muitos pais que aquela caixinha tivesse o discernimento e a pedagogia de um real educador - e largaram o "trabalho sujo" pra ser feito por ela.
Eu lembro que, numa cena de "A próxima vítima" (novela do Sílvio de Abreu) o personagem de Rosamaria Murtinho aparecia morta, boiando numa piscina. Muitos pais podem ter se indignado de ter se veiculado cena tão forte num horário em que as crianças ainda estavam acordadas - mas pelo menos uma mãe discordou deles. Escreveu uma carta (para O Globo? JB? Não lembro....) dizendo que, ao invés de se horrorizar, explicou ao filho o que tinha acontecido, lembrou que aquela era apenas uma cena de novela (e vamos combinar que os contos de fada têm cenas bem mais violentas do que essa) etc etc etc. Enfim, explicou o mundo ao filho, ensinou as coisas da vida a ele. E parabenizava o autor pela boa qualidade da cena.
Que bom seria se todos os pais agissem assim - ou seja, com a consciência de que têm um dever muito importante ao colocarem uma criança no mundo: educá-la. Isso não é uma tarefa fácil nem divertida; mas é a obrigação de quem se sentiu adulto o suficiente para tomar a decisão de trazer um ser humano ao mundo. Até porque, vamos combinar, ninguém prometeu que ele viria com um manual de instruções."
Transcrevo abaixo o ótimo comentário da amiga Louise Araujo, formada em jornalismo pela UFF (eu chego lá!) e leitora assídua deste blog:
"Bom, TV nunca educou. A programação era tão ruim antes (com raras exceções) quanto o é hoje (com raras exceções). Mas antes, pela dificuldade de acesso ao aparelho, menos crianças eram deixadas aos cuidados da telinha. Atualmente, quando a banalização da aquisição tornou possível ter uma babá eletrônica em cada cômodo (e ainda equipada com canais mil, cheios de atrativos), tornou-se lógico para muitos pais que aquela caixinha tivesse o discernimento e a pedagogia de um real educador - e largaram o "trabalho sujo" pra ser feito por ela.
Eu lembro que, numa cena de "A próxima vítima" (novela do Sílvio de Abreu) o personagem de Rosamaria Murtinho aparecia morta, boiando numa piscina. Muitos pais podem ter se indignado de ter se veiculado cena tão forte num horário em que as crianças ainda estavam acordadas - mas pelo menos uma mãe discordou deles. Escreveu uma carta (para O Globo? JB? Não lembro....) dizendo que, ao invés de se horrorizar, explicou ao filho o que tinha acontecido, lembrou que aquela era apenas uma cena de novela (e vamos combinar que os contos de fada têm cenas bem mais violentas do que essa) etc etc etc. Enfim, explicou o mundo ao filho, ensinou as coisas da vida a ele. E parabenizava o autor pela boa qualidade da cena.
Que bom seria se todos os pais agissem assim - ou seja, com a consciência de que têm um dever muito importante ao colocarem uma criança no mundo: educá-la. Isso não é uma tarefa fácil nem divertida; mas é a obrigação de quem se sentiu adulto o suficiente para tomar a decisão de trazer um ser humano ao mundo. Até porque, vamos combinar, ninguém prometeu que ele viria com um manual de instruções."
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